Na sociedade o “vencer na vida” é relativo;
todos poderiam “vencer”, se se entendessem convenientemente, porque o
verdadeiro “vencer na vida” consiste em cada um empregar o seu tempo como lhe
apraza, e não na execução de trabalhos pelos quais nenhum gosto sinta. “Como
cada um tem aptidões diferentes, nenhum trabalho útil ficaria por fazer. Em
tudo existe o equilíbrio; o homem é quem o perturba.” [1]
É evidente que não é natural a “desigualdade
extrema” na sociedade. É obra de alguns homens e não de Deus. Mas essa
“desigualdade extrema” desaparecerá
quando o egoísmo e o orgulho deixarem de predominar. Permanecerá porém a
desigualdade do merecimento , pois que a cada um segundo seus méritos, como
proferiu Jesus.” [2]
Sobre isso, li com atenção o depoimento de
Fernanda Orsomarzo, uma juíza de direito do Tribunal de Justiça do Paraná,
afirmando que “ralou duro” para ser Juíza de Direito. Chegou a estudar 12 horas
por dia, abdicou de festas, passou feriados em frente aos livros. Sim, muito
esforço pessoal.[3] Seria hipocrisia
afirmar que se tornou juíza por méritos pessoais. Justifica que tudo lhe foi
favorável, pois nasceu “branca”, era da classe média, estudou em escola
particular, frequentou cursos de inglês e informática, teve acesso a filmes e
livros. Contou com pais presentes e preocupados com a sua formação. Jamais
faltou o seu café da manhã, almoço e jantar. Nunca se preocupou com merenda ou
material escolar.
Não obstante seu esforço individual, no
entanto, afiança que nada conquistaria sem as inúmeras oportunidades
proporcionadas pelo fato de ter nascida “branca”e no seio de uma família de
classe média bem estruturada. Justifica não ter mérito porque na competição em
busca do “vencer na vida”, teve todas as vantagens desde que nasceu. Por isso,
segundo afirma, não é justo ser exigido
que alguém que sequer tem professores
pagos pelo Estado entre nessa competição (“vencer na vida”)em iguais condições.
Alega que o discurso embasado na meritocracia
desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua
omissão e da falta de políticas públicas. Segundo Orsomarzo, a meritocracia
naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social.
Em que pese Fernanda ter um discurso
charmoso, talvez resvale para uma ideologia
capciosa. Sob o ponto de vista espírita não anuímos com a sua arenga.
Observemos o seguinte cenário: abre-se vaga para médico, através de um concurso
público (confiável). Poderão se inscrever os que satisfazem as exigências
legais. Apresentam-se dois candidatos. O primeiro é filho de um professor,
estudou em uma faculdade “de ponta”, teve no lar todos os estímulos para
estudar todos os livros necessários e nunca precisou trabalhar. O segundo
candidato é órfão de pai desde criança. Sua mãe é uma diarista, criou cinco
filhos com enormes dificuldades. Esse candidato não teve muito tempo para
estudar; sem livros, tendo que trabalhar desde cedo, estudando à noite em uma
faculdade “fuleira”, pouca alimentação etc.
Pergunta-se: qual deles dois, considerando-se
que possuem a mesma inteligência e se prepararam para o concurso, está,
teoricamente, em melhores condições de vencer a disputa? Obviamente, o primeiro
candidato.
Para os espíritas a meritocracia faz sentido
a partir de uma abordagem reencarnacionista, e torna justa a lei de Deus. As
nossas encarnações são construídas segundo duas variantes: a necessidade
evolutiva e os resultados de nossas ações de vidas pregressas.
O primeiro candidato (filho do professor)
pode ter sido um filho de lavadeira em reencarnação anterior, e que, superando
todos os obstáculos, fez o melhor que pôde, adquirindo merecimentos, que lhe
são considerados na existência atual. O segundo candidato (filho da lavadeira)
talvez tenha sido um filho de professor no passado, que tendo recebido todas as
facilidades em existência hipotética, desconsiderou-as, levando uma vida de
ócio ou devassidão. Retorna, pela reencarnação, ao cenário da Terra, com
dificuldades redentoras para, através da vida custosa, reeducar-se perante si
mesmo. E assim a justiça se faz e o princípio do mérito torna-se aplicável às
diferentes situações da vida.
Meritocracia (do latim meritum, “mérito”, e
do sufixo cracia, “poder”) indica posições ou colocações conseguidas por mérito
pessoal. É comum se fazer referência à meritocracia espírita, designada por
Kardec como aristocracia intelecto-moral, desmerecendo-a por analogia à
meritocracia vigente. A meritocracia espírita é fundamentada nas conquistas
morais do Espírito encarnado. Os conceitos do Espiritismo defendem a
meritocracia do ideário liberal, a liberdade individual e quem pugna por esses
valores não deve ser tido como um reacionário.
O princípio da improfícua ideologia
igualitária sempre fascinou a mente revoltosa, porque parece ser mais “justa”,
e atender melhor à parte mais “desprotegida” da sociedade. Irrisão! Essa
ideologia carrega consigo uma mancha execrável. Não é capaz de respeitar o que
é inerente ao ser humano, que é o livre arbítrio individual. Como não
conseguirá jamais se estabelecer com a concordância dos cidadãos, precisa se
impor à força para que os “mais iguais” (grupelhos autoritários e minoritários)
liderem e dirijam a “liberdade” do resto da massa narcotizada e reprimida.
Seria hoje possível a “igualdade absoluta”
das riquezas, por exemplo ou das oportunidades? Óbvio que não é possível. “A
isso se opõe a diversidade das faculdades e dos caracteres. ”[4] Há, teóricos
que julgam ser a “igualitarismo” o remédio aos males da sociedade. Quase sempre
tais partidário são ateus, materialistas e cultores de sistemas [coercitivos]
ou interesseiros entupidos de cobiça. “Não compreendem que a “igualdade” com
que sonham seria a curto prazo desfeita pela força das circunstâncias.
É importante sim combater o egoísmo, que é a
chaga social, mas não correr atrás de quimeras utópicas.”[5]
Referências bibliográficas:
[1] Kardec Allan. O Livro dos Espíritos
, questão 812, RJ: Ed. FEB, 2000
[2] Idem, questão 806
[3] Disponível em
http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2016/09/06/interna_politica,801438/juiza-diz-que-meritocracia-naturaliza-pobreza-e-post-viraliza.shtml
, acesso
07/08/2016
[4] Kardec Allan. O Livro dos Espíritos
, questão 811, RJ: Ed. FEB, 2000
[5] Idem
inciso “a”
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