Desenho à caneta de Wagner Pardini |
Muito se fala em reforma íntima, interior.
Que seja. A expressão, contudo, é insuficiente a propósitos demasiado
transversais como os da doutrina espírita. Simples reformas não operam mudanças
substantivas, cuja significação anime em definitivo o fomento de uma nova
sensibilidade coletiva, que é, sem dúvida, a meta suprema do legado daquele
camponês judeu do Mediterrâneo.
Os ensinos e a vida de Jesus em tudo se
distanciam desses simulacros comportamentais, de meras exibições de prosélito
individualista, que as religiões do oportunismo ousam chamar de conversões. Há
que considerar os sentidos mais originários das falas daquele magnético
iletrado de Nazaré, que se reportam a nossa mudança de mente, à passagem de
nossos níveis de consciência a percepções mais apuradas do existir, mediante a
compreensão da necessidade de enfrentarmos o coexistir segundo sua
revolucionária proposta: devemos fazer aos demais aquilo que queremos nos
façam.
Não há verdadeiro amor a Deus que não se faça
amor ao próximo; do contrário, não haverá amor e, mais ainda: já não existirá
Deus em qualquer cristão de fato. Para tanto, são precisos movimentos de grande
profundidade no ser anímico, que o conduzam para além da face animal, da
mecânica física e da aparência perispiritual, e lhe proporcionem surpreender-se
nesse poder de constante transformação, fundamentalmente moral e espiritual,
por influência de nossa identidade perene em sua incorruptível transcendência,
de divina natureza. Todos somos filhos do Altíssimo!
Esses movimentos de grande profundidade no
espírito não se verificam de um momento inusitado para outro de simples
capricho. A reencarnação é o processo natural que opera essa transformação
gradativa da consciência dos seres imortais, em âmbitos de especialíssimos
estados, cada vez mais identificados com nossa filiação indissimulável, até que
nos sobrevenha aquela plenitude definitiva, destinada às criaturas em sua
realizável perfeição: a angelitude real, donde não se decai.
A providência mesma se nos manifesta. Diz-nos
a doutrina espírita, que Jesus é o tipo mais perfeito de guia e modelo.* Não se
há de tratar de um orientador cego, forma ectoplásmica, distante de nossas
vidas precárias. Decerto conhece o caminho pelo qual nos enveredou com sua
entrada neste mundo de sangue e água, pele e ossos. Veio para dar testemunho da
verdade, e esta mais não é que a plenitude espiritual da vida.
No mundo teremos tribulações, mas tenhamos
bom ânimo, pois o mestre é vitorioso deste sistema de coisas pelo menos há
milhões anos. Não se distraiu à margem da longa estrada; veio até nós para que
a trilhemos com decisão. Conheceremos a verdade e esta nos tornará livres se
permanecermos no caminho daquele que encarnou o amor perfeito de todo o bem;
daquele que assumiu para si que o que se faça ao menor de seus irmãos a ele
mesmo estará sendo feito. Sim, ao menos uma vez, o mais pequenino foi visto
como o mais importante, para glória da lei de justiça, amor e caridade.
* O Livro dos Espíritos, 625.
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