Foto: Júlia Rodrigues - Revista Galileu - 03/2016 |
“Os
Espíritos vingativos perseguem sempre com o seu ódio,
além
da sepultura, aqueles que ainda são objeto de rancor.
Daí
ser falso, quando aplicado ao homem, o provérbio:
“morto o cão, acaba a raiva.” (O. E.S.E., Cap.X:5)
Pesquisa
realizada pelo instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
aponta que seis em cada dez brasileiros concordam com o teor da frase “bandido bom é bandido morto.” Em 2014 o
mesmo Instituto realizou pesquisa sobre a adoção da pena de morte no Brasil e
43% dos brasileiros ouvidos apoiam a pena capital. Para um país em que mais de 90% de sua
população se diz cristã, os resultados das pesquisas se revelam assustadores,
principalmente considerando-se os aprofundamentos dos conceitos de cidadania,
igualdade, solidariedade, garantias individuais pela sociedade como um todo.
Têm-se que entender, entretanto, que a sociedade sempre agiu defensivamente –
instinto de conservação - contra o
indivíduo que delinque.
Os
números denunciam verdadeiramente, a complexidade da crise do Estado, a perda
da legitimidade das instituições, a deterioração do organismo social, a irracionalidade
e vazio espiritual. Percebe-se que se busca na realidade é uma “assepsia social”.
Os
resultados das pesquisas evocam variáveis diversas, além da pressão que a
sociedade brasileira se acha visto os níveis de violência. Para se ter uma
melhor ideia, dos pesquisados, 80% afirmaram ter modificado os hábitos de vida
devido à violência.
O
fato é que o pânico constatado é resultante direto do colapso de uma sociedade
disfuncional, como é a sociedade brasileira. Para que possamos restabelecer a
sua funcionalidade é preciso rever os valores, disciplina, poder (social) e
organização social
Em
“O Livro dos Espíritos”, (1) está assegurado que a “a vida social é natural” e que “Deus fez o homem para viver em sociedade,
dotando-o da palavra e todas as outras faculdades necessárias para a vida de
relação.” É fácil de perceber que para que haja vida social é imperativo
que se tenha uma sociedade funcional. Para
que a sociedade possa operar como sociedade, entretanto, é necessário que ela
conceda aos seus membros posição e função social, e a menos que o poder social
decisivo seja um poder legítimo. Os
precedentes se legitimam quando a relação funcional entre sociedade e indivíduo
em qualquer sociedade depende da crença básica dessa sociedade quanto à
natureza e à realização do homem. ”(2) (grifos nossos). Isso também serve para a
legitimação do poder social na dinâmica da vida social. Esclarecimento
necessário quanto à crença referente à natureza do homem (liberdade, igualdade,
perfectibilidade, bondade) que determina o objetivo da sociedade; a crença à
sua realização (vida eterna, reencarnação, ressurreição, sucesso econômico)
esfera em que se busca a execução do objetivo.
Sem
poder social legítimo passam a ocorrer chacinas, linchamentos, milícias e a “Lei de Talião” prospera, o que estimula
a vingança ao invés da justiça; o justiçamento sem seguir os protocolos de
justiça, deixando a sociedade, principalmente o povão, a mercê de indivíduos
moralistas que se apresentam como “salvadores
da pátria”, instalando-se o caos social.
A
sociedade brasileira conta com uma legião de milhares de miseráveis vivendo
abaixo da linha da pobreza, marginalizados, párias pois não dispõem de posição
e função social, (3) enquanto no topo da pirâmide, sistema de castas
que usufruem de privilégios dos quais expõem a desigualdade gritante que
constitui o grupo social brasileiro. Isso mesmo; grupo, pois não se pode
considerar a sociedade brasileira como sociedade, mas sim um agrupamento de
pessoas que segue como uma nau à deriva. Ressalte-se, todavia, que, para o
indivíduo marginalizado – sem função e posição social – a sociedade é
irracional, imensurável e amorfa. Daí, surge o delinquente.
Na
visão espírita, o indivíduo nasce para a prática do mal? Nasce para ser
bandido?
Allan Kardec, na questão nº 872 de “O Livro dos Espíritos” – Resumo Teórico
do Móvel das Ações Humanas – assinala que “o
homem não é fatalmente conduzido ao mal; os atos que pratica não “estavam
escritos”, os crimes que comete não são o resultado de um decreto do destino.
Ele pode como prova e expiação, escolher uma existência em que se sentirá
arrastado para o crime, seja pelo meio que estiver situado, seja pelas circunstâncias
supervenientes. Mas, será sempre livre de agir como quiser.” Assim, prossegue Kardec, “o livre-arbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência das provas, e no estado corpóreo, com
a faculdade de ceder ou resistir aos arrastamentos, a que voluntariamente estamos submetidos.” Não se pode confundir a “natureza criminal do
homem” que o Espiritismo admite, com a fatalidade de seus crimes, no sentido
absoluto do termo. Nem todo “delinquente” delinqui, embora isso pareça um
paradoxo, compreensível se torna pela pré-existência da alma.
A Doutrina Espírita com o seu caráter
imortalista, fundamentado em bases eminentemente científicas, demonstra que a
morte não é o fim, e a vida verdadeira é a vida espiritual. Disto, resulta que
a responsabilidade do homem delinquente é de duas classes: a humana ou social e
a espiritual. Humana ou social (miséria, fome, desemprego e educação) é quando
o homem não desfruta de posição e função na dinâmica da sociedade em que está inserido (objetivo da sociedade), gerando
conflito; espiritual quando o homem responderá por seus atos, na evolução do
Espírito imortal, - lei de causa e efeito – (realização do homem), submetida a leis absolutas e imutáveis,
insculpidas em sua consciência – questão
nº 621 de “O Livro dos Espíritos”.
Fica patente que para a Doutrina Espírita não
existe indivíduos incorrigíveis, todos são passíveis de se emendar e progredir.
Na questão nº 796 de “O Livro dos Espíritos”, os Reveladores Celestes afirmam
que as leis humanas “se destinam antes a
punir o mal praticado do que a cortar a raiz do mal. Somente a educação pode
reformar os homens, que assim não terão mais necessidades de leis tão
rigorosas”, o que faz surgir propostas como essas, da idade da barbárie, que
surgem em sociedades ditas civilizadas. Em decorrência disso, o Espírito Elizabeth de França (4),
sugere o socorro pela prece como caridade para os criminosos ao invés de se
afirmar: “É um miserável; deve ser
extirpado da Terra; a morte que se inflige é muito branda para uma criatura da
espécie.”
Leia-se o que está escrito na questão nº 813
de “O Livro dos Espíritos”: “Há quem caia
na infelicidade e na miséria por culpa própria? Não caberá a sociedade a
responsabilidade por isto?
R.
Já o dissemos; ela é com frequência a primeira responsável por estas faltas.
Não tem ela que velar pela educação moral?
Frequentemente,
a má educação é que lhe falseia o critério em vez de sufocar as tendências
perniciosas.”
É fácil de compreender que a Doutrina
Espírita em todo o seu esboço doutrinário demonstra seu relativo determinismo
sociológico. Assim, a riqueza, a miséria, a educação social, o alcoolismo, a
economia pública, os vícios, a legislação, etc, influirão decididamente nos
atos dos Espíritos encarnados, quer para o seu progresso moral, quer para o seu
estacionamento no baixo nível, segundo o temperamento dos Espíritos e os
fatores atuantes. Não se pode esquecer das influências espirituais nos
condicionantes sociais.
Por outro lado, o Espiritismo torna
compreensível a afirmativa de Jesus que “das
ovelhas que meu Pai me confiou, nenhuma se perderá” pois torna a defesa social-humana um fundamento imediato
da penalidade entre os homens, e seu fundamento mediato e supremo é a tutela, a
correção do delinquente, seu melhoramento moral, seu progresso, e disponibiliza
para esse desiderato, as vidas sucessivas, através do arrependimento, expiação
e a reparação, como modus corrigendi. A penalidade deixa de ser um mal para
converter-se em um bem, em um tratamento de medicina social, a que têm direito
os delinquentes, como já têm direito à assistência médica outros enfermos entre
os povos civilizados, afirma o professor Fernando Ortiz, em sua festejada
obra “A Filosofia Penal dos Espíritas.”
Essa é a nova ordem que o Espiritismo
inaugurou e possibilitará ao Espírito encarnado a posição e a função social, em
toda a sua plenitude para que a Humanidade se torne verdadeiramente funcional, regenerada
moralmente.
(1)
“O Livro dos Espíritos”, questão nº 766;
(2)
A
Sociedade, Peter Drucker, edições Exame,, pag. 18;
(3)
Dados do IPEA – 2013 - apontam que mais
de dez milhões de brasileiros vivem em condições de miséria no Brasil. O
conceito de extrema pobreza que o Brasil trabalha é definido pela ONU e Banco
Mundial, ou seja, alguém que vive com menos de US$ 1,25 por dia.
(4)
“O Evangelho Segundo o Espiritismo”,
cap. XI, item 14.
Referências
DRUCKER, Peter. A Sociedade. Nobel. São Paulo. 2001;
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. LAKE. São Paulo. 2000;
_____________.O evangelho segundo o espiritismo. EME. São Paulo. 1996;
ORTIZ, Fernando. A filosofia penal dos espíritas. LAKE.1998.
Todas as vezes que leio sobre violência e criminalidade, lembro do romance "Os Miseráveis" de Victor Hugo. O personagem Jean Valjean ainda vive entre nós. A sociedade defende inclusive um sistema penitenciário que apenas corrobora para a destruição do indivíduo. Um dia ele sairá da prisão, e sairá ainda pior. No caso de uma pena de morte ser aprovada no Brasil, seria um terrível destino aos que fossem pegos por engano e que uma vez envoltos na pobreza teriam a vida ceifada sem chance de defesa. Acredito que um dia, todos nós já fomos criminosos, porque várias foram as vidas vividas. Quem disse que a morte é a solução? Não está em nossas mãos o poder sobre a vida, muito menos sobre a morte. O espírito continuará a viver e o ciclo de ódio irá se perpetuar por ainda mais tempo, pois não somos humanos vivendo uma experiência espiritual, mas sim seres espirituais vivendo uma experiência humana(Chardin).
ResponderExcluirAh, fiquei tão envolvida pelo assunto que esqueci de elogiar(risos): texto excelente!!!
ResponderExcluirJorge, Um tema difícil que você conseguiu conduzir com muito acerto. Boa bibliografia consultada, especialmente o Livro dos Espíritos e o Evangelho Segundo o Espiritismo!
ResponderExcluirGrato sou, pelas palavras de incentivo aqui registradas.
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