“O Espiritismo é uma doutrina científica,
filosófica, de consequências morais.”(*)
DIDÁTICA
ESPÍRITA
Quando se referiu ao exame
da verdade, ou da virtude, uma das poderosas alegorias que Allan Kardec
utilizou foi a “pedra de toque” (**). Trata-se de um material de lítio; risca-se com
ele o metal que se quer examinar, para que mostre sua composição e pureza. Tal
“verdade” suporta a “pedra de toque”? Ou seja: Examinada em profundidade, mostrará
que é o que diz ser?
A exemplo do que representa
o Evangelho de Jesus em sua essência, a Doutrina Espírita aceita o “risco” da
verdade e se sente honrada em recebê-lo. Quanto mais se mexer em suas “dobras”
(Deus, imortalidade, comunicabilidade, reencarnação, pluralidade dos mundos,
leis morais), mais se descobrirá a perfeição de sua proposta ao homem.
Tão elevado entendimento
poderá ser trazido a conceitos simples, ao entendimento de uma criança ou de
uma pessoa sem instrução. Já o processo de simplificar não nos parece tão
simples. E demonstrar essa relação complexidade/simplificação é o objeto da
tese que ora defendemos.
A
DIDAKÉ E SUA APLICAÇÃO
Sabemos que a repetição é um
processo milenarmente empregado para assimilar os conceitos religiosos em
diversas civilizações. Em alguma delas, a criança aprende a ler memorizando os
livros sagrados. Era também assim no Judaísmo, onde ao tempo de Jesus o Templo
tinha o papel de universidade.
Com Jesus e nos primeiros
anos após sua passagem, a forma de transmissão do Evangelho foi bastante inovadora,
baseada no interesse do aprendiz, que escutava com atenção, copiava textos com
voracidade, banhava-se em seu rico conteúdo e no exemplo de vida de seus seguidores
e finalmente passava à exemplificação, repetindo-se o ciclo. Neste aspecto,
porém com muito mais vigor, a pedagogia cristã guarda mais relações com a forma
de ensino dos filósofos gregos, embora Jesus fosse judeu.
A carruagem do tempo avançou
ao longo dos séculos. Os então representantes da proposta cristã viram-se com a
oportunidade de massificar sua transmissão: Chegar a todos os quadrantes da
terra, alcançar multidões, eis a meta. E o preço: Simplificar.
A simplificação resultou na
didática (didaké), que enriquece a educação até hoje. Mas é evidente o
empobrecimento da religião.
Reunindo agora o grande
público em uma mesma cerimônia e tendo que mantê-lo atento, o “mestre” recita trechos
da matéria, para que o “discípulo” os complete com as últimas frases. A certa
altura o mestre propõe o levantar, em outras ocasiões o sentar, o ajoelhar, o
cumprimentar a pessoa vizinha. Tudo intercalado com canto, coro, leitura
solene, enfim, uma riqueza em termos de ritual, tendo por núcleo o
conhecimento, ministrado em gotas. Garantias de participação ativa, sem sono ou
fadiga. Isso mesmo, leitor amigo, este é um retrato das missas do passado e do
presente - práxis da pedagogia que chamamos de “cristã”, embora não tenha sido propriamente
a do Cristo.
Referimo-nos ao cerimonial
católico com muito respeito, afinal esta é uma matéria espírita. Os espíritas,
convictos da reencarnação, não descartamos o fato de termos passado por outras
escolas de espiritualidade.
NOS
PRIMÓRDIOS DO ESPIRITISMO
Com o advento do
Espiritismo, repete-se o processo de disseminação do conhecimento praticado
pelos filósofos gregos e ampliado por Jesus. A verdade, para espalhar-se, pede
muito pouco de recursos, afinal ela suporta a “pedra de toque”. Carece apenas
de exemplos que vivam sua proposta e a Doutrina os tem.
O
DESEJO DE MASSIFICAÇÃO E SEUS RISCOS
O mundo contemporâneo, com
tantos quadros de sofrimento, clama pelo Consolador. Mas como levar o
conhecimento, presente na rica literatura espírita e que salta das elevadas
tribunas, às pessoas mais simples de todas as partes? Como simplificar sem
causar danos à essência? São questões relevantes da atualidade.
A nosso ver, a metodologia
de Jesus e dos filósofos gregos é perfeitamente atual e não apresenta maiores
riscos, embora não seduza pelos resultados. Aqueles que se “convertem” pelo
exemplo e já são capazes de exemplificar lecionam com mais propriedade.
AS
CONSEQUÊNCIAS MORAIS
O desejo de disseminar com
rapidez a proposta espírita leva-nos a priorizar o Evangelho e seu
importantíssimo estudo. No entanto, os aspectos da Doutrina Espírita se
comparam a três etapas de uma cultura (plantação, tratos, colheita), tendo por
resultado a formação do aprendiz, a sua conversão, capaz de dar os frutos
sazonados do exemplo.
Evidentemente, a terceira e
última etapa (colheita) é a mais importante de todas. Mas ela é consequência
das primeiras.
Temos então as seguintes
possibilidades, entendendo a plantação enquanto exame das ideias (filosofia), os
tratos (experimentação) e a colheita (estudo e vivência):
a)
Se a uma boa colheita moral é consequência da
Doutrina Espírita bem aplicada, é preciso haver investimento nas etapas
iniciais. Focar apenas na colheita pode funcionar com algumas almas que apreendam
o conhecimento com rapidez, mas não é o geral do homem na Terra.
b)
O ensino de “O Evangelho Segundo O
Espiritismo” é bom, digno e edificante. Mas ele não dispensa uma boa base, sob
pena de repetirmos o que ocorreu com a simplificação cristã (Didaké).
c)
Chegar às consequências é o sonho da
humanidade. Mas se devemos cuidar da colheita, não nos cabe excesso de
expectativas quanto a ela. A Deus cabe os resultados da plantação.
d)
Quem estaciona por muito tempo nas etapas
iniciais é porque não consegue ainda alcançar a última e mais desejada. E
portanto merece respeito e entendimento. Veja quanto a isto a Parábola do
Semeador.
e)
É realmente desafiador trazer ao “povo”
conceitos como “reencarnação” e “evolução”, entendidos de maneira mais
profunda... conhecimentos que durante milênios não fizeram parte de nossas
concepções (ocidentais); ou que foram absorvidos mais pela tradição que pela
compreensão (oriental).
f)
Enquanto os espíritas “não nos unirmos” em
torno da construção de uma didática para transmitir os fundamentos doutrinários
aos mais simples, devemos nos manter serenos. A pressa, neste assunto, é ainda
mais adversária da perfeição do que em outros.
(*) Afirmação com base na definição de
Allan Kardec, que assim se expressa em “O que é o Espiritismo”, Tradução
de Evandro Noleto Bezerra. 1. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2009. Preâmbulo: “O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma
ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática consiste
nas relações que se podem estabelecer entre nós e os Espíritos; como filosofia,
compreende todas as consequências morais que decorrem de tais relações.”
(**) Veja a questão 895 de “O Livro dos
Espíritos”. Mas esta alegoria é frequentemente empregada, em toda a sua obra.
Tal comparação inspiraria o título de uma das obras de Herculano Pires: “A
Pedra e o Joio”.
Apontamentos oportunos e producentes, se observados. A Casa Espírita deve realizar anualmente planejamento estratégico que contemple um projeto pedagógico tendo sempre presente o seu público-alvo. Não feito isso, funciona improvisando-se franqueando às pequenas e grandes concessões que favorecerão os desvios doutrinários. Feliz abordagem!
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