O tema deste artigo não está na primeira
linha de importância da seara espírita. Allan Kardec, por exemplo, abordou-o de
uma forma discreta. Aliás, quando a organização, a inteligência e a legítima
caridade operam, que era o caso das organizações que tinham o Codificador à
frente, a questão do provimento passa a ter pequenina importância. Apesar
disso, creio deva interessar a todos os centros que levam o nome de uma
doutrina criteriosa e, por isso, vivem às voltas com necessidades de ordem
material.
Ao que conheço dos registros do Espiritismo
no áureo período da Codificação, o primeiro problema de ordem financeira
enfrentado foi o custeio à publicação de “O LIVRO DOS ESPÍRITOS”. Mereceu uma
consulta ao Espírito Verdade que, em outras palavras, recomendou ao sábio
“mestre” meter a mão no bolso (isso não está muito claro) ou encomendar a
edição por sua conta e risco. E ele o fez, com a discrição que só seria
revelada após seu livro póstumo.
Aquela
inteligência e bondade, somadas ao trabalho gigantesco e despretensioso,
atraíram um grupo de pessoas sérias e bem sucedidas na vida material, que na
condição de sócios da SPEE ajudavam a mantê-la, mediante o pagamento de suas
cotas. Mas aqueles recursos seriam suficientes? Muito improvável, dado o grande
desejo de servir a mais e mais pessoas, através da mensagem confortadora da
Doutrina, que pedia meios impressos para percorrer o mundo.
Passado algum tempo, a publicação e venda de
livros tornava-se uma fonte de renda, senão lucrativa, pelo menos capaz de
bancar a divulgação doutrinária, que o Gênio de Lyon reinvestia, com a modelar
virtude de que deu provas por toda a vida. Como ele mesmo assinasse os livros,
presumo que tivesse a liberdade de utilizar como recurso pessoal. E a gente
sabe para quê ele utilizava.
Portanto, em VIAS E MEIOS, título IX da
Constituição do Espiritismo, é com estas palavras que o escrúpulo kardeciano
aborda a polêmica questão em pouco mais de duas páginas: “Somos obrigados, a contragosto, a entrar em considerações sobre coisas
de ordem material para chegar a um fim todo espiritual”. E mais adiante: “Supor
que estamos no tempo em que alguns apóstolos podiam pôr-se a caminho com o seu
bordão de viagem, sem cogitar do pouso e do pão cotidiano, seria uma ilusão
cedo transformada em amargo desengano.” E ajunta: “O próprio interesse do
Espiritismo exige, portanto, que se calculem os meios de ação, para não
pararmos no caminho. Calculemos, pois, uma vez que vivemos em um século de
algarismos”.
Enfatizemos: Aquele olhar não era
propriamente para a sustentabilidade do Centro Espírita. No entanto, será que o
raciocínio não pode ser aplicado para qualquer organização espírita, de
qualquer tempo ou lugar?!... É claro, com as necessárias adaptações, pois é
ainda Kardec que afirma: “Para fazer a coisa séria, é preciso que nos
submetamos às necessidades impostas pelos costumes da época em que vivemos, as
quais são bem diversas das necessidades dos tempos patriarcais”.
Na tradução de J. Herculano Pires, o
Codificador empregou os seguintes termos, que reproduzimos com mais atenção à
ideia do que as palavras: “Necessidade de
uma boa administração”, “cada membro
com funções ativas e assíduas, dotados de boa vontade” (tarefeiros
regulares e comprometidos?), funções que não seriam “simples atos de complacência” (trabalhar para valer?), “expedição de negócios, sob cuidados
assíduos" (negócios permanentes, para auferir recursos?). Se contasse
apenas com “membros financeiramente
independentes” estes se ateriam pouco a “obrigações
assíduas” e a organização não avançaria. Por outro lado, “membros sem recursos” não podem “dar seu tempo” (membros pobres não têm
como se manter sem remuneração, tendo que trabalhar assiduamente. É isso?).
Portanto, defende Kardec que esses membros e todo o pessoal administrativo
precisava ser “retribuído”
(remunerado?).
Se fosse estruturada assim, com uma equipe
remunerada, a organização responderia com “força,
estabilidade e pontualidade” a serviço da Doutrina (divulgação?), e ao
mesmo tempo “daria serviço a pessoas necessitadas
de encontrá-los para acudir às necessidades da existência” (geração de
trabalho, de quebra?). “Não depender de
recursos eventuais, sujeitos a falharem”. Dispor de recursos certos,
regulares, “haja o que houver”, sem
gerar “preocupações para o futuro”, já
que “recursos de cotizações são
aleatórios e difíceis de cobrar”. E bancar despesas permanentes com
recursos eventuais é “falta de
previdência”.
A organização em planos pedia “uma base sólida” e “a capitalização dos recursos para ter-se uma renda perpétua”. Com a palavra grifada,
fica claro a que veio a Doutrina e a principal organização a velar por ela. A
proposta era de que poderia ter início “em
pequena escala”: “cinco ou seis
membros da Comissão e o mínimo em termos de pessoal e despesas de administração”.
Aumento da renda, aumento da atividade!
Até aqui, caro leitor, você já deve ter
percebido que Kardec está propondo a “viabilidade
econômica” da organização espírita em comento. Mas ele prossegue.
Discreto, informa que para colocar a primeira
pedra dessa organização “mais
estruturada”, ofereceria, como já vinha fazendo, “o produto dos nossos trabalhos”, ou seja, recursos que ele mesmo
levantara com seu laborioso esforço, mas que “se esgotariam” (com a morte dele?). Enfim, com sua ação de abelha,
nosso cicerone transformava seu trabalho em recursos para a Doutrina e deixava
a fórmula para a continuidade, após sua morte, em projeto claramente traçado: a
dupla ação – do livro; e da autossustentabilidade, através desse mesmo livro,
em busca da prosperidade, dado o desejo de levar a Doutrina Espírita aonde quer
que fosse ela necessária, ou seja, à Terra inteira.
Metas foram estipuladas: Um rendimento fixo
de 25 a 30 mil francos... ano? Quanto valeria isso hoje? O nome do projeto: Caixa Geral do Espiritismo,
um fundo comum, com rigorosa contabilidade e despesas enxutas, de forma a
tornar-se superavitária, aumentando o “fundo
comum”.
Lucro pessoal ou objeto de especulação para
qualquer membro: Em hipótese alguma. Comissários escolhidos com legitimidade
atuariam como auditores, velando pela transparência e lisura do empreendimento.
Kardec finaliza informando claramente o
objeto do negócio da administração, pois ficara nas entrelinhas: O livro
espírita. E a forma de custeio: Adiantamento. Com o produto das vendas, o
adiantamento seria quitado, restando o superávit, repetindo-se o ciclo, até
chegar-se à sonhada perenização.
A sensatez do sonho de Kardec é
impressionante. Inúmeras organizações espíritas, invejáveis pelos serviços que
prestam, no campo doutrinário e humanitário, mantêm-se graças à ação do livro
nobre. Não se tornou privilégio da sonhada Comissão Central. Aconteceu melhor:
Foi distribuído ao longo daquela rede de pequenas centros espíritas que ele
sonhava, sendo que hoje, pela ação do bom resultado, já não são tão pequenos.
Não entraremos no mérito da qualidade de
todos esses livros, onde se incluem os que têm salvo vidas, e os que vão salvar
muitas mais, na medida do aprimoramento humano. Também não estamos encorajando
a se publicar um livro para manter uma casa espírita, ou uma obra, pois há que
se ver a viabilidade. Apenas de passagem, registramos que Kardec salvava muitos
coelhos com uma só alavancada: Publicava obras luminosas, produzia a divulgação
correta do Espiritismo, fazia com que a própria atividade se pagasse e ainda
gerava empregos.
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