Um crime que estarreceu a
sociedade brasileira: pai mata o filho e em seguida se suicida, por não
concordar com a adesão do filho aos movimentos sociais e por liderar as
ocupações em universidades de Goiânia. O jovem cursava Matemática na
Universidade Federal de Goiânia (UFG), e desejava “transformar” o mundo. O que
se soube é que o pai queria que o filho pensasse como ele. Um promotor do
Estado de São Paulo chegou a sentenciar que o pai matou apenas um vagabundo,
mas que deveria ter evitado a tragédia cortando-lhe a mesada. Ainda em Goiás,
síndico mata condômino por não se entenderem quanto ao posicionamento de um vaso
de planta particular e estava em área comum do condomínio.
Esses
são exemplos daquilo que David Bohm (1917-1992), físico estadunidense de
posterior cidadania brasileira e britânica, classificou como “doença do
pensamento”, que é a incapacidade de se ir além do contexto imediato de espaço
e tempo, extrapolar. É uma disfunção de diagnóstico fácil, cujos principais
sistemas são: a) o imediatismo; b) a superficialidade; c) o simplismo.
Na realidade, quando se age dessa forma se
está refém ao pensamento linear-binário, ou seja, quando duas proposições são
contrárias e só uma pode ser verdadeira: ou certo ou errado; ou bem ou mal; ou
está conosco ou contra nós, enfim, a polarização “ou/ou”. Óbvio que
dificilmente se abrirá mão da forma de pensar, o outro sempre está errado.
Pensamento
linear, binário ou pensamento cartesiano
Estudando-se os
conflitos individuais e coletivos ao longo da trajetória evolutiva das
civilizações, é fácil de se identificar muitos com a gênese no pensamento
linear. Exemplos: inquisição, cruzada, nazismo, terrorismo, fascismo e guerras.
O
pensamento linear é primoroso para determinadas circunstâncias da “vida
mecânica”, já é inadequado para a “vida não mecânica”, e, em algumas situações,
leva a enganos de consequências muitas vezes desastrosas.
No século XVII, com o
filósofo francês René Descartes (1595-1650), é que se assiste as grandes
inovações da ciência e do pensamento, com o método cartesiano, que separa o
sujeito do objeto. O Dualismo Cartesiano ou Dicotomia Corpo-Consciência é um
conceito que define o homem como ser pensante, duplo, composto de uma
substância pensante (mente) e uma substância extensa (corpo). A partir daí a
ciência passa a cuidar da matéria e a religião do espírito.
Até certo ponto o pensamento
linear foi determinante para o progresso da ciência. Atualmente, como modelo
prevalente na cultura em geral tem se mostrado menos eficaz para lidar com duas
das características mais destacadas dos tempos atuais: a instabilidade e a
incerteza.
A partir dos avanços da
ciência e da tecnologia, consolidou-se uma hegemonia baseadas no
pensamento linear que fez elas se distanciarem da dimensão não mecânica da
vida.
Ora, é sabido que a
tecnociência é mais orientada pelos objetivos da economia e da finança do que
pelos interesses do bem-estar social.
Para Edgar Morin,
antropólogo, sociólogo e filósofo francês, as consequências nocivas do
pensamento cartesiano só começam a se revelar no século XX, e considerando a
visão mutiladora e unidimensional, paga-se bem caro nos fenômenos humanos: a
mutilação corta na carne, verte no sangue, expande o sofrimento.
Polarização,
exclusão e limitação
É necessário notar que o
indivíduo condicionado pela lógica linear de pensar sempre se situa nos
extremos. A partir daí, com a mente aprisionada, surgem posturas como o narcisismo,
o individualismo e a insensibilidade social. Por outro lado, as dificuldades de
comunicação entre indivíduos e as instituições – família, escola, empresa,
governo, cultura, enfim – são em grande parte produzidas por esse método de
pensar.
Quando se analisa o
comportamento com condições individuais, estas levam ao egocentrismo, e quando
se perde a noção de alteridade, levada ao extremo, pode-se considerar as
condições comportamentais como posições sociopáticas. Esse condicionamento
tende ainda a produzir sociedades disfuncionais e esquizoides.
Política
e a lógica binária
Atribuída ao Imperador Júlio
César (1100-44 a.C), o termo “Dividir para conquistar” (Divide et impera) é um clássico para enfraquecer e subjugar um
povo. Essa estratégia também foi teorizada por Maquiavel em O Príncipe, que sugere que a melhor
maneira de se obter energia é semear a intriga entre aqueles que governam.
Oposição e situação. Direita
e esquerda. Liberalismo e socialismo. As ditaduras. As rupturas democráticas
(golpes). O autoritarismo. A lógica binária, pelo que se percebe, é muito
utilizada no cenário político. Exemplo recente é a divisão que se promoveu no
Brasil, pejorativamente, entre “coxinhas” e “petralhas”, o que favoreceu
facilmente a ruptura democrática de uma ainda jovem democracia brasileira.
Dentro das nações, há várias divisões. É isso, o raciocínio binário torna o
indivíduo maniqueísta e utilitarista.
A lógica binária produz o
pensamento excludente, limitando ou, até mesmo, impedindo a capacidade de
pensar do indivíduo, dificultando a reflexão, a percepção dos matizes, das nuanças,
da pluralidade e da diversidade. O poder, sempre autoritário no cenário
político, precisa do pensamento excludente para se manter.
É importante ressaltar que
no cenário político predomina a pobreza de vocabulário, quando não, o
vocabulário é rebuscado, o que aprofunda a incapacidade de refletir.
A lógica binária no cenário
político é fecundo de incoerência, principal característica da demagogia. Como
o pensamento binário é superficial, ele desliza sem termos a consciência do que
estamos fazendo. Um exemplo também prático é o atual cenário político
brasileiro e poucos atentam. Observa-se muitos favoráveis ao Estado mínimo,
ponto central do liberalismo, e que o governo trabalha como proposta para a
superação da crise que atinge as Nações. Ocorre, entretanto, que o correto é
que isso demandaria melhoria nas condições sociais e econômicas dos indivíduos,
o que não sugere, já que haverá uma contenção dos gastos na saúde, educação e assistência social. Liberalismo ou socialismo? A linearidade leva à exclusão. O
correto é a circularidade – pensamento complexo ou integrado - entre o
liberalismo e o socialismo que trariam efeitos positivos para a comunidade. A
democracia não se sustenta pelo pensamento binário. Olhe-se o exemplo do
Brasil.
Pensamento
complexo
O pensamento complexo é
circular e integrador. Quando se fala em circularidade, é bom lembrar que a
evolução da consciência se dá em forma circular e espiralada. As pessoas
dotadas de pensamento complexo são integradoras e não excludentes como as dotadas
de pensamento linear.
Morin se refere ao
pensamento complexo como “trabalhar para pensar bem”. Atesta, dentre outras, as
seguintes vantagens do pensamento complexo:
a. religa
saberes separados e dispersos;
b. desfaz
o fechamento dos conhecimentos em disciplinas estanques;
c. procura
reunir as disciplinas que foram separadas (interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade);
d. inclui
um método para lidar com a complexidade;
e. busca
a circularidade entre a análise (a disjunção) e a síntese (a religação);
f. reconhece
que existe multiplicidade na unidade e vice-versa;
g. ultrapassa
o reducionismo e o “holismo” e reconhece a circularidade entre as partes e o
todo;
h. admite
e procura lidar com a incerteza, a aleatoriedade, a imprevisibilidade e as contradições;
i. concebe
e aceita a dialógica, que complementa a lógica clássica...
Pensamento
binário, a mídia e a Internet
Humberto Mariotti, médico e
psicoterapeuta brasileiro, afirma que “num
ambiente de grande alienação, a obviedade é indiretamente proporcional à
percepção. Movimentar-se muito, sentir pouco e pensar menos ainda, eis as três
dimensões fundamentais do nosso atual panem
et circenses (pão e circo). (1)
Penso,
logo existo! A frase do filósofo francês René Descartes
parece assegurar que o ser humano exerce plenamente a capacidade de pensar.
Ledo engano. É sempre bom lembrar que segundo se afirmam, o ser humano só
explora aproximadamente 10% da capacidade do cérebro.
Pesquisas mais recentes
apontam que a Internet, o veículo de comunicação mais veloz já existente, está
moldando o cérebro das pessoas, fazendo com que a razão humana funcione com
características do mundo digital. Isso resulta em perda de peculiaridades como
empatia, solidariedade e respeito à opinião alheia. Resulta também que as
pessoas estão cada vez mais se comportando como máquinas, lembrando o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin.
Essas pesquisas comprovam a
fragmentação do pensamento humano, e, por consequência, a fragmentação da
sociedade, o que torna mais fácil a manipulação: tornar o indivíduo fiel a
determinadas crenças e princípios.
Pensamento
complexo – além do ego
Para se iniciar a cura do
pensamento, é necessário que se aprenda a lidar com o ego, compreendendo que o
ego é uma construção sociocultural e não um componente da mente. O Espírito
Joanna de Ângelis, através do médium Divaldo P. Franco, na obra Autodescobrimento, afirma que o ego é produção do estado de consciência,
portanto, transitório, impermanente. Em outro momento ela afirma "o ego, predominando na natureza
humana, utiliza-se de muitos mecanismos para ocultar os seus conflitos,
expressando-se como diversos tipos de fuga da realidade, tais como a projeção,
a compensação, o deslocamento, a introjeção, a racionalização, entre outros
mais... Trata-se de uma exacerbação do superego, para manter a sua identidade e
permanecer soberano, impedindo as manifestações superiores do Self." É
através do ego que nos reconhecemos como personalidade. Mariotti afirma
que o ego foi criado pelas sociedades humanas para o desempenho das tarefas da
vida mecânica, com instância separada, pragmática e empírica. Entretanto,
continua ele, o ego é insuficiente para lidar com as complexidades da totalidade
do psiquismo. O egoísmo, considerado pelos Espíritos Reveladores na questão nº
913 de O Livro dos Espíritos como o
vício radical do qual deriva todo o mal, é produto do pensamento
linear-binário.
Aqui cabe o exemplo que a
Regra Áurea Universal anunciada por Jesus – “Portanto,
tudo o que vós querereis que os homens vos façam fazei-lhe também vós, porque
esta é a Lei e os Profetas”, Mt, 7:12 (pensamento complexo), também pilar do Budismo, Islamismo,
Taoísmo, Confucionismo, Bramanismo, Judaísmo. Conflitos intra e
inter-religiosos (pensamento linear-binário).
Espiritismo
e pensamento complexo
Aqueles que se propõem a estudar O Livro dos Espíritos, por diversas
vezes, experimentam sensações variadas nas interpretações das suas questões,
sempre de forma diferenciada; e mais aprofundada. Essas experiências decorrem
da transdisciplinaridade (1) do ensino da Doutrina dos Espíritos.
Transdisciplinaridade é a característica principal do pensamento complexo.
Allan Kardec deixa claro o caráter
transdisciplinar da doutrina e a exigência do pensamento complexo de seus
adeptos, quando na obra O Que é o Espiritismo ele atesta: “O Espiritismo prende-se a todos os ramos da
Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral; é um campo imenso que não
pode ser percorrido em algumas horas.”
O filósofo, jornalista, escritor e professor
Herculano Pires (1914-1979), em sua obra Introdução
à Filosofia Espírita, cita a definição de Gonzales. Soriano (1837-1885) -
considerado o “Apóstolo do Espiritismo a Espanha” - afirma que o Espiritismo é "a síntese essencial dos conhecimentos
humanos aplicada à investigação da verdade." Antes ele havia dito que
a Doutrina Espírita “é a Filosofia.” (grifos nossos).
Allan Kardec consciente de que a Doutrina
Espírita traz fundamentos essenciais para a Civilização Planetária, estimula
aos adeptos da nova Doutrina nova forma de pensar e novos valores para que deles
melhor entenda a condição humana - favorecendo novas práticas entre os
indivíduos - hasteia a bandeira cuja divisa é “Fora da Caridade não há Salvação”. Através dessa insigna Kardec contextua de
forma brilhante o pensamento complexo como principal característica do Espiritismo.
O pensamento complexo é solidário e fraterno.
O Espiritismo reúne os três princípios que
favorecem a pensar a complexidade. Tendo em sua apresentação e forma o diálogo
e a lógica, estruturados na maiêutica socrática, o Espiritismo como filosofia é
dialógica e explica a realidade através das suas contradições. Exemplo disso é
o aspecto tríplice que harmoniza a ciência, a filosofia e a religião. O
princípio dialógico é o primeiro que obriga ao pensamento complexo.
O perispírito é um dos mais importantes
produtos do fluido cósmico universal (FCU) – plasma divino, hausto do criador –
tem como funções básicas servir de instrumento à alma, serve à sua
identificação e individualização, e, por fim, a função organizadora que aparece
notavelmente no processo da reencarnação, estruturando rigorosamente um novo
corpo físico, guardando características no corpo espiritual, modelo por
excelência. O princípio da recursão organizacional é o segundo princípio que
instrui ao pensamento complexo.
“Sois deuses” (Jo, 10:34) e “o reino de Deus
está dentro de vós" (Lc, 17:21). Vê-se, pois, que o homem é o único da
criação que percebe o Criador dentro de si mesmo. Na medida que amplia a sua
consciência onde se encontra as Leis Divinas, ele se aproxima mais do Criador. O
princípio hologramático é o terceiro princípio que determina o pensar complexo.
A evolução do espírito não se processa de
forma linear e única, mas em linhas assimétricas e paralelas, em forma de
círculos. Portanto, o pensamento linear-binário jamais promoverá mudanças no
gênero humano. Isso somente ocorrerá através do pensamento complexo.
É óbvio que a transdisciplinaridade da
Doutrina Espírita, inserta no mundo, é natural que tenha influência direta na
cultura. A cultura tem na sua raiz latina, contorno, dar voltas juntos, (circularidade)
entrelaçamento no falar e do emocionar na vivência humana. A cultura espírita,
portanto, promoverá as mudanças que a cultura materialista necessita.
As instituições espíritas, ao assumirem a
condição de Educandário do Espírito, necessitam como premissa de seus projetos
pedagógicos o alcance da visão crítica do que significa o pensamento complexo.
É impossível consolidar a cultura espírita, de que o mundo necessita priorizando
apenas o aspecto religioso ou fenomênico.
Esse é o grande desafio do pensamento
espírita.
Referências
BOHM, David. O pensamento como um sistema. São Paulo: Masdras, 1994.
KARDEC, Allan. O que é Espiritismo.
LAKE: São Paulo, 2001.
--------------.
O livro dos espíritos. --------------,
2000.
MARIOTTI, Humberto. Pensamento complexo. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Editora Salin,
2005.
PIRES, J. Herculano. Introdução à Filosofia Espírita. São Paulo: FEESP, 1993.
(1)
A Política do Pão e Circo (panem et circenses, no original em
Latim) como ficou conhecida, era o modo com o qual os líderes romanos lidavam
com a população em geral, para mantê-la fiel à ordem estabelecida e conquistar
o seu apoio. Esta frase tem origem na Sátira X do humorista e poeta romano
Juvenal (vivo por volta do ano 100 d.C.) e, no seu contexto original, criticava
a falta de informação do povo romano, que não tinha qualquer interesse em
assuntos políticos, e só se preocupava com o alimento e o divertimento.
(2)
Princípio teórico que busca uma
intercomunicação entre as disciplinas, tratando efetivamente de um tema comum
(transversal). Ou seja, na transdisciplinaridade não existem fronteiras entre
as disciplinas.
A ideia de transdisciplinaridade surgiu
para superar o conceito de disciplina, que configura-se pela
departamentalização do saber em diversas matérias. Ou seja, considera que as
práticas educativas foram centradas num paradigma em que cada disciplina é
abordada de modo fragmentado e isolada das demais. Isto resultaria também na
fragmentação das mentalidades, das consciências e das posturas que perdem assim
a compreensão do ser, da vida, da cultura, em suas relações e inter-relações
Jorge, li o texto duas vezes. É um trabalho de fôlego que contempla uma pesquisa bastante ampla. Penso que o título deveria ser: Pensamento Complexo e Espiritismo! Também imagino que, pela pesquisa que fizestes para escrever esse texto reduz bastante o público leitor, que normalmente busca a Doutrina Espírita! Nada do que digo nessa minha pequena apreciação diminui o texto, muito pelo contrário! parabéns pela abordagem!
ResponderExcluirOlá, amigo e parceiro do Canteiro de Ideias! Muito me apraz o seu comentário. Tenho consciência no que diz respeito à apreciação dos leitores. Como o espaço é de ideias, as minhas estarão sempre postas e certamente tocarão corações espíritas. Como diz Kardec, não nos preocupemos com a quantidade, mas com a qualidade. E tendo você como leitor, o artigo já valeu a pena. Fraternal abraço!
ResponderExcluirGrande Jorge Luiz!
ExcluirOs pensamentos do início deste século deixam muitos de nós estarrecidos. Há manifestações e atitudes pessoais totalmente desprovidas de lógica e de bom senso. Desde o fechamento de vias públicas até o vandalismo contra os patrimônios público e privado nos mostram que estamos nos "Tempos do Fim.".
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