Nesses dias, fui dar aula para um grupo de
pais, sobre paternidade e educação, e fiz a seguinte pergunta para o grupo de
25 homens, entre mais jovens, que estão tendo filhos agora, e outros mais
velhos, que já têm filhos maiores: quem sai do trabalho na hora certa? Ninguém
levantou a mão. Todos chegavam duas ou três horas depois do horário de saída
regulamentar. Atualmente, isso vale para corporações, bancos, escritórios de
serviços… e não se recebe hora extra. Uma pessoa que conheço, professora, foi
contratada recentemente para trabalhar numa escola e o contrato de trabalho
diário foi de 10 horas. Ou seja, estamos avançando para o modelo China, leia-se
escravidão, e ainda com as reformas ou antes a destruição, das leis
trabalhistas no Brasil, isso tende a piorar.
E se pensarmos que apenas empregados,
funcionários, contratados, não podem dispor do próprio tempo e têm cada vez
menos oportunidade de conviver com a família, passear ou simplesmente
descansar, não é verdade. Os altos executivos, os empresários, os empregadores
também – às vezes não por obrigatoriedade externa, mas por ganância interna de
ter sempre mais – não dispõem de tempo. Para si mesmos, para os seus, para
simplesmente serem…
Homens e mulheres, jovens e velhos e mesmo as
crianças pequenas hoje não têm o dom mais precioso da vida: tempo.
Não há tempo para amar, para conviver, para
meditar, para cuidar do outro, para contemplar a natureza e não há tempo para
trabalhar no que se gosta, no que dá prazer, no que faz sentido. Não há tempo
para aprender, conhecer, refletir e termos uma visão mais crítica desse mundo,
com tanta falta de tempo.
Estamos enredados numa luta insana pela
sobrevivência, estamos numa maratona de conquistas materiais – às vezes,
precisamos correr assim para termos o básico (e assim se mostra o caráter
exploratório e opressor da sociedade capitalista), – às vezes, corremos porque
queremos todo tipo de supérfluo: que pode ser bens de consumo, prazeres
materiais, poder, status… (e assim se mostra o caráter materialista e hedonista
da nossa sociedade capitalista).
Ora, qualidade de vida requer tempo. Amor
requer tempo. Conhecimento requer tempo. Por isso adoecemos tanto
psiquicamente, por isso as relações hoje estão tão líquidas, como dizia o recém
falecido Sygmunt Bauman, por isso as barbaridades e superficialidades postadas
aos montes na internet. Sem tempo, não se vive de fato. Sem tempo, não
conseguimos cultivar relações profundas. Sem tempo, não sabemos nada. Apenas
ficamos em achismos muito ralos.
Então, o que fazer? Como desacelerar? Como
criar raízes e não permanecermos mais no vácuo da correria sem rumo?
É preciso em primeiro lugar reconhecermos o que
está nos acontecendo; segundo, aprendermos a escolher formas de vida mais em
consonância com o ritmo humano, mesmo que isso signifique alguns prejuízos
materiais. No Japão, em que a loucura devotada às empresas atinge o extremo, já
há gente morrendo, literalmente, de cansaço: a pessoa simplesmente apaga.
Em terceiro, é bom meditarmos, orarmos,
estarmos com os que amamos, procurarmos refúgios da natureza.
E no campo do conhecimento, é urgente pararmos
de reproduzir coisas, cuja origem não checamos, cuja veracidade não podemos
verificar, cuja autoria não sabemos ao certo de quem é… (Deus, o que temos de
Clarice Linspector, Platão e Drummond falando trivialidades de autoajuda na
internet!!). É urgente aprendermos a nos movimentar no oceano de informações
desencontradas que estão nas redes, muitas com fontes bastante duvidosas…
Assim, a educação de agora em diante deve ser
uma educação que permita o ser humano olhar-se, conhecer-se, cultivar-se,
trabalhar suas próprias convicções, com conhecimento e razão, experiência e
diálogo plural. Deve ser uma educação que ensine a meditar e contemplar, poetar
e tocar música, além das tecnologias, dos start ups, das redes sociais…
Deve ser uma educação não de conteúdos prontos,
mas de discernimento quanto à validade dos conteúdos.
Estamos agora num momento nebuloso no Brasil e
no mundo: retrocessos clamorosos na educação, nas leis trabalhistas, na
democracia – o que talvez nos roube momentaneamente mais tempo, mais energia,
mais dedicação, para consertarmos o que está sendo desconstruído.
Respiremos fundo, confiemos no tempo e
trabalhemos com vagar e segurança, com discernimento e esperança para caminharmos
para um tempo em que todos os seres humanos tenham tempo de ser gente.
Fonte: https://bloguniversidadelivrepampedia.com/
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