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A verdade é universal e sua espiritualidade,
evidente; entretanto Jesus parece tê-la demonstrado. Bem se costuma dizer que
ele matou a morte e Kardec assinou-lhe o atestado de óbito. Houve muitas
revelações. Mas, a priori, infensas à noção de processo, caminho natural da
razão, mesmo nos domínios do espírito. Essa noção exulta no complexo
civilizatório judaico-cristão, nas suas revelações concatenadas, em que,
segundo admite o espiritismo, uma etapa anuncia e prepara a outra. Alguns
querem que o islamismo seja considerado uma fase desse complexo. Mas como? A
influência de Jesus deu origem à tradição do seu novo mandamento, que
corresponde não mais a amarmos o próximo como a nós mesmos, e sim mais ainda do
que a nós, ao ponto da abnegação, do sacrifício, pois ninguém possuiria amor
maior do que quem entrega a própria vida pelos seus amigos.[i] Aperfeiçoando
assim a antiga lei mosaica, a herança de Jesus foi selada com seu martírio
pessoal. Que fez Maomé? E já 600 anos depois? Conduziu tribos idólatras à crença
no Deus único dos patriarcas; deu-lhes identidade: o que Moisés fizera aos
hebreus 2000 anos antes do fundador do islã.
A lei mosaica, admite-o a tradição, anuncia um
messias; este, por sua vez, promete o Espírito da verdade. Onde o islã nisso?
No seu desejo de retorno a Abraão e ao seu Deus único? Tem mais a dizer ao
catolicismo e seus congêneres; porque, para o espiritismo, Deus é a
inteligência suprema e a causa primária de todas as coisas, jamais um ser
humano deificado num dogma incompreensível. Nem por isso nos consideremos tão
distantes assim do islã. Segundo Kardec: “Tendo suas raízes no antigo e no novo
testamento, o islamismo é uma derivação deles. Pode-se considerá-lo como uma
das numerosas seitas nascidas das dissidências que surgiram desde a origem do
cristianismo, no que respeita à natureza do Cristo”.[ii] Maomé, dizem-no,
declarou-se o selo dos profetas. Nec plus
ultra! Todo respeito a essa doutrina de santa disciplina, legítima em sua
providência divina, mas revelação que não se pode enquadrar nesse esquema
progressivo de Kardec: Moisés, Jesus, espiritismo. Sim; foi o mestre que
acolheu a notícia da existência desse sequenciamento judaico-cristão-espírita,
psicografia do sr. Rodolphe R., médium judeu de Mulhouse. Era 1861. Com direito
a exegese neotestamentária do quarto evangelho e a mensagens espirituais de
aclamação, Kardec veio a consolidar a tese das três revelações em 1864, no best-seller O Evangelho segundo o
Espiritismo,[iii] bem como, depois, em A Gênese, de 1868.[iv] Ainda assim, ele
nunca deixou de apostar no espiritismo como elo possível de uma vindoura fusão
religiosa, uma religião universal, a despeito de ter sido dito ao mesmo médium
judeu que milhares e milhares de gerações ainda não a veriam na Terra.[v]
Referências
[i] João 13:34-35.
[ii] Revista Espírita.
Ago-Set/1866: Maomé e o Islamismo.
[iii] Cap. VI: O Cristo
Consolador, e cap. I: Não vim destruir a lei.
[iv] Cap. I, n. 20 e ss.
[v] Revista Espírita.
Mar/1861: Dissertações espíritas. A lei de Moisés e a lei do Cristo. Set/1861:
Dissertações espíritas. Um espírito israelita aos seus correligionários.
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