A educadora, escritora, poetisa e jornalista
brasileira, Dora Incontri, postou um artigo-desabafo no site da Universidade
Pampedéia, (leia mais) em reação a centenas de comentários agressivos e elogiosos,
acerca de outro artigo de conteúdo eminentemente político. (leia mais). No artigo,
ela se declarou espírita, anarquista e cristã.
O que mais lhe constrangeu, o que é óbvio, foi
o turbilhão de agressões surgidas no contexto do movimento espírita.
Para permitir avaliação espírita sobre a
situação enfrentada pela professora Dora, como gosto de a ela me referir, é
imprescindível ouvir Allan Kardec - onde se obtém visão robusta sobre o assunto
- na Revista Espírita de janeiro de
1867, no artigo Olhar Retrospectivo sobre
o Movimento Espírita, que pinço trecho, por mais que seja extenso,
apresenta-se efetivamente necessário:
“Os livres pensadores, nova denominação
pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de
religião e de espiritualidade, que não se julgam ligados pelo culto em que o
nascimento os colocou sem seu consentimento, nem obrigados à observação de
quaisquer práticas religiosas. Esta qualificação não especifica nenhuma crença
determinada. Ela pode ser aplicada a todas as nuanças do espiritualismo
racional, tanto quanto a mais absoluta incredulidade. Toda crença eclética pertence ao livre pensamento; todo homem que não
se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. Sob este ponto de
vista, os espíritas também são livres-pensadores.” (grifos
nossos).
É interessante notar que Kardec, na continuação
da dissertação, classifica como radicais do livre-pensamento aqueles que sob
este símbolo da emancipação intelectual – livres-pensadores – dissimulam a sua
condição de materialistas e ateus, qualidades repulsivas para as massas. Ora,
sombreados pela insígnia de livres-pensadores, o que se espera ser tolerantes, atiram pedra a quem quer que não pense como
eles. Portanto, isso não cabe aos espíritas, fundamentalmente pelos
princípios de fraternidade e caridade que os circunscrevem.
Kardec conclui pela classificação de duas
classes de livres-pensadores: os incrédulos e os crentes. Para os primeiros o
livre-pensar é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de
Deus e do futuro; para os segundos, classe que se incluem os espíritas, a
crença é razão e libertar-se do jugo da fé cega.
Na questão nº 833 de O Livro dos Espíritos, os Luminares Espirituais advertem que “é pelo pensamento que o homem goza da
liberdade sem limites, (...).” Portanto, o livre-pensar é um estatuto
natural.
Insistindo em Kardec, ainda na Revista Espírita, agora em fevereiro de
1867, no artigo Livre-Pensamento e Livre
Consciência, títulos de periódicos que representavam as duas classes de
pensadores à sua época. Nele, Allan Kardec relaciona algumas qualidades do
livre-pensador. Leia-se:
“livre-exame, liberdade de consciência, fé
raciocinada; simboliza a emancipação intelectual, a independência moral,
complemento da independência física; não quer mais escravos do pensamento, pois
o que caracteriza o livre-pensador é que este pensa por si mesmo, e não pelos
outros; em outros termos, sua opinião lhe é própria. E ele
arremata o parágrafo: Assim pode haver
livres-pensadores em todas as opiniões e em todas as crenças. Neste sentido, o
livre-pensamento eleva a dignidade do homem, dele fazendo um ser ativo,
inteligente, em vez de uma máquina de
crer.”
Diante de tais argumentos, que por si sós
expressam tudo o que a Doutrina Espírita através dos Reveladores Celeste e do
próprio Allan Kardec propicia aos espíritas, quais os motivos que levam ao
patrulhamento que se vivencia no seio do movimento espírita e por incrível que
pareça, na convivência das casas espíritas? O Espiritismo leva o indivíduo a se
conhecer, possibilitando-o novo modo de pensar e ampliar a sua compreensão
sobre o mundo, fazendo entender que a complexidade do pensamento, entendendo
que as teorias consolidam-se em práticas e estas, por sua vez, realimentam em
teorias. O pensar passa a ser entendido como gravidezes e partos sucessivos,
favorecendo a dialética com origem na maiêutica socrática, método empregado por
Kardec na elaboração de O Livro dos
Espíritos. Ernesto Bozzano (1862-1943), filósofo e pesquisador espírita, em
sua obra Pensamento e Vontade:
“Mas, o pensamento não é unicamente a
ressurreição de sensações anteriores: a faculdade imaginativa domina no homem;
é graça a ela que as imagens se combinam entre si, a fim de criarem, outras
imagens.”
O Espiritismo tem viés anarquista ao permitir
várias leituras, como o próprio Kardec assinala em O que é o Espiritismo: “O Espiritismo prende-se a todos os ramos da
Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e da Moral; é um campo imenso que não
pode ser percorrido em algumas horas.” Portanto, o livre-pensador é
anarquista; o espírita é anarquista, pois o espírita é o construtor da sua
felicidade ou desdita. O mesmo anarquismo do Apóstolo dos Gentios em sua I
Epístola aos Tessalonicenses, 5: 21: “Examinai tudo. Retende o que for bom.”
O livre-pensar não é perigoso, embora ele exija
a transgressão e ao mesmo tempo conexões variadas, pois o mundo das ideias,
como chamava Platão, é um mundo de diversidades. Não agi assim, mutila-se e se
torna o que é diversidade em unidimensional. Leia-se o que diz Edgar Morin, em
sua obra Introdução ao Pensamento
Complexo:
“Infelizmente, pela visão mutiladora e
unidimensional, paga-se bem caro nos fenômenos humanos: a mutilação corta na
carne, verte o sangue, expande o sofrimento. A incapacidade de conceber a
complexidade na realidade antropossocial, em sua microdimensão (o ser
individual) e em sua macrodimensão (o conjunto da humanidade planetária),
conduz a infinita tragédia e nos conduz a tragédia suprema.”
Essa é a tragédia que a professora Dora
Incontri passou; essa é a grande tragédia do movimento espírita brasileiro;
essa é a grande tragédia que o Brasil atravessa.
Referências
BOZZANO,
Ernesto. Pensamento e vontade. Rio
de Janeiro. FEB. 1995.
KARDEK,
Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2004.
____________. O
que é o Espiritismo. Rio de Janeiro: LAKE, 2003.
____________. Obras
póstumas. São Paulo: FEB, 2003.
____________. Revista espírita. São Paulo: Edicel,
abril de 1867.
Jorge Luiz, estou de pleno acordo com esse pensamento exposto acima. Ser Espírita é ser livre pensador. Tenho grande apreço pela Professora Dora Incontri, tanto quanto você. Também tenho grande desapreço por aquelas que utilizam uma postura piegas para atingir quem se utiliza dessa faculdade de livre pensar! Parabéns pela abordagem corajosa desse tema.
ResponderExcluirValeu, amigo!
ResponderExcluirSer espírita nunca foi ser livre-pensador. Já fui espírita de carteirinha e sei o que estou dizendo. Existem uma crença e uma moral comuns a todos os espíritas baseadas na codificação espírita. O próprio nome 'codificação' já diz tudo. Dentro do espiritismo, quem não pensa como todos os espíritas nem é considerado espírita. O espírita não tem opinião própria. Ele segue o que dita o espiritismo. Um ateu pode até ser um livre-pensador, mas um espírita, nunca!
ResponderExcluirParabenspelo texto amigo! Fantastico!!👏👏👏👏
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏
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