A ausência de debates e ações sobre questões
sociais e políticas é um fato no movimento espírita brasileiro. Tanto, que é de
causar estranheza e até mesmo críticas, um espírita engajado politicamente ou
participando atividade de movimentos sociais. Mas por que isto acontece?
A visão equivocada do Espiritismo como religião
está na raiz do problema. Desde a Antiguidade a religião é utilizada como forma
de dominação das massas, manobra que atingiu seu apogeu na Idade Média e
perdura até hoje variando de intensidade nos diferentes países. Tantas vezes
utilizada pelos detentores do poder para tal fim, já faz parte da mentalidade
coletiva de muitas culturas a ideia de que devemos nos resignar com a realidade
em que nos encontramos, mesmo sendo a mais desumana possível, pois é da vontade
de Deus que seja assim.
No meio espírita, especificamente, a resignação
e benevolência são confundidas com comodismo e estagnação. “O importante é
trabalhar no bem” é sentença repetida e imperam as ações de caráter
assistencialista, que embora tenham seu mérito no tocante às situações urgentes,
não promovem o bem estar social, pois não mudam a realidade. Além disso, essas
práticas denotam a falta de compreensão do que seja caridade. E qual afinal o
conceito de caridade segundo a Doutrina Espírita? Caridade é um sentimento
profundo de amor a si mesmo e ao próximo, é por isso, atitude individual, a
humildade e o desinteresse pessoal são suas marcas mais patentes. Depreende-se
que caridade é muito mais do que distribuir sopa aos idosos ou doar roupas.
O Espiritismo é consolador e transformador,
pois dá conhecimento ao homem sobre a vida futura. Dá ao mesmo, então, outro
ponto de vista que começa pelo conhecimento de si mesmo sob novo ângulo e um
olhar mais profundo da realidade que o rodeia. Sem dúvida, o conhecimento da
vida futura estreita a importância dos problemas relativos à matéria, mas,
ainda assim, a vida corporal possui importância capital para a evolução do
Espírito e é mesmo uma necessidade deste.
É claro que devemos buscar o nosso aperfeiçoamento
e um importante passo neste sentido se dá através do exercício da resistência
às influências perniciosas da matéria. Em O Livro dos Espíritos encontramos
alguns pontos interessantes sobre a finalidade da encarnação dos Espíritos
(questão 132):
“Deus
a impõe com o fim de levá-los à perfeição: para uns, é uma expiação; para
outros, uma missão. Mas, para chegar a essa perfeição, eles devem sofrer todas
as vicissitudes da existência corpórea; nisto é que está a expiação. A encarnação tem ainda outra finalidade,
que é a de pôr o Espírito em condições de enfrentar a sua parte na obra da
Criação. É para executá-la que ele toma um aparelho em cada mundo, em
harmonia com a matéria essencial do mesmo, afim de nele cumprir, daquele ponto
de vista, as ordens de Deus. E dessa
maneira, concorrendo para a obra geral, também progredir.” (Grifos nossos).
Nesta passagem e em muitas outras como a Lei de
Trabalho e Lei de sociedade, fica evidente que ao Espírito encarnado será
cobrado não só as escolhas e atitudes que repercutem em seu progresso
individual como de suas escolhas, atitudes e omissões no que concerne ao
progresso coletivo, do qual é parte obrigatória. A sociedade existe pela
necessidade humana de ajuda mútua, de se relacionar e para que os seres aprendam
uns com os outros. Por isso os Espíritos respondem a Kardec (questão 766 e ss)
que a vida em sociedade é útil ao progresso individual e geral, condenando
ainda, o isolamento voluntário.
Desta percepção decorre que é obrigação de
qualquer ser humano buscar o melhor para si e para os outros, de trabalhar por
si e pelos outros, de contribuir para a harmonia do planeta em que vive.
Entretanto, essa responsabilidade é ainda maior para o Espírita, porque
compreendendo os laços de fraternidade e solidariedade que devem unir os seres,
compreendendo que o trabalho é uma lei de Deus, compreendendo que deve
trabalhar para extirpar de si o egoísmo... se omitir em questões sociais e
políticas que influenciam na vida de todos é um equívoco ainda mais grave.
Ainda em O Livro dos Espíritos, destacamos a
questão 799:
“De que maneira o Espiritismo pode
contribuir para o progresso? — Destruindo o materialismo, que é uma das
chagas da sociedade, ele faz os homens compreenderem onde está o seu verdadeiro
interesse. A ‘vida futura não estando mais velada pela dúvida, o homem
compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente.
Destruindo os preconceitos de seita, de casta e de cor, ele ensina aos homens a
grande solidariedade que os deve unir como irmãos.” (Grifos nossos).
A começar pela pergunta feita por Kardec, essa
questão revela-se de suma importância. Poderíamos refazê-la perguntando: “De
que maneira os Espíritas podem contribuir para o progresso?” e a
resposta seria a mesma. A frase que diz que compreendendo a vida futura “o
homem compreenderá melhor que pode assegurar o seu futuro através do presente”
possui grande significado filosófico. O Espiritismo bem compreendido nos leva a
pensar as diversas dimensões da existência, de outra forma, mais responsável,
mais consciente. Desde os mínimos gestos
cotidianos: nas suas relações no trabalho, no seio da família, e até a
participação direta num movimento social, numa entidade comunitária, num
sindicato etc.
Os Espíritos respondem ainda a Kardec: “Destruindo
os preconceitos de seita, de casta e de cor, ele ensina aos homens a grande
solidariedade que os deve unir como irmãos.”. Os Espíritas são
convocados a destruir preconceitos de toda espécie e fazer implantar a
solidariedade e a fraternidade. Isso equivale ou não a uma profunda
transformação social?
Apenas engana a si mesmo aquele que vai ao
Centro Espírita ouvir palestras tomar passes e não muda seu ângulo de visão,
tampouco suas atitudes. Engana-se ainda mais, quem se diz Espírita e não toma
para si sua parcela de contribuição para o aperfeiçoamento da vida na Terra. De
que outra forma podemos “assegurar o futuro pelo presente”, senão participando
ativamente agora da construção do futuro? Como fazer isso alheio aos embates
políticos e às ações sociais? Como amar ao próximo e não lutar para o correto
aproveitamento dos recursos naturais? Como ser consciente sem se engajar nos
problemas que tangem à categoria de trabalho da qual se faz parte? Como pensar
no progresso coletivo sem se preocupar com quem ocupa o poder?
Como se vê, é a própria Doutrina Espírita quem
convoca seus adeptos para a participação ativa na vida social, intervindo de
acordo com suas afinidades e aptidões, portanto, ser Espírita é também exercer
plenamente seu papel como ser social, como agente transformador de uma
realidade que começa em cada um e se expande para além de nós mesmos. E na
dinâmica social, que também é divina, quanto mais vivenciamos o Espiritismo,
melhores seres humanos nos tornamos, consequentemente, mais consciência tomamos
das circunstâncias que nos rodeiam, não intervir em sua melhoria é faltar com
um dever.
“Um homem não pode fazer o certo numa área
da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo
indivisível.”
-Mahatma
Gandhi-
Erika, gostaria de ter escrito esse artigo.
ResponderExcluirConcordo plenamente Jorge. Não podemos nos omitir quanto a questões que diz respeito ao bem estar social por completo, e muito menos nos posicionar a favor de opressores, e sim pelos menos favorecidos, principalmente onde o abismo entre as classes sociais é gritante como no Brasil, portanto temos obrigação de irmos a lutar e participar buscar a defesa dos mais fracos e em condições de vidas degradantes, que jamais terão condições de galgar o conhecimento, quando a distância e as dificuldades são imensas.
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