Difícil é escrever fácil. Exige
demorada e árdua elaboração para tornar a leitura elegante, atraente e
objetiva, sem impor prodígios de concentração e entendimento.
Trata-se de uma
gentileza que todo autor esclarecido deve ao leitor que se dispõe a examinar
suas criações. O texto que exige cuidadosa interpretação é mais charada do que
literatura. Fica por conta da capacidade de quem lê, no empenho em orientar-se
por labirintos tortuosos, fruto dos devaneios do autor.
Jesus dizia que a verdade está ao alcance
dos simples.
Os doutos e entendidos
costumam sofrer uma intoxicação intelectual que oblitera o bom senso e os leva
a imaginar que tortuosidade e complexidade são sinônimos de cultura e saber.
A propósito vale
lembrar Guilherme de Occam (1285-1349), notável teólogo e filósofo inglês
(nascido em Occam, nos arredores de Londres). Ingressou bem jovem na ordem
franciscana. Estudou e lecionou na
gloriosa universidade de Oxford.
Inteligente e lúcido
estimava a simplicidade na exposição de suas ideias. Complexidades ou
conjecturas, apenas se absolutamente necessárias.
Adotou um princípio que
ficaria conhecido como a navalha de
Occam, definindo o empenho em retirar de um pensamento ou de uma tese
acessórios e complicações desnecessários, louvando-se no bom senso.
Se a aplicássemos em
textos herméticos e obscuros dos filósofos que fazem a história das
contradições do pensamento humano, seria uma “carnificina”. Pouco sobraria.
***
Nem sempre Occam conseguiu usar sua
navalha.
Aconteceu
particularmente em relação à existência de Deus, assunto que preferia não
abordar. Não a negava, mas considerava que, devido à transcendência do tema,
seria impossível conjeturar sobre o Criador sem recorrer a argumentos
complexos, de difícil entendimento.
Os Espíritos que orientaram a
codificação da Doutrina Espírita ensinaram diferente. Dotados de notável
capacidade de síntese, própria da sabedoria autêntica, demonstraram que é
possível passar a navalha de Occam em lucubrações complexas e reduzir a
argumentação em favor da existência de Deus à sua expressão mais singela.
Isso acontece na questão número
quatro, em O Livro dos Espíritos.
Pergunta
Kardec:
Onde
se pode encontrar a prova da existência de Deus?
Resposta:
Num
axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito sem causa. Procurai a
causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.
Comenta
Kardec:
Para
crer-se em Deus, basta se lance o olhar sobre as obras da Criação. O Universo
existe, logo tem uma causa. Duvidar da existência de Deus é negar que todo
efeito tem uma causa e avançar que o nada pode fazer alguma coisa.
Simplíssimo! Se o Universo é um efeito
inteligente, tão superior ao nosso entendimento que seus segredos são
inabordáveis, forçosamente tem um autor infinitamente inteligente – Deus.
A partir dessa ideia o difícil é
provar que Deus não existe. Teríamos que explicar o efeito sem causa, a criação
sem um Criador.
Quaisquer argumentos em
favor desta tese ingrata seriam facilmente eliminados pelo próprio Occam,
usando a navalha do bom senso.
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