Há situações em que a mente
desiste de seguir o rumo da existência e estaciona com o olhar voltado para o
passado. Geralmente o fato sucede quando uma trama de importante valor
emocional atinge a vida de uma pessoa em sua relação de amizade, a qual perde o
compasso por ter sido atingida no núcleo do sentimento. Gera-se então o
ressentimento. Condição de difícil manobra o ressentimento é resultado de um
ataque do inesperado ao senso de confiança e afetividade deflagrando uma
sensação de choque que pode ter cura demorada. Algumas desavenças afetivas
chegam a transpor ao sepulcro e retornam em outras existências, como assinalam
os relatos de além-túmulo em psicografias diversas.
Visto com simplicidade, o que
não significa facilidade, o perdão é a cura definitiva para o problema. Ocorre
que esse passo não assim é tão banal. Pode até parecer para quem avalia de fora
a questão. Ora, para que nasça o ressentimento (ferida no afeto) é necessário o
sentimento (afetividade, entrega) existir, pois não se guarda dor diante do ato
a quem se tem indiferença, e quanto mais intenso aquele for maior o abalo que se
pode sofrer. O Espírito nem sempre está preparado para essa dor e se entrega ao
desespero do carregar sobre si essa nódoa mental.
O aprendizado que nos leva à
percepção da atitude hostil do outro como algo que só a ele compete sofrer é
uma estrada que se aprende a duras penas e exige maturidade espiritual para se
alcançar. Por regra julgamos que, ao esperar uma ação e receber outra, se deve
condenar a falta de sensibilidade de quem a praticou inocentando a própria posição
quanto ao ocorrido. Complicado entender que o outro que ofende abre uma chaga
na sua história, mas quando nos ressentimos a escolha é pessoal, ou seja,
consentimos em carregar o fardo da decisão do outro.
É isso que os Mentores da
Codificação respondem a Allan Kardec em O Livro dos Espíritos (q. 295): “Que sentimento experimentam, após a morte, aqueles a
quem fizemos mal neste mundo? — Se são bons, perdoam, de acordo com o vosso
arrependimento. Se são maus, podem conservar o ressentimento, e por vezes vos
perseguir até numa outra existência. Deus pode permiti-lo, como um castigo”.
Anteriormente (q.293) perguntados se desafetos enquanto encarnados guardam
ressentimentos pós-morte, a resposta é incisiva: “Não;
compreenderão que sua dissensão era estúpida e o motivo, pueril...” ao que
Allan Kardec comenta: “Da
mesma maneira que dois escolares, chegando à idade da razão, reconhecem a
puerilidade de suas brigas infantis e deixam de se malquerer”.
O que nos leva ao
ressentimento verdadeiramente é esperar do outro o que parece que ele não pôde
nos dar, assim como nos faltar o controle de toda a sinceridade que há em nossa
relação com o outro. A sinceridade em uma relação nos leva ao conhecimento, antes
mesmo de um ocorrido, do seu prenúncio e aí não há surpresas. Se formos tomados
pela má fé de alguém, que pena. Cabe ao outro levar consigo as consequências
disso. É possível resumir a idéia como ensina Francisco de Assis na oração, da
qual lhe foi dada autoria: “... consolar que ser consolado, compreender que ser
compreendido, amar que ser amado...”. Fugir do ressentimento evita o
estacionamento no passado e projeta a vida para o futuro.
¹ editorial do programa Antena Espírita de 23.07.2017
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