Há quem se firme na crença do
"acaso" para a explicação de acontecimentos em que há uma certa “coincidência”,
como que uma causalidade “incausada” Este, pelo menos, é o pensamento dos que
somente conseguem perceber o sensorial, isto é, o que toca e se mostra nos
limites dos sentidos físicos.
Em 1754, um cientista de nome Horace Walpole¹,
ao descrever algumas das suas invenções para um colega, Horace Mann, criou o
vocábulo “serendipidade”, para
designá-las, por serem por ele consideradas como “acidentais”.
Segundo consta no livro do Prof. Royston M.
Roberts da Universidade do Texas, o termo é formado a partir da palavra Serendip
(ou Serendib), antigo nome do Ceilão (Atual Sri Lanka) e o citado pesquisador o
utilizou, após haver lido um conto de fadas intitulado “Os Três Príncipes de Serendip”, onde seus protagonistas realizam
repetidas descobertas “por acidentes e sagacidade”². “Serendipty” é portanto, um neologismo inglês, criado pelo Dr.
Walpole para designar aquelas descobertas casuais, acidentais, como que
predeterminadas pela sorte ou destino. É uma palavra ainda não dicionarizada na
Língua Portuguesa.
A verdade é que são inumeráveis os casos de
serendipidade, ao ponto de Sir Derek H. R. Barton, da Universidade do Texas,
afirmar que “a maior parte das
descobertas importantes na química orgânica foram feitas por acidente” ³.
Também, são muitos os cientistas que afirma e
comprovam abertamente fatos dessa natureza. Alguns destes são muitíssimos conhecidos
da população em geral, como o caso da descoberta da penicilina por Sir
Alexander Flemming, em 1928. O que a maioria desconhece, porém, é que, no caso
da descoberta do referido antibiótico, houve uma sucessão de serendipidades.
Aliás, na vida desse laureado cientista podemos perceber indiscutíveis “coincidências do destino”.
De fato, além dos acontecimentos que o levaram
a estudar Medicina, bem como a escolha da Escola onde se realizariam seus
estudos e onde, no futuro, viria a desenvolver suas pesquisas – elementos que
de per se já são o bastante para
suscitar questionamentos sobre as razões excepcionais das coisas -, mais se
pode analisar no que concerne à forma como se deram suas descobertas.
Em 1922, seis anos antes de descobrir a
penicilina, Fleming trabalhava com uma cultura bacteriana em uma placa
apropriada (placa de Petri) e, naquele dia, encontrava-se resfriado.
Inadvertidamente, caiu-lhe uma lágrima sobre a placa de estudo. No dia
seguinte, percebeu que se formava um halo, apresentando uma destruição das
colônias bacterianas existentes, na região onde lhe caíra a secreção orgânica,
levando-o, ao tentar identificar as causas do fenômeno, à descoberta de uma
substância contida na lágrima, de nome lisozima,
que age sobre bactérias não patogênicas, destruindo-as e, desse modo,
participante das defesas orgânicas.
Em 1928, fato semelhante ocorreu. Só que agora
a região onde acontecera a lise (destruição) das bactérias estava relacionada
com a presença de um pouco de bolor que acidentalmente havia contaminado a
placa de cultura bacteriana.
Confrontado os dois acontecimentos, Fleming
voltou-se para o isolamento daquele mofo e descobriu que ele era constituído
por fungos do gênero Penicillium e, por isso, ele nominou a substância antibiótica
ali produzida de “penicilina”.
Observe-se, portanto, que a lágrima e o bolor
contaminaram “casualmente” o meio de cultura e a atenção do cientista foi mais
despertada, ainda, pela repetição do fenômeno, embora com substâncias
diferentes. O mais interessante é atentar para dois pontos inusitados: o
primeiro é que, no comum, o pesquisador teria se livrado do material
contaminado e até mesmo se entristecido pela contaminação em seu estudo;
depois, existem inúmeros gêneros de fungos nos bolores, mas foi cair na placa
exatamente o bolor contendo o gênero produtor do antibiótico. Vejamos os
comentários do próprio Flemming, citado por Roberts 4:
“Não fosse a experiência anterior (com a
lisozima), eu teria jogado fora o material, como muitos bacteriologistas devem
ter feito antes... É provável também que alguns bacteriologistas tenham
percebido mudanças semelhantes àquelas notadas (por mim) ... mas na ausência de
qualquer interesse por substâncias bactericidas naturais, as culturas foram
simplesmente descartadas... Em vez de jogar fora as culturas contaminadas com
um discurso apropriado, eu iniciei as investigações”.
E ainda:
“(...) há milhares de fungos diferentes e
há milhares de bactérias diferentes, e a chance de colocar o bolor certo no
lugar certo e na hora certa, foi como vencer, acertar na loteria.”
É costume afirmar-se na seara espírita que o
acaso não existe 5. E isso porque, sem bem pesquisarmos, haverá
sempre uma causa lógica para qualquer evento. Além do que, a dificuldade para
encontrar certos motivos provêm de se procurarem as explicações no estreito
conjunto das causas físicas.
Com o Espiritismo, ampliamos os nossos
horizontes para muito além do sensório e descobrimos que as causas se devem
invariavelmente às respostas naturais às nossas ações ou aos dispositivos
racionais das leis divinas que nos impulsionam de maneira compulsória para a
felicidade.
De outra forma, vamos compreender que, a
despeito de haver completa independência do Espírito em relação ao corpo e
vice-versa (como defendido por René Descartes), no sentido existencial de cada
um, há uma interrelação, enquanto o Espírito experiência as injunções materiais
e que, mesmo desencarnado, o Espírito relaciona-se com outros momentaneamente adstritos
ao plano material.
Também compreendemos as razões ascensionais da
vida somática para o Espírito e que Individualidades já emancipadas da matéria,
por amor à humanidade e a Deus, contribuem de forma anônima para o progresso individual
de cada criatura retardatária, assim como de toda a coletividade dos Espíritos
encarnados.
Aos homens cabe, porém, o trabalho decisivo nas
realizações materiais, a ação direta para a evolução planetária e os esforços
no sentido de dominar as dificuldades naturais e promover paz e o bem-estar
para todos. Isso, no entanto, não impede aquela ação anônima dos Espíritos, em
auxílio aos seus irmãos da esfera mais densa, em todas as áreas e atividades
humanas. Assim, pois, também, nas ciências.
Se bem que os Espíritos não venham entregar aos
homens as revelações científicas que a eles cabem desvelar, participam
incentivando-os, despertando-lhes a atenção, favorecendo as condições para a
sua descoberta. Isso explica, de maneira lógica, as frequentes descobertas “acidentais”, os “acasos” facilitadores, inexplicáveis sob uma visão puramente
mecanicista.
Há, portanto, Espíritos encarregados de
fomentar o progresso científico, incentivando e facilitando certas descobertas,
quando sentem ser chegado o momento para a sua consecução, como podemos
depreender dessa afirmativa do Espírito Arago 6
“Quando um Espírito alcançou um grau bem
avançado, Deus lhe confia uma missão e o encarrega de ocupar-se de tal ou qual
ciência útil aos homens. (...) E quando estudou bastante, dirige-se a um homem
capaz de aprender aquilo que, por sua vez, pode ensinar. De repente esse homem
é obsidiado por um pensamento; só pensa nisso; disso fala a todo instante;
sonha dia e noite com a coisa; ouve vozes celestes que lhe falam. Depois,
quanto tudo está bem desenvolvido em sua cabeça, esse homem anuncia ao mundo
uma descoberta ou um aperfeiçoamento. É assim que são inspirados os homens, em
sua maioria”.
Observe-se que o cientista encarnado trabalhou,
pensou, conjecturou, pesquisou. Foi secundado pelo Espírito que lhe “soprou” sugestões, proporcionou
oportunidades. Assim é que, no comum, não se fazem descobertas sem labor. Mesmo
os “acasos” requerem transpiração e
envolvimento, como no caso de Flemming, que mantinha o espírito sintonizado e à
procura das “substâncias bactericidas naturais”.
Não se deve imaginar que sem esforço se logre
descobrir essa ou aquela lei científica, viabilizar essa ou aquela descoberta.
Nem que os Espíritos e prestem ao papel de dispensar a participação do homem no
conhecimento.
Aliás, desde os princípios das comunicações
mediúnicas ostensivas que os Amigos do Além já nos alertam para o papel da mediunidade
no mundo. Vejamos as suas respostas a duas questões formuladas por Allan Kardec
sobre o assunto:
“Os Espíritos podem dar orientação em
pesquisas científicas e descobertas?
- A ciência é obra do gênio, só deve ser
adquirida pelo trabalho, porque é somente pelo trabalho que o homem avança no
seu caminho”. 7
“O sábio e o inventor, então, nunca são
assistidos pelos Espíritos em suas pesquisas?
- Oh, isso é diferente! Quando chega o
tempo de uma descoberta, os Espíritos incumbidos de lhe dirigir a marcha
procuram o homem capaz de a levar a bom termo. Inspiram-lhe as ideias
necessárias, com o cuidado de lhe deixar todo o mérito, porque essas ideias ele
terá de elaborar e pôr em execução.”8
Destarte, podemos afirmar que o Dr. Horace
Walpole tem razão em associar ao “acaso” a sagacidade, assim como também fazia
Louis Pasteur, ao afirmar:
“No campo da observação, o acaso favorece
apenas a mente preparada”9.
A intervenção dos Espíritos, bem como a ação do
próprio encarnado, como Espírito, em desdobramento ou estados de abstração, nos
chamados momentos de emancipação da alma, têm seu peso no progresso científico,
favorecendo aos que trabalham e buscam insistentemente. Mas aquilo que parece
obra do acaso é, via de regra, a suave, mas decisiva, ação do mundo espiritual
sobre o homem de gênio, pois assim como somos passíveis de ser influenciados –
e decididamente o somos – por Espíritos imperfeitos, também nos influenciam os
Espíritos mais evoluídos e compromissados com o Bem e a Verdade.
Serendipidade é, portanto, no geral, termo
usado para designar, nos meios científicos ortodoxos, a ação do mundo
espiritual sobre nós encarnados e sobre o progresso da ciência, em função da
ignorância e dos preconceitos ainda vigentes nos meios acadêmicos e
intelectuais em nossos dias, vindo a comprovar a resposta à questão 459, de O Livro dos Espíritos:
“Os Espíritos influem sobre os nossos
pensamentos e as nossas ações?
- Nesse sentido a sua influência é maior
do que supondes, porque muito frequentemente são eles que vos dirigem”.
Referências:
¹ ROBERTS, Royston M. Descobertas acidentais em ciências. Papirus. Campinas. 1993;
²___________________ idem, ibidem;
³___________________ idem, Prefácio.
4_____________________________ idem, pág. 201.
5 KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. EME. São Paulo;
6______________ Revista espírita. EDICEL. Brasília. DF;
7______________ O livro dos médiuns, perg. 294, item
28;
8______________ idem, perg. 294, item 29;
9 ROBERTS, Royston M. ob. Cit.
fonte: Bioética, Uma contribuição Espírita, Francisco Cajazeiras.
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