Conversávamos à saída de um Centro Espírita, em São Paulo, por volta de
dezesseis horas, depois de concorrida reunião de estudos. Em dado momento, um
motociclista parou ao nosso lado.
Percebi que os companheiros
assustaram-se. Suspiraram aliviados quando ele simplesmente pediu uma
informação e partiu. Fiquei sabendo, então, que o pessoal da pesada costuma
assaltar de motoca, versão moderna dos filmes de bang-bang, em que pistoleiros montavam resfolegantes corcéis.
A
conversa voltou-se para a neurose que há nas cidades grandes. Tornou-se lugar
comum dizer que os bandidos estão soltos, enquanto a população vive trancada em
fortalezas domésticas, repletas de grades e dispositivos de segurança.
Geralmente
associamos o problema à miséria, considerando que populações marginalizadas e
esquecidas apelam para a violência como opção de sobrevivência. Esse é um dos
aspectos do problema, porquanto a violência é um fenômeno universal, presente
mesmo em países como os Estados Unidos, onde a população carente é reduzida e
bem amparada.
A
maioria dos moradores de favelas passa por privações amargas e nem por isso
resvala para uma vida de crimes. É gente humilde que enfrenta com dignidade,
disposição e fortaleza de ânimo as agruras da pobreza.
O
evidente, nestes tempos de transição, em que a população mundial ultrapassou os
sete bilhões de habitantes, é que estamos sofrendo, à semelhança do que ocorreu
no passado com o Império Romano, uma invasão de bárbaros. A diferença é que no
pretérito estas hordas tinham uma conformação étnica, situando-se por hunos,
visigodos, vândalos...
Os bárbaros de hoje surgem das
entranhas de nossa própria sociedade, a partir do processo reencarnatório. Aguardam
apenas o tempo certo, a idade adequada, a partir da adolescência, para
iniciarem suas estripulias.
Por
que foram abertas as porteiras do Umbral, despejando sobre o plano físico
multidões desvairadas, cuja característica principal é a agressividade e o
desrespeito pela vida humana?
Estamos
diante de uma contingência evolutiva. O crescimento da população oferece a
inteligências primitivas a oportunidade de um contato com as agruras da vida
física, qual lixa grossa a desbastar suas imperfeições mais grosseiras, ao
mesmo tempo em que sua presença perturbadora impõe às coletividades terrestres
uma reavaliação de suas motivações existenciais.
O
leitor, por certo, estará imaginando o temos a ver com os marginais que
transitam entre nós. Consideremos, em princípio, o comportamento do homem
comum. Calcula-se que nas férias escolares, perto de quinze milhões de
brasileiros buscam descanso nas praias.
Os fins de semana são marcados
por multidões que procuram "sombra e água fresca" para cultivar a
felicidade de não fazer absolutamente nada, dando tratos à fantasia, sob o
embalo da indiferença que sempre sugere perigosas incursões no vício e na
imprudência.
Não
há por que censurar o descanso, o lazer, a viagem, a rede… O problema é que
isso tudo que deveria ser parte da vida, costuma tornar-se a finalidade dela,
sob inspiração do velho egoísmo humano. Resultado: prevalece a ideia de que
todos os problemas que envolvem o país e a comunidade devem ser resolvidos pelo
governo, ao qual compete educar o ignorante, conter o agressivo, castigar o
criminoso, sustentar o desempregado, promover o progresso, realizar nossos
sonhos de prosperidade!
Não
nos demos conta de algo elementar: o governo é apenas uma representação da
sociedade! Pouco poderá fazer se a população não se engajar decididamente nas
iniciativas que visam o bem-estar social.
A
decantada civilização cristianizada do Terceiro Milênio não será implantada por
decreto celeste. Inútil esperar por ela,
enquanto as coletividades terrestres não operarem fundamental mudança de
comportamento, partindo do egoísmo para o altruísmo, dos interesses pessoais
para as necessidades coletivas, das realizações efêmeras do individualismo
exacerbado para as gloriosas construções do amor fraterno.
Imaginemos
uma mobilização de toda a população produtiva de uma comunidade, envolvendo a
classe média e abastada, a oferecer de seus recursos, de seu tempo, de seu
trabalho…
Não haveria problemas insolúveis. A própria
subnutrição que aflige milhões de brasileiros, não é simples fruto de uma má
distribuição dos bens da produção, de leis injustas criadas por minorias
ambiciosas, como pretendem os socialistas de plantão.
Ela
é sustentada muito mais pela omissão de considerável parcela da população que
poderia algo fazer, mas simplesmente prefere fechar os olhos, transitando sem
traumas e sem constrangimentos entre necessitados e sofredores de todos os
matizes, em absoluta indiferença.
Ingenuidade falar-se em
justiça social ao peso de mudanças estruturais, leis ou regimes, num mundo
orientado pelo supremo gerador de injustiças que é o egoísmo, a tendência de cada um por si e o resto que se dane!
Quando
Allan Kardec desfraldou a bandeira da Caridade, proclamando que sem ela não há
salvação, não enunciou nenhum princípio escatológico relacionado com suposto
julgamento divino.
Simplesmente
demonstrava que sem a ação em favor do semelhante, em todos os setores da
atividade humana, no lar, na sociedade, na profissão, no círculo religioso,
jamais nos livraremos dos males que afligem a Humanidade.
– Acaso serei tutor de meu irmão? –
pergunta Caim ao Senhor, no texto bíblico, pretendendo furtar-se à responsabilidade
pelo assassinato de Abel. Implicitamente essa afirmação negativa está presente
em nosso comportamento quando, com nossa omissão, aniquilamos esperanças,
sedimentamos o desespero e favorecemos a agressividade em multidões que ainda
não despertaram para as responsabilidades da Vida, nem conhecem os princípios
de Justiça e Amor que regem o Universo.
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O confrade Simonetti, como sempre, elaborou uma abordagem perfeita. Poucos de nós entendemos dessa forma.
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