quinta-feira, 17 de agosto de 2017

CRÔNICAS DO COTIDIANO: PERDÃO E AUTOPERDÃO








“Porque é a coisa certa. É a coisa certa para mim. É a coisa certa para Glen. Sinto que meu pai está sendo celebrado. Minha mãe está sendo celebrada. Os pais de Glen estão sendo celebrados. Toda a dor deles não é em vão. Temos esperança. Amor. Possibilidades. E temos diálogo. Falamos sobre a perda. Sinto gratidão.” Assim se expressa a canadense Margot von Sluytman, em depoimento à BBC, juntamente com o assassino do seu pai, ao descreverem juntos a jornada surpreendente que a fez perdoá-lo e se tornarem amigos. (saiba mais)


Justiça Restaurativa
O fato acima pode ser enquadrado em novo paradigma de justiça denominado Justiça Restauradora ou Restaurativa, que visa construir uma cultura de paz.
Para os estudiosos e aplicadores da justiça restaurativa existe a busca de um conceito. Esquecem, eles, que o conceito é simples: perdão.
A justiça restaurativa se trata de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima.
Introduzida no Brasil há mais de uma década, ela tem origem nos países anglo-saxões, notadamente no Canadá e Nova Zelândia, ganhando relevância em vários países, inclusive no Brasil.
Nessa mesma latitude, a terapeuta norte-americana, Robin Carsajian, concluiu que o autoperdão é fundamental para a reabilitação dos condenados. Quando isso não ocorre, logo ao saírem do sistema penitenciário reincidem no crime. Para ela, é uma maneira inconsciente de se punirem pela profunda culpa que sentem. Ela realiza workshop a pedido do governo norte-americano em presídios com o propósito de promover a reabilitação de presos pelo perdão a si mesmos. O autoperdão é renascimento. É renunciar aos medos, ilusões, preconceitos. É preparar-se para perdoar os ofensores, tal qual Jesus afirmou: perdoar setenta vezes sete vezes.

O que é o perdão?
Entender o significado do perdão exige que o indivíduo, caso necessário, renuncie ao conceito do perdão como atitude religiosa abstrata, que necessita de intermediário para se alcançá-lo.
O perdão é uma disposição intransferível do próprio ofendido de abrir mão das mágoas do passado, de curar o coração e o Espírito.
Casarjian adverte:

“O perdão é o modo de tomar o que está quebrado e torná-lo inteiro. Ele toma os nossos corações partidos e os conserta, toma nossos corações aprisionados e os liberta; toma nossos corações maculados pela culpa e pela vergonha e os devolve à pureza original. O perdão devolve aos nossos corações a inocência que possuíamos – uma inocência que nos liberta para amar.”1

Dr. Gerald G. Jampolsky, sintonizado com o Mestre Nazareno, (Mt, 5:14-16)

“Perdoar é o caminho que nos leva da escuridão para a luz. É a nossa função aqui na Terra, que nos leva a reconhecer que somos a luz do mundo.”

O que o perdão não é
Esquecer. Esquecer o abuso, a agressão, a traição, atitudes totalmente inaceitáveis. Perdoar não implica, necessariamente, que se mantenha qualquer tipo de relação, ou até mesmo que o obrigue a consentir e apoiar comportamento que cause dor, sem que se aja para modificar a situação ou até mesmo para proteger os direitos e a dignidade humana. Perdoar não é um faz de conta; fingir que está tudo bem, quando se sabe que não está. Perdoar não é negar a raiva e o ressentimento.
Para se perdoar não é necessário que se comunique verbalmente que a pessoa está perdoada. Muito embora seja parte preponderante da atitude de se perdoar, contudo, não há a necessidade de se dizer “eu te perdoo.”

O perdão como um modo de vida
O Ser ao se perfilar para processo do conhecimento de si, defrontar-se-á, inevitavelmente, com prática diária do julgamento do próximo. Isso é uma característica marcante da personalidade humana. Jesus, o grande pedagogo da alma, adverte que com a mesma medida que usardes para medir os outros, igualmente será medido (Mt, 7:2). Esse comportamento é definido na Psicologia como a projeção da sombra, que surge a partir dos mecanismos do ego em contato com a realidade humana. Aqui está a gênese do pensamento linear ou binário, que se revela nas dualidades da vida: bom e mau; certo e errado. Para Carl Jung (1875-1961), psiquiatra suíço, na sombra, vive tudo o que o ego não quer ou não pode adaptar aos costumes e convenções sociais e culturais.
O Espírito Joanna de Ângelis, pela psicografia de Divaldo Franco, adverte:

“Ainda permanece essa conduta soez em todos os segmentos da sociedade, particularmente nos grupamentos religiosos, nos quais, aqueles que se sentem incapazes de crescer, por acomodação mental ou incapacidade moral, tornam-se agudos vigias dos irmãos que os ultrapassam e não merece perdão, por estarem libertando-se da sombra, que eles ainda sequer identificaram...”

Assim sendo, deve-se da mesma forma se alinhar o perdão como um modo de vida, como ensina Carsajian:
“Como modo de vida, o perdão envolve o compromisso de experimentar cada momento sem a interferência das percepções passadas – vendo cada momento de maneira nova, clara, sem medo.”

Fica bem claro que o perdão não deve ser, tão somente, experimentado em situação pontual, muito embora seja realmente necessária. Contudo, para que se seja realmente livre, saudável e capaz de avançar no processo de crescimento espiritual, exige-se que vivenciemos o perdão de modo habitual e contumaz. Para se iniciar esse processo se deve aprender em terreno neutro. O que é isso? Carsajian sugere que se faça experiências diárias, praticando o perdão com pessoas que você nunca conviveu, como por exemplo: no trânsito, nas filas dos bancos e supermercados. Nesse estágio, começa-se a mudar as nossas crenças e valores, fundamentos portentosos no processo do julgamento. Como afirma Jampolsky, “é ver a lâmpada ao invés do abajur”.
Inicia-se com o perdão uma forma consciente de se adentrar o Reino de Deus anunciado por Jesus.

Referências
CARSAJIAN, Robin. O livro do perdão. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
JAMPOLSKY. Gerald G. Perdão: cura para todos os males. Cultrix, 1999.

2 comentários:

  1. Francisco Castro de Sousa18 de agosto de 2017 às 20:22

    Jorge,
    Tenho um caso na família que lhe contarei em rápidas palavras.
    A filha mais nova da minha irmã mais velha, eu sou o primeiro, depois o Manuel e depois ela, Socorro.
    Teve duas filhas, Michelli a mais velha e Danielle.
    Danielle fez 15 anos, era uma menina doce, e começou um namoro com militar da PM.
    Um dia, ele chegou na casa da minha irmã e convidou-a para ir ao Conjunto Ceará, minha irmã morava no Conjunto Esperança.
    Desse passeio ela não mais voltou. Ele a matou com um tiro na cabeça que trans-fixou de uma fronte a outra. Ele levou a menina para o Frotão.
    Avisou minha irmã que tinha havido um acidente, largou-a lá e foi pra casa dormir.
    Pra encurtar a história ele chegou a ser preso, conseguiu um habeas-corpus e fugiu. Nós conseguimos que a Rede Globo tratasse do caso naquele programa Linha Direta, em menos menos de 24 horas da veiculação do programa ele foi preso em Parnaíba. Isso chamou a atenção do Brasil inteiro, conhecido como "Caso Daniele". Eu cheguei a escrever um livro com esse mesmo título quando estávamos na fase de perseguição!
    Para encurtar o relato, tempos depois fui procurado pela Rede Globo me propondo ficar frente a frente com o indivíduo que a vida da minha sobrinha e perdoá-lo.
    Agradeci a tentativa deles, mas eu não coragem de ficar frente a frente com aquele indivíduo e perdoa-lo! Senti que seria uma traição ao sofrimento da minha irmã
    e da minha mãe. Penso que foi isso que desenvolveu, ou apressou o desenvolvimento do Alzheimer na minha Mãe. Eu me neguei a tal representação!
    Isso não é uma coisa fácil!
    Castro

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  2. Caro amigo, não tenha dúvida que a tarefa do perdão seja coisa fácil. Não é à toa que Deus possibilitou a reencarnação para facilitar esse mister. Sua colaboração enriqueceu muito o artigo.

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