sábado, 19 de agosto de 2017

ESPIRITISMO E COMUNISMO - (II PARTE)



 

A despeito de sua clara interdição aos comunismos, Kardec viu neles o que certos espíritas não se permitem admitir: “o objetivo é louvável, sem contradita” e, seus pensadores, “bem-intencionados”. Na opinião do mestre, não seriam viáveis, principalmente, porque exigiriam “as virtudes morais no grau supremo”. Ora; dois gumes nessa lâmina. Sujeito histórico da era da incerteza, problematizo e opino livre de peias. Não tenho o tolo fetiche de uma neutralidade que nada mais seria senão pretensa. Ser ou não ser socialista, ou comunista, é uma opção; ser crítico do capitalismo é uma obrigação. Os comunismos dependeriam de virtudes num grau inexistente. E o capitalismo? Delas dependeria em que grau? Digo-o: zero. Ele as despreza. Lucro maximizado e concentrado é só ao que ele conduz. Acúmulo que finda sem capacidade distributiva e a gerar crises reincidentes. Por isso viceja, normativo, o açambarcamento dos supérfluos em prejuízo de a quem falta o indispensável; o esquecimento de toda lágrima que o culto das ambições fátuas não permite seja enxugada; o mal emprego de altas cifras que melhor se envidariam a disponibilizar o essencial a quem mesmo deste se encontra falto. Segundo as leis morais espíritas, só o necessário é útil; o supérfluo, nunca o é. O mérito espiritual está em resistir ao excesso, ao gozo das coisas inúteis; no sacrifício até do que seja necessário em favor de quem carece do bastante. Assim, o critério da verdadeira felicidade é olhar para baixo; não olhar para cima senão para elevar a alma ao infinito. O mínimo comum de felicidade relativa na Terra requer tão só a posse do necessário, a consciência tranquila e a fé no futuro, sendo o mais rico o de menos demandas e, verdadeiramente infeliz, só a quem falte o bastante à vida e à saúde do corpo.[xx] Como conciliar essa moral mais que espírita: praticamente paleocristã, às formas de sociabilidade usurária do capitalismo? Segundo o prof. A. L. Mascaro, tais formas “se estruturam em relações de exploração, dominação, concorrência, antagonismo de indivíduos, grupos, classes e Estados, sendo o conflito e a crise suas marcas inexoráveis”.[xxi] Exatamente o que nos leva ao antológico A. Hauser: “(...) não foi toda a economia capitalista mera ilustração da teoria de Maquiavel? Não mostrou ela claramente que a realidade obedecia à sua própria e dura necessidade, que todas as ideias eram impotentes quando diante de sua implacável lógica, e que a única alternativa era submeter-se-lhe ou ser destruído por ela?”.[xxii] Não surpreende, pois, o nosso supremo grau, não de virtudes pacíficas da alma, mas de vícios beligerantes do corpo; o nosso calculado distanciamento do guia e modelo indicado à humanidade na orientação imperativa do kardecismo: “Vede Jesus”.[xxiii] A meu juízo, o mesmo que disse: — Ai de vós, ricos! Honrados os pobres![xxiv]

A crítica de Kardec aos comunismos lhes contradita a eficácia presente, mas, no âmbito das próprias crenças espíritas, não lhes desautoriza o eventual êxito futuro, senão terráqueo, extraterreno. Não nos conduz, o conjunto dessas crenças, na direção do sublime da virtude, do sacrifício do interesse pessoal pelo bem do próximo, sem segundas intenções?[xxv] Portanto, não nos leva em direção da abnegação mais completa da personalidade, do império da solidariedade, do perfeito estado da vida comunitária enfim? O choque de uma organização em que a sociabilidade só induz ao possuir, ao por força amealhar, instiga permanente defensiva; reproduz egoísmo; frustra as melhores formações em contrário. Será a caridade a brotar no coração daqueles que, crentes ou não, mais que talhados para competir e consumir, são antes a isso obrigados, sob pena de perecerem?[xxvi] Entretendo e excitando o egoísmo e, dessa forma, intensificando uma necessária piora do mal, não é a civilização capitalista que trama sua ruína e, assim, sua transição a uma sociedade superior? A própria causa: egoísmo, não destrói seu efeito: capitalismo? Dizem-no, a seu modo, os guias kardecistas, o próprio Kardec e, bem antes, até Marx: “Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de extirpá-lo.”[xxvii] — “O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.”[xxviii] — “O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado pelo simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para fora de si sua riqueza interior”.[xxix] Os comunistas não levariam em conta senão a organização da vida material e, por isso, Kardec os acusa de construir um edifício começando pelo topo. No entanto, a própria filosofia espírita decreta, com relação à vida na matéria, a posse do necessário como mínimo indispensável à felicidade terrestre.[xxx] Marx, aliás, chama “rude”, “irrefletido”, “incompleto”, o comunismo para o qual “a posse imediata, física, lhe valha como o fim único da vida e da existência.”[xxxi] Se uns negligenciariam o espírito, o outro subestimaria a matéria, sobretudo ante este seu otimismo profético: le spiritisme, par sa puissante révélation, vient donc hâter la réforme sociale: o espiritismo, por sua poderosa revelação, vem acelerar a reforma social. Kardec não sabia que o interesse pelo espiritismo permaneceria, sim, muito depois de sua morte, mas decrescente, não acelerando, concreta e estruturalmente, nenhuma reforma social. Ao contrário, o colonialismo europeu, francês em grande medida, viria a estar na base mesma de dois terríveis conflitos mundiais.[xxxii] Impossível fora desmentir a diagnose quântica do essencial A. Bosi: “As almas e os objetos foram assumidos e guiados, no agir cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade; e o seu valor foi se medindo quase automaticamente pela posição que ocupam na hierarquia de classe ou de status. Os tempos foram ficando — como já deplorava Leopardi — egoístas e abstratos. ‘Sociedade de consumo’ é apenas um aspecto (o mais vistoso, talvez) dessa teia crescente de domínio e ilusão que os espertos chamam ‘desenvolvimento’ (ah! poder de nomear as coisas!) e os tolos aceitam como ‘preço do progresso’”.[xxxiii]
Para além de identificar o espiritismo a qualquer sistema político-econômico, ressalto esse eterno desafio enfrentado pelos humanismos: a distância entre proposição e prática. No espiritismo não é diferente. Não parecem mais utópicas que a instauração de qualquer comunismo as soluções morais espíritas em pleno âmbito capitalista. Notadamente, essas soluções antagonizam o coração pulsante do sistema: o interesse pessoal; este rivaliza com o que é justo, e determina uma ordem jurídica feita para o mais forte em detrimento do mais fraco, como vimos o Kardec dialético escrever. O mestre também diz em 1862 que “a base da caridade é a crença; a falta de crença conduz ao materialismo, e o materialismo ao egoísmo.” Há uma prova final, no entanto, de que o espiritualismo seja necessariamente mais eficaz contra o egoísmo e o orgulho? Ou de que o materialismo conduza fatalmente a esses vícios radicais? Não existem adeptos de doutrinas materialistas, ou simples indiferentes, que sejam superiores em moral a adeptos do espiritismo, por exemplo? Se a crença é nosso móvel, basta que conduza ao bem de todos antes que só ao nosso.[xxxiv] Importará tanto assim que ela seja espiritualista? Será impossível querer o bem de todos, até com fervor, sem acreditar em Deus, ou no espírito? Procede altruisticamente, tão só por neles crer, todo espiritualista? Com respeitosa vênia, mestre: “A experiência aí está, diante de nossos olhos, para provar que eles” — Deus e o espírito — “não extinguem nem as ambições nem a cupidez”. Ateus comunistas são acusados de credulidade religiosa ao defenderem a igualdade e condenarem o aprofundamento das diferenças — não individuais, mas sociais —, o que espiritualistas nem sempre fazem e, por vezes, mesmo repelem. Não será um fato que a dose geralmente intensa de presunção da verdade entre crentes constitui sério obstáculo à fraternidade irrestrita? Não estaríamos mais livres de preconceitos sem as muletas de tantos vínculos fideístas a justificar nossas crenças nestas ou naquelas ações ou comportamentos, o mais das vezes, pouco ou nada executados? Substituiremos o fora da caridade não há salvação pelo fora da crença no espírito não há salvação? Não seria essa a mesma esteira do fora da verdade não há salvação, quiçá, do fora da Igreja não há salvação? Melhor quando o mestre assenta: 1) respeitar “todas as crenças, mesmo a incredulidade, que também é uma espécie de crença quando se preza o bastante para não chocar as opiniões contrárias” e, nessa medida, pode igualmente “brindar-nos com observações úteis”;[xxxv] 2) não ser sinônimos nem sempre se acompanharem sensualismo e materialismo, “já que se veem espiritualistas por profissão e por dever que são muito sensuais, ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver”.[xxxvi] Se a crítica de Kardec pretende apontar a causa presente da inviabilidade dos comunismos — o egoísmo —, o mesmo já não se aplicaria, repito, a um eventual estado mais avançado do gênero humano, em que, no próprio dizer dos guias kardecistas, despojados daquele vício, viveremos como irmãos, sem nos fazermos nenhum mal, auxiliando-nos uns aos outros, num sentimento de mútua solidariedade, em que o forte será amparo do fraco, nunca seu opressor e, por isso, não haverá a quem falte o indispensável, porquanto todos praticarão — que sintomático! — “a lei de justiça”.[xxxvii] A Terra configuraria, então, um mundo ditoso, no qual, enfim, o primeiro direito natural de todos, sem exceção, seria realmente “o de viver”,[xxxviii] não o de ser explorado por quem, num compromisso de má consciência típico das sociedades de classes, só se apropria dos frutos do trabalho de outrem a fim de acumulá-los para seus próprios herdeiros sem jamais fazer o bem a quem quer que seja;[xxxix] por quem não amealha recursos, mesmo honestamente, para socorrer seus irmãos em humanidade, e sim apenas para locupletar-se, pretextando sempre suas necessidades pessoais e/ou exigências do que considera a sua posição; tudo findando, de ordinário, em ridículas extravagâncias.[xl] Ao reportar-se à força dos bons pensamentos em comunhão sobre as massas, Kardec adentra a antessala de um tipo de comunismo, senão praticado, ao menos aspirado: “(...) pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os espíritos e são por estes assistidos. As relações entre o mundo visível e o mundo invisível não são mais individuais, são coletivas, por isto mesmo são mais poderosas para o proveito das massas, como para o dos indivíduos. Numa palavra, estabelecem a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém trabalha para si só, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí encontra a sua parte. É isto que o egoísmo não entende”.[xli] Cinquenta e cinco anos antes do Outubro Vermelho de 1917 e com base em fracassos de certos experimentos utópicos, bem como das insurgências de 1848, a tese kardeciana quer sustentar que os comunismos são inviáveis, sobretudo, porque somos egoístas contumazes; no entanto, por efeito inverso, tacitamente admite que, justo por isso, o capitalismo tem prevalecido.[xlii] E a humanidade melhorada não melhoraria o próprio capitalismo? Ora; o sacrifício do interesse pessoal pelo bem de todos, sem pensamento oculto, é o sublime da virtude a que a doutrina espírita encoraja com suas leis morais.[xliii] Uma vez atingido e praticado largamente, não consagraria a extinção da sociabilidade capitalista e, por outra, a busca de qualquer comunismo ou gestão social? Qual é a crença espírita? Crê a doutrina numa elevação da Terra na hierarquia dos mundos, a fim de que seja habitação exclusiva de espíritos da segunda ordem da escala espírita, os que, quando encarnados, desconhecem orgulho, egoísmo, ambição, ódio, rancor, inveja ou ciúme; os que fazem o bem só pelo bem por serem de fato homens de bem, tomando sempre a defesa do fraco contra o forte e sacrificando seus interesses à justiça.[xliv] A não ser assim, restar-nos-ia tão só a esperança dos sucessos materiais, ou seja, o verniz de civilização; esse dos países desenvolvidos, em que os homens de bem, assim como nos países em desenvolvimento, ainda não suportam provas que lhes firam a corda do interesse pessoal, persistindo neles aquela serpente que lhes devora o coração: o egoísmo.[xlv]


Referências:
[xx] O Livro dos Espíritos, 704, 705, 717, 720, 896, 922, 923, 926 e 927.
[xxi] MASCARO, A. L. Estado e Forma Política. 5.1. Capitalismo, Estado e Regulação. São Paulo: Boitempo, 2013.
[xxii] História Social da Arte e da Literatura. Cap. V, n. 6. A idade do realismo político. Martins Fontes, 2000, p. 389.
[xxiii] O Livro dos Espíritos, 625.
[xxiv] Makarios é a palavra que foi traduzida “bem-aventurados” quando, em verdade, significa “honrados”. (Cf. FARIA, Lair Amaro dos S. “Quão honoráveis sois vós, meus discípulos, porque perdestes a honra”. O contexto cultural dos macarismos em Q. In: 1.º Simpósio Regional - Bíblia e Ciências Humanas, 2007, São Paulo. ABIB, 2007.)
[xxv] O Livro dos Espíritos, 893 e 916.
[xxvi] O Livro dos Espíritos, 914 e 917.
[xxvii] O Livro dos Espíritos, 916.
[xxviii] Viagem Espírita em 1862. Discurso III. Pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux.
[xxix] Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 108/9.
[xxx] O Livro dos Espíritos, 922.
[xxxi] Manuscritos Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 103.
[xxxii] Dois anos antes, também num discurso público, Kardec afirmara: “Compreendeis todos, pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que dia virá em que o espiritismo deverá exercer uma imensa influência sobre a estrutura social”. (Revista Espírita. Out/1860. Banquete oferecido pelos espíritas lioneses ao sr. Allan Kardec, 19 de setembro de 1860.)
[xxxiii] O Ser e o Tempo da Poesia. Companhia das Letras, 2000, pp. 164-165.
[xxxiv] O Livro dos Espíritos, 629.
[xxxv] Revista Espírita. Fev/1858. A floresta de Dodona e a estátua de Memnon.
[xxxvi] Revista Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.
[xxxvii] O Livro dos Espíritos, 916.
[xxxviii] O Livro dos Espíritos, 880.
[xxxix] O Livro dos Espíritos, 900.
[xl] O Livro dos Espíritos, 883, 923, 1001.
[xli] Revista Espírita. Dez/1868. O espiritismo é uma religião?
[xlii] Se não fez profissão de fé comunista, Kardec, por sua vida e pensamento, tampouco foi entusiasta do liberalismo. Como não lembrar destes comentários exarados em sua obra espírita inaugural: “(...) entre os homens, as posições sociais guardam, frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais. Herodes era rei e Jesus, carpinteiro. (...) A riqueza e o poder fazem nascer todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição espiritual. Foi por isso que Jesus disse: ‘Em verdade vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus’”. (O Livro dos Espíritos, 194 e 816.) Segundo J. W. Monroe, ph.d. em história da Europa pela Universidade de Yale: “(...) pequenos grupos de escritores estavam adaptando as ideias do espiritualismo americano ao contexto francês submetendo-as a uma variedade de modificações estratégicas, frequentemente procurando ou associando-as com as correntes mais radicais de 1848, ou as assimilando na estrutura católica. Rivail não era exclusivamente movido por um ou outro desses pontos de vista. Ao contrário, seu temperamento e educação parecem tê-lo disposto a pesquisar por uma nova síntese. Nascido em Lyon de uma família de advogados, cresceu católico, mas educado na famosa e progressista escola de Johann Heinrich Pestalozzi em Yverdun, Suíça, Rivail reuniu um respeito por dignidade profissional e um gosto por moderação com uma tardia atração para os valores do socialismo romântico. Depois de completar seus estudos e serviços militares em 1832, ele e sua esposa fundaram uma escola técnica privada em Paris, que fechou depois de alguns anos. Ele tornou-se um contador independente, e no início dos anos 50 do século dezenove estava ganhando suficiente dinheiro para viver a vida confortável de um burguês”. (A Travessia: Allan Kardec e a Transnacionalização do Espiritualismo Moderno. Do espiritualismo ao espiritismo. São Vicente (SP): PENSE, 2014, p. 25/6.) Correspondem, de fato, o pensamento e a vida do mestre, aos de um pequeno-burguês progressista cristão, como vimos e podemos reiterar ainda mais: “(...) o principio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos compreendem a palavra supérfluo quando de suas pessoas se trata. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade constitui sinal de grandíssimo progresso”. (O Livro dos Espíritos. Conclusão. VII.) — “(...) depois dos fanáticos, os mais refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução. Em resumo, o espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida”. (Revista Espírita. Jan/1869. Estatística do Espiritismo.) — “(...) a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição; contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o espiritismo lhes oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua”. (Revista Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.) — “Quem quer que outrora tenha visto a nossa intimidade e a veja hoje, pode atestar que nada mudou em nossa maneira de viver depois que passei a ocupar-me do espiritismo. Ela é agora tão simples quanto era outrora. Então é certo que os meus lucros, por enormes que sejam, não servem para nos dar os prazeres do luxo. (...) Em todos os tempos temos tido de que viver, muito modestamente, é certo, mas o que teria sido pouco para certa gente[, a nós] nos bastava, graças aos nossos gostos e aos nossos hábitos de ordem e de economia. À nossa pequena renda vinha juntar-se o produto das obras que publiquei antes do espiritismo, e o de um modesto emprego que tive de deixar quando os trabalhos da doutrina absorveram todo o meu tempo”. (Revista Espírita. Dez/1868. Constituição Transitória do Espiritismo. II.)
[xliii] O Livro dos Espíritos, 629 e 893.
[xliv] O Livro dos Espíritos, 107, 918 e 1019; O Evangelho Segundo o Espiritismo, XVII, 3.
[xlv] O Livro dos Espíritos, 717, 727 e 895. Obs.: Em paralelo, pergunto a que matriz de pensamento pertence o espiritismo. À do positivismo. Ora; segundo emérito professor da UFRJ, José Paulo Netto: “(...) ao contrário do que asseguram muitos estudiosos, o século 19 não está superado: as principais matrizes intelectuais nele emergentes estão mais vivas e atuantes que nunca — num polo, a inaugurada por Marx; noutro, a estabelecida pelo positivismo”. E mais: “(...) o desenvolvimento dessa matriz positivista (...), tendo sempre, franca ou veladamente, Marx como interlocutor, não excluiu a continuidade e a renovação das tendências místicas e mitologizantes que se abrigavam na gênese do pensamento conservador. Aparentemente contrapostas, a matriz positivista e essas posturas irracionalistas dão-se as mãos para prover a sociedade burguesa de legitimações ideológicas”. (O Que é Marxismo, p. 20.) Pergunto-me se não é essa a gênese do conservadorismo espírita, apesar do progressismo de sua doutrina moral, tomada aos Evangelhos cristãos. Ainda assim, não finda o espiritismo, sobretudo por sua metafísica das provas e expiações, por bem servir ao conjunto das forças legitimadoras de uma sociedade dada? Será acaso que seus adeptos estejam ainda hoje entre os mais bem pagos e escolarizados? Digo-o não só pelo que constatam órgãos estatísticos, mas até por causa do que se lê na nota 110 de uma edição alemã d’O Capital, p. 197: “Depois da derrota das revoluções de 1848-49, começou na Europa um período da mais obscura política reacionária. Enquanto, nesse tempo, as rodas aristocráticas e também as burguesas se entusiasmaram pelo espiritismo, especialmente por fazer a mesa andar, desenvolveu-se na China um poderoso movimento de libertação antifeudal, particularmente entre os camponeses, que entrou para a história como a revolução do Taiping”.

fonte:  http://sergioaleixo.blogspot.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário