A despeito de sua clara interdição aos
comunismos, Kardec viu neles o que certos espíritas não se permitem admitir: “o
objetivo é louvável, sem contradita” e, seus pensadores, “bem-intencionados”.
Na opinião do mestre, não seriam viáveis, principalmente, porque exigiriam “as
virtudes morais no grau supremo”. Ora; dois gumes nessa lâmina. Sujeito
histórico da era da incerteza, problematizo e opino livre de peias. Não tenho o
tolo fetiche de uma neutralidade que nada mais seria senão pretensa. Ser ou não
ser socialista, ou comunista, é uma opção; ser crítico do capitalismo é uma
obrigação. Os comunismos dependeriam de virtudes num grau inexistente. E o
capitalismo? Delas dependeria em que grau? Digo-o: zero. Ele as despreza. Lucro
maximizado e concentrado é só ao que ele conduz. Acúmulo que finda sem
capacidade distributiva e a gerar crises reincidentes. Por isso viceja,
normativo, o açambarcamento dos supérfluos em prejuízo de a quem falta o
indispensável; o esquecimento de toda lágrima que o culto das ambições fátuas
não permite seja enxugada; o mal emprego de altas cifras que melhor se
envidariam a disponibilizar o essencial a quem mesmo deste se encontra falto.
Segundo as leis morais espíritas, só o necessário é útil; o supérfluo, nunca o
é. O mérito espiritual está em resistir ao excesso, ao gozo das coisas inúteis;
no sacrifício até do que seja necessário em favor de quem carece do bastante.
Assim, o critério da verdadeira felicidade é olhar para baixo; não olhar para
cima senão para elevar a alma ao infinito. O mínimo comum de felicidade
relativa na Terra requer tão só a posse do necessário, a consciência tranquila
e a fé no futuro, sendo o mais rico o de menos demandas e, verdadeiramente
infeliz, só a quem falte o bastante à vida e à saúde do corpo.[xx] Como conciliar essa moral mais que espírita:
praticamente paleocristã, às formas de sociabilidade usurária do capitalismo?
Segundo o prof. A. L. Mascaro, tais formas “se estruturam em relações de
exploração, dominação, concorrência, antagonismo de indivíduos, grupos, classes
e Estados, sendo o conflito e a crise suas marcas inexoráveis”.[xxi] Exatamente o que nos leva ao antológico A.
Hauser: “(...) não foi toda a economia capitalista mera ilustração da teoria de
Maquiavel? Não mostrou ela claramente que a realidade obedecia à sua própria e
dura necessidade, que todas as ideias eram impotentes quando diante de sua
implacável lógica, e que a única alternativa era submeter-se-lhe ou ser
destruído por ela?”.[xxii] Não surpreende, pois,
o nosso supremo grau, não de virtudes pacíficas da alma, mas de vícios
beligerantes do corpo; o nosso calculado distanciamento do guia e modelo
indicado à humanidade na orientação imperativa do kardecismo: “Vede Jesus”.[xxiii] A meu juízo, o mesmo que disse: — Ai de vós,
ricos! Honrados os pobres![xxiv]
A crítica de Kardec aos comunismos lhes
contradita a eficácia presente, mas, no âmbito das próprias crenças espíritas,
não lhes desautoriza o eventual êxito futuro, senão terráqueo, extraterreno.
Não nos conduz, o conjunto dessas crenças, na direção do sublime da virtude, do
sacrifício do interesse pessoal pelo bem do próximo, sem segundas intenções?[xxv] Portanto, não nos leva em direção da abnegação
mais completa da personalidade, do império da solidariedade, do perfeito estado
da vida comunitária enfim? O choque de uma organização em que a sociabilidade
só induz ao possuir, ao por força amealhar, instiga permanente defensiva;
reproduz egoísmo; frustra as melhores formações em contrário. Será a caridade a
brotar no coração daqueles que, crentes ou não, mais que talhados para competir
e consumir, são antes a isso obrigados, sob pena de perecerem?[xxvi] Entretendo e excitando o egoísmo e, dessa
forma, intensificando uma necessária piora do mal, não é a civilização
capitalista que trama sua ruína e, assim, sua transição a uma sociedade
superior? A própria causa: egoísmo, não destrói seu efeito: capitalismo?
Dizem-no, a seu modo, os guias kardecistas, o próprio Kardec e, bem antes, até
Marx: “Quanto maior é o mal, mais hediondo se torna. Era preciso que o egoísmo
produzisse muito mal, para que compreensível se fizesse a necessidade de
extirpá-lo.”[xxvii] — “O paroxismo de um mal é
sempre o sinal de que chega ao seu fim.”[xxviii] —
“O lugar de todos os sentidos físicos e espirituais passou a ser ocupado pelo
simples estranhamento de todos esses sentidos, pelo sentido do ter. A esta absoluta miséria tinha de
ser reduzida a essência humana, para com isso trazer para fora de si sua
riqueza interior”.[xxix] Os comunistas não
levariam em conta senão a organização da vida material e, por isso, Kardec os
acusa de construir um edifício começando pelo topo. No entanto, a própria
filosofia espírita decreta, com relação à vida na matéria, a posse do
necessário como mínimo indispensável à felicidade terrestre.[xxx] Marx, aliás, chama “rude”, “irrefletido”,
“incompleto”, o comunismo para o qual “a posse imediata, física, lhe valha como
o fim único da vida e da existência.”[xxxi] Se
uns negligenciariam o espírito, o outro subestimaria a matéria, sobretudo ante
este seu otimismo profético: le
spiritisme, par sa puissante révélation, vient donc hâter la réforme sociale: o
espiritismo, por sua poderosa revelação, vem acelerar a reforma social. Kardec
não sabia que o interesse pelo espiritismo permaneceria, sim, muito depois de
sua morte, mas decrescente, não acelerando, concreta e estruturalmente, nenhuma
reforma social. Ao contrário, o colonialismo europeu, francês em grande medida,
viria a estar na base mesma de dois terríveis conflitos mundiais.[xxxii] Impossível fora desmentir a diagnose quântica
do essencial A. Bosi: “As almas e os objetos foram assumidos e guiados, no agir
cotidiano, pelos mecanismos do interesse, da produtividade; e o seu valor foi
se medindo quase automaticamente pela posição que ocupam na hierarquia de
classe ou de status. Os tempos foram ficando — como já deplorava Leopardi —
egoístas e abstratos. ‘Sociedade de consumo’ é apenas um aspecto (o mais
vistoso, talvez) dessa teia crescente de domínio e ilusão que os espertos
chamam ‘desenvolvimento’ (ah! poder de nomear as coisas!) e os tolos aceitam
como ‘preço do progresso’”.[xxxiii]
Para além de identificar o espiritismo a
qualquer sistema político-econômico, ressalto esse eterno desafio enfrentado
pelos humanismos: a distância entre proposição e prática. No espiritismo não é
diferente. Não parecem mais utópicas que a instauração de qualquer comunismo as
soluções morais espíritas em pleno âmbito capitalista. Notadamente, essas
soluções antagonizam o coração pulsante do sistema: o interesse pessoal; este
rivaliza com o que é justo, e determina uma ordem jurídica feita para o mais
forte em detrimento do mais fraco, como vimos o Kardec dialético escrever. O
mestre também diz em 1862 que “a base da caridade é a crença; a falta de crença
conduz ao materialismo, e o materialismo ao egoísmo.” Há uma prova final, no
entanto, de que o espiritualismo seja necessariamente mais eficaz contra o
egoísmo e o orgulho? Ou de que o materialismo conduza fatalmente a esses vícios
radicais? Não existem adeptos de doutrinas materialistas, ou simples
indiferentes, que sejam superiores em moral a adeptos do espiritismo, por
exemplo? Se a crença é nosso móvel, basta que conduza ao bem de todos antes que só ao nosso.[xxxiv] Importará
tanto assim que ela seja espiritualista? Será impossível querer o bem de todos, até com fervor, sem
acreditar em Deus, ou no espírito? Procede altruisticamente, tão só por neles
crer, todo espiritualista? Com respeitosa vênia, mestre: “A experiência aí
está, diante de nossos olhos, para provar que eles” — Deus e o espírito — “não
extinguem nem as ambições nem a cupidez”. Ateus comunistas são acusados de
credulidade religiosa ao defenderem a igualdade e condenarem o aprofundamento
das diferenças — não individuais, mas sociais —, o que espiritualistas nem
sempre fazem e, por vezes, mesmo repelem. Não será um fato que a dose
geralmente intensa de presunção da verdade entre crentes constitui sério
obstáculo à fraternidade irrestrita? Não estaríamos mais livres de preconceitos
sem as muletas de tantos vínculos fideístas a justificar nossas crenças nestas
ou naquelas ações ou comportamentos, o mais das vezes, pouco ou nada
executados? Substituiremos o fora da
caridade não há salvação pelo fora
da crença no espírito não há salvação? Não seria essa a mesma esteira do fora da verdade não há salvação, quiçá,
do fora da Igreja não há salvação?
Melhor quando o mestre assenta: 1) respeitar “todas as crenças, mesmo a
incredulidade, que também é uma espécie de crença quando se preza o bastante
para não chocar as opiniões contrárias” e, nessa medida, pode igualmente
“brindar-nos com observações úteis”;[xxxv] 2)
não ser sinônimos nem sempre se acompanharem sensualismo e materialismo, “já
que se veem espiritualistas por profissão e por dever que são muito sensuais,
ao passo que há muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de
viver”.[xxxvi] Se a crítica de Kardec pretende
apontar a causa presente da inviabilidade dos comunismos — o egoísmo —, o mesmo
já não se aplicaria, repito, a um eventual estado mais avançado do gênero humano,
em que, no próprio dizer dos guias kardecistas, despojados daquele vício,
viveremos como irmãos, sem nos fazermos nenhum mal, auxiliando-nos uns aos
outros, num sentimento de mútua solidariedade, em que o forte será amparo do
fraco, nunca seu opressor e, por isso, não haverá a quem falte o indispensável,
porquanto todos praticarão — que sintomático! — “a lei de justiça”.[xxxvii] A Terra configuraria, então, um mundo ditoso,
no qual, enfim, o primeiro direito natural de todos, sem exceção, seria realmente
“o de viver”,[xxxviii] não o de ser explorado
por quem, num compromisso de má consciência típico das sociedades de classes,
só se apropria dos frutos do trabalho de outrem a fim de acumulá-los para seus
próprios herdeiros sem jamais fazer o bem a quem quer que seja;[xxxix] por quem não amealha recursos, mesmo
honestamente, para socorrer seus irmãos em humanidade, e sim apenas para
locupletar-se, pretextando sempre suas necessidades pessoais e/ou exigências do
que considera a sua posição; tudo findando, de ordinário, em ridículas
extravagâncias.[xl] Ao reportar-se à força dos
bons pensamentos em comunhão sobre as massas, Kardec adentra a antessala de um
tipo de comunismo, senão praticado, ao menos aspirado: “(...) pela comunhão de
pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os
espíritos e são por estes assistidos. As relações entre o mundo visível e o
mundo invisível não são mais individuais, são coletivas, por isto mesmo são
mais poderosas para o proveito das massas, como para o dos indivíduos. Numa
palavra, estabelecem a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém
trabalha para si só, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí
encontra a sua parte. É isto que o egoísmo não entende”.[xli] Cinquenta e cinco anos antes do Outubro Vermelho de 1917 e
com base em fracassos de certos experimentos utópicos, bem como das
insurgências de 1848, a tese kardeciana quer sustentar que os comunismos são
inviáveis, sobretudo, porque somos egoístas contumazes; no entanto, por efeito
inverso, tacitamente admite que, justo por isso, o capitalismo tem prevalecido.[xlii] E a humanidade melhorada não melhoraria o
próprio capitalismo? Ora; o sacrifício do interesse pessoal pelo bem de todos, sem pensamento oculto, é o
sublime da virtude a que a doutrina espírita encoraja com suas leis morais.[xliii] Uma vez atingido e praticado largamente, não
consagraria a extinção da sociabilidade capitalista e, por outra, a busca de
qualquer comunismo ou gestão social? Qual é a crença espírita? Crê a doutrina
numa elevação da Terra na hierarquia dos mundos, a fim de que seja habitação
exclusiva de espíritos da segunda ordem da escala espírita, os que, quando
encarnados, desconhecem orgulho, egoísmo, ambição, ódio, rancor, inveja ou
ciúme; os que fazem o bem só pelo bem por serem de fato homens de bem, tomando
sempre a defesa do fraco contra o forte e sacrificando seus interesses à
justiça.[xliv] A não ser assim, restar-nos-ia
tão só a esperança dos sucessos materiais, ou seja, o verniz de civilização; esse
dos países desenvolvidos, em que os homens de bem, assim como nos países em
desenvolvimento, ainda não suportam provas que lhes firam a corda do interesse
pessoal, persistindo neles aquela serpente que lhes devora o coração: o
egoísmo.[xlv]
Referências:
[xx] O
Livro dos Espíritos, 704, 705, 717, 720, 896, 922, 923, 926 e 927.
[xxi] MASCARO,
A. L. Estado e Forma Política. 5.1. Capitalismo, Estado e Regulação. São Paulo:
Boitempo, 2013.
[xxii] História
Social da Arte e da Literatura. Cap. V, n. 6. A idade do realismo político.
Martins Fontes, 2000, p. 389.
[xxiii] O
Livro dos Espíritos, 625.
[xxiv]
Makarios é a palavra que foi traduzida “bem-aventurados” quando, em verdade,
significa “honrados”. (Cf. FARIA, Lair Amaro dos S. “Quão honoráveis sois vós,
meus discípulos, porque perdestes a honra”. O contexto cultural dos macarismos
em Q. In: 1.º Simpósio Regional - Bíblia e Ciências Humanas, 2007, São Paulo.
ABIB, 2007.)
[xxv] O
Livro dos Espíritos, 893 e 916.
[xxvi]
O Livro dos Espíritos, 914 e 917.
[xxvii] O
Livro dos Espíritos, 916.
[xxviii] Viagem
Espírita em 1862. Discurso III. Pronunciado nas reuniões gerais dos espíritas
de Lyon e Bordeaux.
[xxix] Manuscritos
Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 108/9.
[xxx] O
Livro dos Espíritos, 922.
[xxxi] Manuscritos
Econômico-Filosóficos (1844). Propriedade privada e comunismo, p. 103.
[xxxii] Dois
anos antes, também num discurso público, Kardec afirmara: “Compreendeis todos,
pelo que tendes sob os olhos e pelo que sentis em vós mesmos, que dia virá em
que o espiritismo deverá exercer uma imensa influência sobre a estrutura
social”. (Revista Espírita. Out/1860. Banquete oferecido pelos espíritas
lioneses ao sr. Allan Kardec, 19 de setembro de 1860.)
[xxxiii]
O Ser e o Tempo da Poesia. Companhia das Letras, 2000, pp. 164-165.
[xxxiv] O
Livro dos Espíritos, 629.
[xxxv] Revista
Espírita. Fev/1858. A floresta de Dodona e a estátua de Memnon.
[xxxvi] Revista
Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.
[xxxvii] O
Livro dos Espíritos, 916.
[xxxviii] O
Livro dos Espíritos, 880.
[xxxix] O
Livro dos Espíritos, 900.
[xl] O
Livro dos Espíritos, 883, 923, 1001.
[xli] Revista
Espírita. Dez/1868. O espiritismo é uma religião?
[xlii] Se
não fez profissão de fé comunista, Kardec, por sua vida e pensamento, tampouco
foi entusiasta do liberalismo. Como não lembrar destes comentários exarados em
sua obra espírita inaugural: “(...) entre os homens, as posições sociais
guardam, frequentemente, relação inversa com a elevação dos sentimentos morais.
Herodes era rei e Jesus, carpinteiro. (...) A riqueza e o poder fazem nascer
todas as paixões que nos prendem à matéria e nos afastam da perfeição
espiritual. Foi por isso que Jesus disse: ‘Em verdade vos digo que é mais fácil
um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos
céus’”. (O Livro dos Espíritos, 194 e 816.) Segundo J. W. Monroe, ph.d. em
história da Europa pela Universidade de Yale: “(...) pequenos grupos de
escritores estavam adaptando as ideias do espiritualismo americano ao contexto
francês submetendo-as a uma variedade de modificações estratégicas,
frequentemente procurando ou associando-as com as correntes mais radicais de
1848, ou as assimilando na estrutura católica. Rivail não era exclusivamente
movido por um ou outro desses pontos de vista. Ao contrário, seu temperamento e
educação parecem tê-lo disposto a pesquisar por uma nova síntese. Nascido em
Lyon de uma família de advogados, cresceu católico, mas educado na famosa e
progressista escola de Johann Heinrich Pestalozzi em Yverdun, Suíça, Rivail
reuniu um respeito por dignidade profissional e um gosto por moderação com uma
tardia atração para os valores do socialismo romântico. Depois de completar
seus estudos e serviços militares em 1832, ele e sua esposa fundaram uma escola
técnica privada em Paris, que fechou depois de alguns anos. Ele tornou-se um
contador independente, e no início dos anos 50 do século dezenove estava
ganhando suficiente dinheiro para viver a vida confortável de um burguês”. (A
Travessia: Allan Kardec e a Transnacionalização do Espiritualismo Moderno. Do
espiritualismo ao espiritismo. São Vicente (SP): PENSE, 2014, p. 25/6.)
Correspondem, de fato, o pensamento e a vida do mestre, aos de um
pequeno-burguês progressista cristão, como vimos e podemos reiterar ainda mais:
“(...) o principio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais tenaz
no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz
voluntariamente sacrifícios, contanto que nada custem e de nada privem. Para a
maioria dos homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo e bem poucos
compreendem a palavra supérfluo quando de suas pessoas se trata. Por isso
mesmo, a abnegação da personalidade constitui sinal de grandíssimo progresso”.
(O Livro dos Espíritos. Conclusão. VII.) — “(...) depois dos fanáticos, os mais
refratários às ideias espíritas são os sensualistas e as pessoas cujos únicos
pensamentos estão concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual
for a classe a que pertençam, o que independe do grau de instrução. Em resumo,
o espiritismo é acolhido como um benefício pelos que ele ajuda a suportar o
fardo da vida, e é repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no
gozo da vida”. (Revista Espírita. Jan/1869. Estatística do Espiritismo.) — “(...)
a calma e a tranquilidade se encontram mais particularmente nas posições
modestas, quando assegurado o bem-estar da vida. Aí quase não há ambição;
contentam-se com o que têm, sem se atormentarem em o aumentar, correndo os
riscos aleatórios da agiotagem ou da especulação. São os que chamamos
despreocupados, falando relativamente; por pouco haja neles elevação de
pensamento, ocupam-se de bom grado das coisas sérias; o espiritismo lhes
oferece um atraente assunto de meditação, e o aceitam mais facilmente do que
aqueles a quem o turbilhão do mundo suscita uma febre contínua”. (Revista
Espírita. Fev/1869. Estatística do Espiritismo.) — “Quem quer que outrora tenha
visto a nossa intimidade e a veja hoje, pode atestar que nada mudou em nossa
maneira de viver depois que passei a ocupar-me do espiritismo. Ela é agora tão
simples quanto era outrora. Então é certo que os meus lucros, por enormes que
sejam, não servem para nos dar os prazeres do luxo. (...) Em todos os tempos
temos tido de que viver, muito modestamente, é certo, mas o que teria sido
pouco para certa gente[, a nós] nos bastava, graças aos nossos gostos e aos
nossos hábitos de ordem e de economia. À nossa pequena renda vinha juntar-se o
produto das obras que publiquei antes do espiritismo, e o de um modesto emprego
que tive de deixar quando os trabalhos da doutrina absorveram todo o meu
tempo”. (Revista Espírita. Dez/1868. Constituição Transitória do Espiritismo.
II.)
[xliii] O
Livro dos Espíritos, 629 e 893.
[xliv] O
Livro dos Espíritos, 107, 918 e 1019; O Evangelho Segundo o Espiritismo, XVII,
3.
[xlv] O
Livro dos Espíritos, 717, 727 e 895. Obs.: Em paralelo, pergunto a que matriz
de pensamento pertence o espiritismo. À do positivismo. Ora; segundo emérito
professor da UFRJ, José Paulo Netto: “(...) ao contrário do que asseguram
muitos estudiosos, o século 19 não está superado: as principais matrizes
intelectuais nele emergentes estão mais vivas e atuantes que nunca — num polo,
a inaugurada por Marx; noutro, a estabelecida pelo positivismo”. E mais: “(...)
o desenvolvimento dessa matriz positivista (...), tendo sempre, franca ou
veladamente, Marx como interlocutor, não excluiu a continuidade e a renovação
das tendências místicas e mitologizantes que se abrigavam na gênese do
pensamento conservador. Aparentemente contrapostas, a matriz positivista e
essas posturas irracionalistas dão-se as mãos para prover a sociedade burguesa
de legitimações ideológicas”. (O Que é Marxismo, p. 20.) Pergunto-me se não é
essa a gênese do conservadorismo espírita, apesar do progressismo de sua
doutrina moral, tomada aos Evangelhos cristãos. Ainda assim, não finda o
espiritismo, sobretudo por sua metafísica das provas e expiações, por bem
servir ao conjunto das forças legitimadoras de uma sociedade dada? Será acaso
que seus adeptos estejam ainda hoje entre os mais bem pagos e escolarizados?
Digo-o não só pelo que constatam órgãos estatísticos, mas até por causa do que
se lê na nota 110 de uma edição alemã d’O Capital, p. 197: “Depois da derrota
das revoluções de 1848-49, começou na Europa um período da mais obscura
política reacionária. Enquanto, nesse tempo, as rodas aristocráticas e também
as burguesas se entusiasmaram pelo espiritismo, especialmente por fazer a mesa
andar, desenvolveu-se na China um poderoso movimento de libertação antifeudal,
particularmente entre os camponeses, que entrou para a história como a
revolução do Taiping”.
fonte: http://sergioaleixo.blogspot.com.br/
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