Em
que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?
Nas
do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles
direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer
deles gozará de liberdade absoluta (Livro dos Espíritos, questão 826, Lei de
Liberdade).
Um náufrago vem ter em ilha
deserta. Constrói tosca habitação e ali se instala. Desfruta de liberdade plena.
Movimenta-se à vontade. Faz e desfaz, conforme lhe parece conveniente, senhor
absoluto daquela porção de terra.
Tempos depois chega outro
náufrago. A situação modifica-se. O primeiro experimentará limitações. A não
ser que se disponha a eliminar o recém-chegado, descendo à barbárie, deverá reconhecer
que seu direito de dispor da ilha esbarrará no direito do companheiro em
garantir a própria sobrevivência. Terão, pois, que dividir os recursos
existentes. E a liberdade de ambos diminuirá à medida que outros náufragos aparecerem.
É o que ocorre na vida
comunitária, onde nossa liberdade é relativa, porquanto deve ser conciliada com
a liberdade dos concidadãos. O limite de nosso direito é o direito do próximo.
A inobservância desse princípio elementar gera conflitos. As implicações dessa
equivalência de direitos são extensas. Fácil enunciar alguns exemplos:
Não nos é lícito, na vida
comunitária, transitar de automóvel pelas ruas à velocidade acima da fixada por
lei; a ninguém é permitido, em logradouro público, postar-se nu, nem ali
despejar lixo ou satisfazer necessidades fisiológicas. A liberdade de
movimentação é restrita. Vedado nos é invadir uma propriedade alheia ou
recintos de diversão como cinema ou teatro. Mister sejamos convidados ou nos
disponhamos a pagar o ingresso.
Não é conveniente nem mesmo
permanecer na inércia se fisicamente aptos, porquanto não nos pertencem os bens
comunitários. Alimentos, abrigo, roupas, indispensáveis ao nosso bem-estar e à
própria subsistência, pertencem àqueles que os produzem. Somos chamados a
produzir, também, com a força do trabalho, a fim de que, em regime de permuta,
utilizando um instrumento intermediário, o dinheiro, possamos atender às nossas
necessidades.
A perfeita compreensão dos
deveres comunitários, que restringem a liberdade individual, é virtude rara.
Por isso existem mecanismos destinados a orientar a população e conter suas
indisciplinas. Há leis que definem direitos e obrigações. Há órgãos policiais
para fiscalizar sua observância. Os infratores sujeitam-se às sanções legais,
que podem implicar até no confinamento em prisões por tempo determinado,
compatível com a natureza dos prejuízos causados a alguém ou à sociedade.
Quanto maior a expansão
demográfica e a concentração urbana, mais difícil o controle da população. E há
infrações que nem sempre podem ser enquadradas como delitos passíveis de
punição ou nem sempre podem ser rigorosamente detectadas e corrigidas pelas
autoridades.
Revelam os infratores total
desrespeito pelos patrimônios individuais e coletivos da comunidade e pelo
inalienável direito comum à tranquilidade.
Todavia, estes impenitentes
individualistas, ilhados numa visão egocêntrica de vida, saberão, mais cedo ou
mais tarde, que nenhum prejuízo causado ao próximo ficará impune.
Se
a justiça da Terra é impotente para sentenciar os infratores, a justiça do Céu
o fará, inelutavelmente, confinando-os em celas de desajuste e infelicidade, na
intimidade de suas consciências, impondo-lhes penosas retificações na presente
existência ou em existências futuras.
Aprendemos todos, por
experiência própria, que há limites em nossa liberdade de ação e que o mínimo
que nos compete, em favor de nossa felicidade, é não perturbar o próximo, tanto
quanto estimamos que ele não nos perturbe.
Muitas vezes liberdade reclama a equidade. Não se pode tratar diferentemente pessoas que estejam rigorosamente nas mesmas condições. Se assim é na vida material cremos que na vida espiritual de além-túmulo as coisas se passam de maneira diferente. Aqui nenhum estadista será tratado como tal, mas como um irmão ainda necessitado de luz e paz para galgar o caminho da paz eterna. A vaidade terrena, por certo, prejudicará a paz noutras existências.
ResponderExcluirToni Ferreira,
Belém - Pará - BRASIL