Mais uma vez o materialismo, predominando na
Europa, mostra suas garras bem afiadas, considerando-se no direito de ceifar
vidas de doentes desenganados pela medicina. A legalização da eutanásia para
adultos que vigora na Bélgica desde 2002 ganhou mais um aliado: Agora chegou a
vez de validar a morte medicamente assistida para crianças de qualquer idade,
desde que seja solicitada pelo infante com “capacidade de discernimento",
acometido de uma doença debilitante, e com o consentimento dos pais.
Sabe-se que até mesmo um adulto pode estar com
sua consciência e a espontaneidade dos seus atos comprometidos por dano
cerebral, em decorrência da grave doença que o acomete (ação tóxica). Imagine
uma criança que, normalmente, com saúde, já tem sua capacidade de discernimento
comprometida, sendo considerada imatura e incapaz. Como pode um ser que não
seja apto para exercer seus direitos, tendo que ser representado, em diversas
situações, pelos pais, tutores ou pelo Estado, ter capacidade de decidir por sua
própria vida? A criança não pode ser reconhecida como um ser “consciente das
consequências individuais e coletivas dos seus atos e da responsabilidade legal
embutidas nas suas ações”.
É importante frisar que somente um
desequilíbrio psíquico muito intenso pode explicar o fato de alguém desejar a
própria morte, em detrimento do natural sentimento de apego à vida. A desordem
mental é de tanta intensidade que chega a superar o medo instintivo da morte.
Portanto, nem mesmo em relação ao adulto, gozando de plenos direitos,
considerado capaz pelo Estado, nenhum argumento justifica a execução do crime
compassivo, mesmo admitindo-se a anuência da vítima, a qual não será
consciência. Na criança, então, o absurdo se faz presente, porquanto o ser
infantil, dentro da integridade moral de todas as suas limitações, não tem o
discernimento moral para compreender a importância do ato a ser impetrado.
É raríssimo um paciente em estado terminal
apresentar-se lúcido, em condições mentais propícias a uma decisão tão
importante, a de querer concretizar sua própria morte, considerando, inclusive,
que os pais, envolvidos no sofrimento, em um momento tão difícil, não estarão
com seu juízo normal. Além de tudo, com a eutanásia realizada, não há mais a
possibilidade de voltar atrás.
BOX1:
CASOS FAMOSOS APONTADOS CONTRA A PRÁTICA DA EUTANÁSIA
Famoso nos anais da medicina, o fato ocorreu na
França, em 1894, quando um médico cometeu eutanásia na filha acometida por
difteria, horas antes de receber a cura, através do soro antidiftérico que o
pesquisador Émile Roux acabara de desenvolver e lhe remeter.
Também bem divulgado o caso de Karen Ann
Quinlan, uma americana de 21 anos que entrou em coma por uma overdose de álcool
e drogas. Depois de uma verdadeira batalha judicial, foi autorizada a
interrupção do tratamento. Após a desconexão, a paciente continuou a viver para
surpresa de todos por 10 anos.
Muito exposto foi o que aconteceu com a
paciente Terri Schiavo: continuou a viver mesmo após o desligamento do
respirador. Desencarnou depois de 15 dias sem a administração de água e comida
(sede e fome).
Um estudo com 84 pacientes, em “persistente
estado vegetativo” mostrou que 41% deles recobraram a consciência dentro de
seis meses e 58% dentro de três anos. Um segundo estudo, com 26 crianças em
coma por mais de três meses, constatou que 20 delas obtiveram sucesso,
retornando às atividades normais.
O Sr. Harold Cybulski, canadense, 79 anos de
idade, com diagnóstico de “morte cerebral”, já com indicação de desligamento do
suporte que o mantinha vivo, recobrou a consciência subitamente quando seu
neto, entrando no quarto, o chamou. Seis meses depois, levava vida normal. Seus
médicos não souberam explicar o ocorrido.
Muito importante o trabalho de pesquisadores
ingleses, verificando, através da ressonância magnética, as reações cerebrais a
estímulos verbais em um rapaz em estado vegetativo. As imagens mostram as áreas
cerebrais do jovem em estado vegetativo, que foram ativadas na resposta
afirmativa a uma pergunta e na negativa à outra, semelhantes aos encontrados em
pessoas normais. Pesquisadores detectaram um estado de "alerta
consciente" (uma "consciência mínima"). O resultado pode indicar
uma chance de recuperação, inclusive já se questiona se esses pacientes
experimentam emoções e sentem dor.
BOX2:
CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA EUTANÁSIA
Algumas reflexões devem ser analisadas em
relação à eutanásia:
1-Havendo um bom atendimento médico, acrescido
do psicológico, haverá sempre a chance de um seguro cuidado paliativo, não
precisando o paciente padecer de dor e pensar em eutanásia;
2- Legalizando-se a eutanásia, as pesquisas que
visam melhorar a qualidade de vida de pacientes terminais podem ser
desestimuladas;
3- A aprovação da eutanásia, legalizada na
Bélgica em 2002, em adultos, já vem contemplando o “sofrimento psicológico”,
isto é, o indivíduo portador de distúrbios psicológicos e psiquiátricos pode
decidir pela morte legalizada, conforme aconteceu com Nancy Verhelst, nascida
com o corpo feminino, mas possuindo vigorosa alma masculina. Após submeter-se,
sem êxito, a três cirurgias, durante seus quarenta e quatro anos de vida, não
conseguiu experimentar a resposta que desejava e, apesar de não padecer de
enfermidade terminal alguma, solicitou o fim de sua vida, sendo atendido o
infeliz pedido, baseado na atual legislação belga. O conhecimento da Doutrina Espírita lhe
seria, por certo, bem útil, porquanto tomaria conhecimento de que seu calvário,
no caso a transexualidade, tinha sua gênese em vivência transata e, sabendo o
porquê do sofrimento expiatório, se sentiria mais fortalecida e disporia de
maior disposição e resistência para suportar e vencer a disfunção por ela mesma
criada, nunca fruto do acaso. O materialismo, sem entender o porquê do
sofrimento e a certeza de um grande porvir destinado a toda a criação, estimula
o desespero e a revolta. Desalentada, destituída de esperança, inteiramente sucumbida,
pôde receber da sociedade ateísta o que ela infelizmente tem a lhe oferecer: a
permissão de acolher seu pedido de pôr fim à vida;
4- Um caso mais recente de grande repercussão
foi protagonizado por um idoso belga de 95 anos, Sr. Emiel Pauwels, considerado
o atleta mais velho do país. Solicitou a sua morte por estar na cama há meses
em virtude de um câncer de estômago em fase terminal. Emiel recebeu a injeção
letal em sua residência em Bruges, junto dos familiares. Antes, celebrou
sorridente o próprio fim, seguindo a tendência atual, com uma taça de champanhe
na mão, em uma festa à qual compareceram dezenas de amigos, parentes e
admiradores, tendo esse evento destaque na imprensa local e internacional. A
revista Het Laatste Nieuws publicou seu pronunciamento: — Quem não gostaria de
morrer com champanhe na companhia de todos? Quando o doutor chegar com sua
injeção, deixarei este mundo com a sensação de ter vivido bem. — Porque eu
choraria, já que vou encontrar vários amigos e parentes no paraíso, incluindo a
minha esposa?
Infelizmente, a realidade ensinada pelo
Espiritismo é outra, completamente distanciada da afirmação equivocada de
Emiel, porquanto a antecipação da morte, tanto pela eutanásia ou pelo suicídio
assistido ou não, acarreta intenso sofrimento espiritual no além-túmulo: o
indivíduo se cientifica que a vida permanece, vivenciada agora em maior
aflição. O desespero é incomensurável, porque o tormento que lhe levou ao
autoextermínio permanece e se torna mais atuante. A ligação do espírito suicida
ao corpo inerme, com os laços perispirituais ainda não desatados, pode
permanecer por muito tempo. Consegue, até mesmo, ficar adstrito à desintegração
do seu corpo cadavérico, dependendo do tempo hábil que lhe restava na dimensão
física. Imantado a uma vibração muito inferior, compartilha do sofrimento de
outros seres espirituais, muitos igualmente suicidas como ele. O terror
experimentado é vivido como um pesadelo que parece não ter fim, desde que está
imantado à matéria em contínua decomposição e em condição pior que a vivida
enquanto encarnado;
5- Outro exemplo é de um belga também, o
químico Christian de Duve, Prêmio Nobel de Medicina, em 1974. Em maio de 2013,
aos 95 anos, optou pela eutanásia. Em entrevista ao jornal Le Soir, afirmou que
não tinha medo do que viria depois da morte pois não esperava nada além da
matéria. Ele, como um autêntico materialista, não acreditava em existência após
o decesso físico, enquanto o espiritualista sincero e atuante sabe que a vida
continua após a vida (saber é diferente de acreditar) *;
*Se saber é diferente de acreditar, um
espiritualista sincero acredita, não?
6- Mais um caso de banalização do falecimento
aconteceu com outro cidadão belga, Sr. Nathan, de 44 anos, tendo igualmente
preferido fenecer pela eutanásia com comemoração algumas horas antes de morrer,
desconhecendo inteiramente que o passamento não interrompe a vida, porquanto a
essência espiritual é imortal;
7- Juramento de Hipócrates: “A vida é um dom
sagrado, não cabendo ao médico ser juiz da vida ou da morte de alguém: a
ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza a
perdição”;
8- Nelson Hungria: “Defender a eutanásia é, sem
mais, nem menos, fazer a apologia de um crime. Não desmoralizemos a civilização
contemporânea com o preconício (propaganda) do homicídio. “A vida de cada
homem, até o seu último momento, é contribuição para a harmonia suprema do
Universo e nenhum artifício humano, por isso mesmo, deve truncá-la. Não nos
acumpliciemos com a Morte.”
BOX3:
QUAL A POSIÇÃO DA D.E. DIANTE DA EUTANÁSIA
O Espiritismo ensina que cada ser passa por
aquilo que necessita na sua evolução. Parar a marcha de uma prova ou de uma
expiação atrasa a caminhada, obrigando o indivíduo a repetir tudo. A vida é
oportunidade grandiosa de aprendizado que não deve ser desprezada nem
desperdiçada. A dor se constitui em um
desafio imprescindível, cuja lição deve ser vivenciada, passo a passo, nas
veredas da vida.
Diante do doente terminal, é necessário
manter-se em oração, sabendo respeitar esses momentos sagrados de reflexão,
quando a alma aflita na carne recebe em espírito a consolação, sob as graças e
as bênçãos de Deus.
Na Q. nº 953 em O Livro dos Espíritos, Kardec
pergunta: - Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será
culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando
voluntariamente sua morte? A resposta dos benfeitores espirituais, pronta e
precisa: - É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou
para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado às aparências,
esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último
momento?
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap.V-28,
a respeito do tema em tela, o codificador mais uma vez aborda a Espiritualidade
Superior: - Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível,
será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, apressando
voluntariamente sua morte? O Espírito São Luís responde: - Um homem agoniza,
presa de cruéis sofrimentos. Sabe-se que o seu estado é sem esperanças. É
permitido poupar-lhe alguns instantes de agonia, abreviando-lhe o fim? Quem vos
daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode ele conduzir o
homem até à borda do fosso, para daí o retirar, a fim de fazê-lo voltar a si e
alimentar ideias diversas das que tinha? Ainda que haja chegado ao último
extremo um moribundo, ninguém pode afirmar com segurança que lhe haja soado a
hora derradeira. Quantas vezes a ciência médica terrena não já se enganou em
previsões de dias de vida para um moribundo? Existem muitos casos, que com
razão vocês podem considerar desesperadores. Mas, se não existe nenhuma
esperança de retorno definitivo a vida e a saúde, já não viram incontáveis
exemplos de que, no momento de dar o último suspiro, o doente se reanima,
recobra sua lucidez por alguns instantes? (Visita ou Melhora da Morte). Pois
bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande
importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas
convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de
arrependimento e ignoram os muitos tormentos de sofrimentos futuros, que podem
ser poupados em um minuto a mais de vida, quando o doente tem os seus momentos
de arrependimento. Aqueles instantes podem ser o momento da redenção do
espírito e da sua consequente salvação! O materialista, que apenas vê o corpo e
em nenhuma conta tem a alma, é inapto a compreender essas coisas; o espírita,
porém, que já sabe o que se passa no além-túmulo, conhece o valor de um último
pensamento. Minorai os derradeiros sofrimentos, quanto o puderdes; mas,
guardai-vos de abreviar a vida, ainda que de um minuto, porque esse minuto pode
evitar muitas lágrimas no futuro.
A orientadora espiritual Joanna de Ângelis, no
livro Após a Tempestade, afirma que “cada minuto em qualquer vida é precioso
para o espírito em resgate abençoado. Quantas resoluções nobres, decisões
felizes ou atitudes desditosas ocorrem em um simples relance, um instante?”
No livro Sexo e Destino, cap. 7, 2ª parte, FEB:
“Felizes da Terra! Quando passardes ao pé dos leitos de quantos atravessam
prolongada agonia, afastai do pensamento a ideia de lhes acelerardes a morte!
Ladeando esses corpos amarrotados e por trás dessas bocas mudas, benfeitores do
plano espiritual articulam providências, executam encargos nobilitantes,
pronunciam orações ou estendem braços amigos! Ignorais, por agora, o valor de
alguns minutos de reconsideração para o viajor que aspira a examinar os
caminhos percorridos, antes do regresso ao aconchego do lar (...).”
“Companheiros do mundo, que ainda trazeis a
visão limitada aos arcabouços da carne, por amor aos vossos sentimentos mais
caros, daí consolo e silêncio, simpatia e veneração aos que se abeiram do
túmulo! Eles não são as múmias torturadas que os vossos olhos contemplam,
destinadas à lousa que a poeira carcome... São filhos do Céu, preparando o
retorno à Pátria, prestes a transpor o rio da Verdade, a cujas margens, um dia,
também vós chegareis!”.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo total do desenlace no moribundo
(Morte Natural) é importantíssimo para o despertar do seu espírito, em condições
melhores de sanidade, junto com seus parentes e amigos, na dimensão
extrafísica. O Espiritismo enfatiza que a vivência elaborada durante o período
do desenlace é fundamental para o despertar da consciência e para o mergulho na
dimensão do Infinito em condições ideais, sendo mesmo importante e essencial o
último minuto de vida física.
É importante ressaltar que a ciência ainda não
tem certeza absoluta sobre as previsões de recuperação ou não do paciente, em
muitos casos, principalmente na fase comatosa. Nos anais da medicina são
descritos numerosos casos de doentes desenganados que retornaram à vida sem
nenhuma explicação. O instante do desencarne faz com que haja maior drenagem de
energia malsã do perispírito para o corpo físico. Abreviar esse momento (até
mesmo de um minuto) priva o espírito da possibilidade de purificar sobremaneira
a consciência.
Não adianta fugir da Lei Divina (inserida na
própria consciência), através da eutanásia e do suicídio assistido. Adiante, em
situação mais difícil, mais angustiante, a aflição retornará mais intensa. A
vida é patrimônio divino e retardá-la, qualquer que seja o motivo, significa
falta de fé, incerteza da realidade da imortalidade do espírito e
desconhecimento da necessidade do seu crescimento evolutivo na vida física. Não
existe o acaso, cada ser passa pelas atribulações necessárias à sua evolução. O
que importa, no momento da grande dor, é que está chegando a hora da
libertação: uma porta que se abre para a transcendência.
“A reencarnação é uma bendita oportunidade de
evolução. A matéria em que nos encontramos imersos, por hora, é abençoado campo
de luta e de aprimoramento pessoal. Cada dia que dispomos na carne é nova
chance de recomeço” (Otília Gonçalves, psicografia de Divaldo P. Franco). Nesses momentos dolorosos, o corpo, como um
mata-borrão, absorve as emanações doentias do Espírito enquanto ele se
assenhoreia de lições sublimes. Pela
dor, o ser ainda imperfeito libera energia malsã, armazenada em seu corpo
espiritual devido a procedimentos equivocados levados a efeito na atual e nas
pretéritas reencarnações. O padecimento pré-túmulo, como via de redenção,
desperta a sensibilidade, facilitando o despertar nos domínios extra-físicos,
abrindo os horizontes da alma à luz imortal.
Para os circunstantes encarnados presentes o
quadro é dantesco, para os espíritos presentes o panorama é diferente. Na
dimensão física, o indivíduo está diante da morte, na paragem espiritual está
acontecendo um nascimento, onde se festeja o retorno de alguém já renovado,
menos animalizado, mais purificado. O corpo somático desintegrando-se volta ao
solo e a vestimenta espiritual retorna à verdadeira pátria. Na primeira
situação, vigora o clima de tristeza; na segunda, atmosfera de festa, inundada
de alegria pela vitória nos embates das provas e pela conquista da quitação das
dívidas expiatórias;
O ilustre poeta Horácio, na Antiga Roma, já
dizia que “a adversidade desperta em nós capacidades que, em circunstâncias
favoráveis, teriam ficado adormecidas”. Em nosso país, o estimado Carlos
Drummond de Andrade, assim igualmente se expressou: “A cada dia que vivo mais
me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças
que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento, perdemos também a felicidade”.
¹ publicado originalmente em abril de 2014 no site Correio Espírita.
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