O senhor Felício esteve num
programa de televisão em que eram entrevistadas pessoas idosas, convidadas a
falar sobre a velhice.
Tinha oitenta e cinco anos. Aparentava sessenta, espirituoso,
bem disposto, dono de uma incrível jovialidade.
— Nunca me senti velho — dizia.
— E o corpo? — perguntou o entrevistador.
— Já não tem a mesma vitalidade; não raro, há grilos de saúde, o que é natural.
Trata-se de uma máquina.
— Vai se desgastando…
— Exatamente, mas o motor
está ótimo, nos dois sentidos: bombeia, incansável e eficientemente o
sangue, levando o oxigênio a todas as províncias do corpo sem ratear, e me
mantém permanentemente enamorado de encantadora donzela.
— O senhor, na sua idade, apaixonado por uma jovem?! —
admirou-se o entrevistador.
— Sim, meu filho. Apaixonadíssimo!
— E podemos conhecer essa pessoa maravilhosa, que faz seu
encanto?
— Claro, claro, mesmo porque todos devem fazer o mesmo, em
favor de uma existência feliz.
Sorridente, o senhor Felício explicou:
— Sou apaixonado pela vida. Adoro viver. Intimamente
sinto-me eterno jovem. Nunca experimentei o peso dos anos ou a angústia de
envelhecer. Cada dia é uma aventura que aproveito integralmente.
— Qual a fórmula mágica para essa perene juventude
emocional, essa esfuziante alegria? Nossos telespectadores vão adorar sua
orientação.
— Elementar, meu filho. Toda manhã, ao fazer a barba,
converso comigo mesmo ao espelho e afirmo: “Felício, você tem duas alternativas
neste dia: ser feliz ou infeliz. A escolha é sua”.
— Escolhe ser feliz?
— Evidente! Seria um tolo se não o fizesse. Afinal, a opção
é sempre nossa.
E ante o maravilhado entrevistador:
— Simples, não?
***
O Senhor Felício é
dessas raras pessoas conscientes de que a felicidade não é uma estação na
viagem da existência humana. Felicidade é uma maneira de viajar.
E não está subordinada à satisfação de nossos desejos,
diante da Vida, mas ao desejo de descobrir o que ela espera de nós. A propósito
desse tema tão caro a todos nós, alguns pensamentos interessantes:
Os homens que
procuram a felicidade são como bêbados que não conseguem encontrar a própria
casa, mas sabem que tem uma. (Voltaire)
Dá-se com a
felicidade o que se dá com os relógios: os menos complicados são os que
enguiçam menos. (Chamfort)
Encher a hora – isso
é que é a felicidade. (Emerson)
Felicidade é a
certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente. (Érico
Veríssimo)
Por último, o notável poema, Velho Tema, de Vicente de Carvalho, que nos oferece a mais perfeita
explicação sobre a escassez de felicidade entre os homens:
Só a leve
esperança, em toda a vida,
Disfarça a
pena de viver, mais nada;
Nem é mais a
existência, resumida,
Que uma grande
esperança malograda.
O eterno sonho
da alma desterrada,
Sonho que a
traz ansiosa e embevecida,
É uma hora
feliz, sempre adiada
E que não
chega nunca em toda a vida.
Essa
felicidade que supomos,
Árvore
milagrosa que sonhamos
Toda arreada
de dourados pomos,
Existe, sim;
mas nós não a alcançamos,
Porque está
sempre apenas onde a pomos
E nunca a
pomos onde nós estamos.
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