Nosso primeiro livro escrito foi “Leis Morais e
Saúde Mental” editado pela FERGS no ano de 2007. Naquela oportunidade pretendi
apresentar reflexões sobre a temática das “leis morais” contidas na terceira
parte de “O Livro dos Espíritos”, os estudos atuais relativos a questão da
saúde mental.
No mês de junho deste ano de 2017, portanto dez
anos depois do lançamento de nosso primeiro livro, estaremos lançando mais um
estudo em torno das “leis morais”, desta feita através do livro “O cérebro
triuno a serviço do espírito” em parceria com o Dr. Décio Iandoli Jr. e a Dra.
Irvênia Prada. Nessa proposta, nos capítulos com os quais vamos contribuir,
faremos uma reflexão sobre um provável nexo entre as leis morais, estudadas por
Kardec, e os três andares do cérebro, ou o cérebro triuno, conforme os estudos
de André Luiz, através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, em sua obra
“No Mundo Maior”. [2]
Em nossa apreciação sobre o tema vamos nos
atrever a encontrar ligações entre as leis de reprodução e de conservação, por
exemplo, e as instâncias mais iniciais do cérebro, onde estão situados os
instintos, na área das funções automáticas, conforme verificaremos.
Buscaremos refletir que no cérebro
intermediário, onde perceberemos as funções corticais mais fortemente
manifestas, localizam-se os esforços do presente, em que o ser humano labuta
para viver no mundo e construir a sua realidade atual. É a manifestação plena
das leis de sociedade, de liberdade, de igualdade, trabalho e progresso, nas
quais o ser exercita a sua felicidade e ampliação de sua consciência.
Vamos culminar nas áreas do cérebro superior,
ou as instâncias pré-frontais, a parte cinzenta mais nobre da evolução e também
a mais recente, onde se elabora o indivíduo moral, no qual o espírito expressa
o seu inconsciente divino, a sua nobre parcela de potenciais latentes e
ansiosamente desejados de emergirem, mesmo que ele não se dê conta disso
conscientemente. Há uma desconfiança divina dentro de si, de que ele pode, o
ser humano, ser mais do que é, e de se descobrir na lei de perfeição moral, de
justiça amor e caridade, ou de se aconchegar na lei de adoração.
Sem estabelecer juízo de valores, apresentamos
a ideia de que apesar dos andares do cérebro serem divididos em níveis de
evolução, do mais primitivo ao mais recente, isso não significa que um seja
mais importante que o outro, ou que devamos enfatizar mais o valor de um e
menos o de outro.
Temos uma certa tendência cultural de
considerar as funções mentais que situam o ser humano nos assuntos espirituais,
ou no exercício da ética, dos sentimentos relativos à bondade e à caridade,
valerem mais do que as estruturas psíquicas mais primitivas, como a sexualidade
e o instinto de conservação, por exemplo. É como se disséssemos que o nosso
coração físico é um órgão mais valioso do que o nosso intestino. É frequente
ouvirmos expressões do tipo, “temos que superar nossos instintos”, como se os
instintos fossem ruins. Obviamente que estamos em um processo evolutivo em
curso, pois somos espíritos encarnados e a evolução espiritual reclama esforços
no caminho da ascensão. No entanto, utilizando a metáfora do corpo físico,
poderíamos dizer que “a virtude” está em utilizar nossos órgãos no momento que
lhe são os mais apropriados. Há hora para o funcionamento da boca, da garganta,
e há hora para usar o estômago e os intestinos. O equilíbrio orgânico depende
da boa utilização harmonizada de todos os sistemas corporais. Assim também
quanto ao nosso sistema psíquico, considerando que nossa manifestação mental se
dá através do uso do cérebro, uma vez que somos espíritos, mas estamos ligados
célula a célula ao nosso corpo físico. Sobre este agimos e este age sobre nós
incessantemente. De tal modo existe uma necessidade de equilíbrio na perfeição
desse funcionamento que poderíamos dizer que no trânsito da encarnação,
espírito e corpo são “um só”, no que diz respeito à sua interação. Tanto isso
fica evidente, que neurotransmissores cerebrais estão intimamente vinculados às
emoções e manifestações mentais. Basta uma pequena desordem no equilíbrio
químico e a pessoa passa a se sentir de modo diferente, como é o caso das
depressões. Também é verdade que basta expandirmos nossas condições mentais,
emocionais e espirituais em direções favoráveis e mais satisfatórias e nossas
células recebem o impacto e respondem a isso, como é o caso das mais modernas
evidências científicas que apontam para que pessoas que se espiritualizam
verdadeiramente, e que são mais positivas, apresentam índices mais
satisfatórios de saúde mental, emocional e física.
No entanto, corpo e alma pedem equilíbrio e
respeito mútuos. Temos uma tendência a achar que o corpo é apenas uma
vestimenta, uma estrutura de menor importância diante do espírito, que somos.
Há, por isso, momentos para a conservação e
cuidados pessoais (sejam físicos, como psíquicos) e hora para a socialização e
para a transcendência de si mesmo, conforme nossas possibilidades evolutivas.
Conforme (André Luiz em “Evolução em dois
Mundos”: cap. XI:
Reinos inferiores são os que vieram
antes. São inferiores porque compõem os andares de baixo e não porque são menos
importantes. Diremos inferiores porque servem de base às novas estruturas e não
porque sejam menos dignos.
Kardec aborda o assunto em “O Livro dos Espíritos”
[3] na questão 75:
Não; o instinto existe sempre, mas o
homem o despreza. O instinto também pode conduzir ao bem. Ele quase sempre na
guia e algumas vezes com mais segurança do que a razão. Nunca se transvia.”
Essa reflexão nos parece relevante porque é
bastante comum encontrarmos juízo de valor no entendimento de quem percorre os
caminhos do estudo da espiritualidade. Os instintos não estão na contramão da
espiritualidade ou nos esforços de elevação moral. O problema está em
permanecer apenas na dimensão instintual, assim como é problema também deter-se
somente em esforços espirituais. Na sociedade materialista e individualista em
que vivemos, encontramos as pessoas vivendo tão somente do hedonismo e das
manifestações imediatas do prazer a qualquer custo. Entretanto, encontramos
também quem negue suas manifestações físicas e emocionais, e busque a direção
contrária, evadindo-se em práticas religiosas e espirituais que, neste caso,
servem mais como fuga do que para o encontro de si mesmo. O problema se dá no
âmbito da utilização exagerada ou escassa das funções mentais e emocionais.
Encontraremos a colocação mais sensata na própria obra de André Luiz:
— Nervos, zona motora e lobos frontais, no
corpo carnal, traduzindo impulsividade, experiência e noções superiores da alma,
constituem campos de fixação da mente encarnada ou desencarnada. A demora
excessiva num desses planos, com as ações que lhe são consequentes, determina a
destinação do cosmo individual. A criatura estacionária na região dos impulsos
perde-se num labirinto de causas e efeitos, desperdiçando tempo e energia; quem
se entrega, de modo absoluto, ao esforço maquinal, sem consulta ao passado e
sem organização de bases para o futuro, mecaniza a existência, destituindo-a de
luz edificante; os que se refugiam exclusivamente no templo das noções
superiores sofrem o perigo da contemplação sem as obras, da meditação sem
trabalho, da renúncia sem proveito. [4]
Frequentemente convenciona-se que viver apenas
de espiritualidade (no que as pessoas comumente entendem ser espiritualidade,
práticas e esforços espirituais), seria o suficiente e o desejável.
Consideramos que essa é uma leitura equivocada do Espiritismo. O indivíduo
dedicar-se apenas à dimensão espiritual e subestimar sua condição humana, pois
que constituído de um corpo físico com sexualidade e necessidades fisiológicas
com pulsões instintuais, trata-se de negligenciar uma dimensão sua. Isso, por
certo, é fator de infelicidade e de mal-estar psíquico. Quando uma pessoa não
está bem consigo mesma convém perguntar se não estará deixando de atender
alguma necessidade sua nos variados campos de sua existência.
O corpo impossibilita viver só de “espírito”.
Foi o que disse Calderaro, orientador espiritual de André Luiz na obra “No
Mundo Maior”, ao alertar para o risco do refúgio exclusivo no templo nas noções
superiores. Fala da demora excessiva nos planos de qualquer dos andares
cerebrais como um problema. A advertência inclui a demora no campo do andar
superior. Isso nos parece relevante porque traz reflexão necessária quanto a
ideia comum e ingênua que cultivar questões espirituais seja sempre bom. Também
aí são necessárias medidas equilibradas para que não se gerem processos de
negação de demandas que pedem atenção nas demais dimensões da existência
humana.
Entregar-se apenas à fé e à oração pode
indicar, em muitos casos, e não são poucos, uma tentativa de repassar a Deus ou
ao plano espiritual soluções que pedem atenção na realidade individual.
É assim que se espera que o indivíduo utilize
os níveis de sua “casa mental” em caráter dinâmico, conforme a ocasião
emocional mais apropriada dos variados momentos de sua existência. Há momentos
para a instintividade, conservação, sexualidade; momentos para o trabalho,
relações sociais; e momentos para a contemplação espiritual.
O espiritismo bem estudado nos conduz a
crescentes e sempre bem-vindas reflexões, como é o caso do presente tema.
Posteriormente estaremos examinando os
potenciais ainda não bem utilizados, ou adormecidos que carregamos dentro de
nós. Os potenciais dos quais falava Jesus no seu evangelho de amor.
O desenvolvimento no campo do amor e da
caridade são os fatores de estímulo mais importantes, conforme a obra de André
Luiz, na construção do homem do futuro. Ganha status de ciência a colocação de
Jesus quando Ele recomenda “amar ao próximo como a si mesmo”, pois no exercício
do amor e da caridade há um impacto cerebral registrado pelas células físicas
que acusam, na forma de estímulos novos, as iniciativas da alma neste campo
mais nobre de sua manifestação. Mas, isso é assunto para próximas reflexões.
Referências:
[1] KARDEC, O Livro dos Espíritos. 91a. ed. Rio
de Janeiro: FEB.
[2] XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior.
[3] KARDEC, O Livro dos Espíritos. 56a. ed. Rio
de Janeiro: FEB, 1982. q. 75
[4] XAVIER, Francisco C. No Mundo Maior. 26ª.
ed. Brasilia: FEB, 2006. Cap. 4. Pg. 72
Os leitores e seguidores do Canteiro de Ideias ganham mais um importante articulista: Dr. Sérgio Lopes, psiquiatra, palestrante escritor espírita radicado no movimento espírita do Rio Grande do Sul.
ResponderExcluir