O bairro sofria uma onda de assaltos. Os
marginais invadiam estabelecimentos comerciais em plena luz do dia, empunhando
armas de fogo. Providências estavam sendo tomadas pelas autoridades, mas a
violência campeava, semeando o medo. Na pequena farmácia de Ronaldo, um amigo,
Jacinto, comentava:
– É preciso maior severidade nas leis. Sou
amplamente favorável à pena de morte. Se eliminarmos esses facínoras sanearemos
a sociedade.
O farmacêutico pensava diferente.
– Não me parece que semelhante iniciativa
traria algum benefício. Países que adotaram a pena máxima não registraram
redução de crimes. O criminoso nunca cogita da possibilidade de ser punido.
– De qualquer maneira, cada marginal eliminado
será uma ameaça a menos...
– Engano seu. A Doutrina Espírita nos explica
que o criminoso não perde a agressividade com a morte física e tende a envolver
indivíduos que cultivam a mesma tendência, em processos obsessivos que ampliam
a violência.
– A esse respeito não posso dizer nada. O que
sei é que transformei minha casa numa fortaleza. Se alguém atrever-se a ameaçar
meus patrimônios será recebido a bala!
– Admito que é necessário tomar precauções.
Todavia, tanto quanto possível, deixemos as providências policiais para os
órgãos competentes. Enfrentar esses nossos irmãos com suas próprias armas em
nossos lares é descer à barbárie.
– Então, o que fazer? Permanecer de braços
cruzados, à espera de que nos espoliem e matem?
– Absolutamente! Penso que a iniciativa mais
importante deve ser nossa. É preciso que a sociedade se mobilize para o auxílio
às pessoas carentes. O transbordamento da miséria na periferia derrama-se em
ondas de violência sobre a cidade. Panelas vazias são más conselheiras. De
certa forma estamos todos pagando pelo nosso egoísmo. Crianças famintas, sem
orientação, sem instrução, que ali vivem, são potencialmente, os assaltantes de
amanhã. Se cada família de classe média se dispusesse a ajudar um menor,
encaminhando-o na vida, favorecendo-lhe particularmente o acesso à educação, o
problema estaria a caminho de ser resolvido.
– E enquanto isso não acontece?
– Recusemos usar a violência em defesa própria,
conscientes de que fatalmente gerará problemas para o nosso futuro. Ela é
sempre comprometedora.
– E a nossa defesa?
– Confiemos em Deus...
Como se estas últimas palavras fossem a deixa
para dramática entrada em cena de novo personagem, um jovem invadiu a farmácia
de revólver em punho, e foi logo anunciando:
– É um assalto! Quietos ou morrem!
Sentindo-se dominado por incontrolável
indignação, Jacinto pensou em atracar-se com o intruso. Ronaldo adiantou-se:
– Não pretendemos reagir, meu irmão. Peço-lhe,
em nome de Deus, que mantenha a calma.
Observando o assaltante, pouco mais que um
menino, notou que a arma tremia em suas mãos. Ele estava excessivamente
nervoso e qualquer gesto brusco, que representasse uma ameaça, o levaria a
atirar. Acima de qualquer temor, sentia imensa piedade. Ali estava um infeliz,
que optara pela solução aparentemente mais fácil para seus problemas de
subsistência, mas que lhe cobraria pesado tributo de sofrimento e
desequilíbrios.
E enquanto abria a caixa registradora,
confiava-se à oração, pedindo aos bons Espíritos que neutralizassem eventuais
acessos de agressividade, tanto do amigo quanto do assaltante. Este, como que
possuído por incoercível força que lhe agitava os refolhos da consciência,
fez-se muito pálido. Aturdido, balbuciou:
– Fique tranquilo, moço. Não vou levar nenhum
dinheiro. Gostaria apenas que me desse um comprimido para dor de cabeça...
Após receber o remédio, saiu apressado,
enquanto Jacinto suspirava aliviado e dizia, sorridente:
– Foi fantástico, Ronaldo! Que mágica você
usou? Nunca vi nada igual! Quer trabalhar de vigia em minha casa?
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