Entrevista realizada por Eliana Haddad - Publicada no jornal Correio Fraterno - Edição 478 - novembro/dezembro de 2017
Há 35 anos, o psiquiatra Sergio Felipe de
Oliveira, doutor em neurociências pela Universidade de São Paulo, vem se
dedicando a pesquisas que reúnem conceitos de psicologia, física, biologia e
espiritismo. Desenvolve atualmente junto ao Hospital das Clínicas (USP) e à
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) trabalhos ligados à área de saúde e
espiritualidade, seguindo os protocolos determinados pela Organização Mundial
de Saúde.
Autor da tese sobre o mapeamento da glândula
pineal e suas relações com atividades psíquicas, diretor clínico do Instituto
Pineal Mind, em São Paulo, Sergio Felipe é também coordenador da Uniespírito –
Universidade Internacional das Ciências do Espírito, projeto que criou em 2012
e que promove cursos de aperfeiçoamento médico, através de convênios com
universidades nacionais e internacionais. Mais do que um depoimento de
especialista, Sergio Felipe comenta aqui sobre a razão de seu recente desabafo
sobre a necessidade do espírita entender o potencial do espiritismo ante a
promoção da saúde.
Como o
senhor vem desenvolvendo os tratamentos integrativos?
Tenho um trabalho junto ao Hospital das
Clínicas de investigação sobre o efeito da assistência espiritual complementar
no atendimento médico. Nesse projeto, 170 casos foram investigados
profundamente, com realização de todos os exames necessários ao longo de uma
década. Na clínica sigo o mesmo protocolo. O paciente passa por uma avaliação
psicológica, tem um diagnóstico médico, é medicado, e convidado à assistência
complementar, que envolve a busca da experiência espiritual e valorização de
aspectos construtivos para sua vida. Há profissionais trabalhando e
acompanhando esse paciente em todas as fases do tratamento. Quando tem uma
melhora da resiliência, passa também a participar em algumas das áreas da
assistência complementar. Muitos dos que estão trabalhando no salão de
assistência espiritual são pacientes. Não é a mesma coisa que o voluntário numa
sala de passes num centro espírita. Ele tem um orientador, um psicólogo, um
fisioterapeuta, um médico do meu serviço que vai acompanhar todo esse processo.
Os que
acompanham são espíritas?
Eu não me importo que não sejam espíritas,
porque no projeto não há esse qualificativo. Tenho também mulçumanos, judeus,
islâmicos, padres. Isso não é terapia de passe, mas tratamento complementar,
uma pecinha de um quebra-cabeça, de um minucioso processo de ressignificação da
doença, de salutogênese e de integração a um sistema preconizado pela
Organização Mundial de Saúde.
Quais
os resultados alcançados com ou sem a terapia complementar?
O tratamento já começa integrativo desde o
consultório. Posso te mostrar aqui o eletroencefalograma de um paciente.
Observa-se que é um exame normal. Não há epilepsia, mas apresenta algumas
peculiaridades.
O gráfico apresentado sobre as ondas alfa,
quando se entra em estado de transe, evidencia uma grande atividade da pineal
com a área de estrutura cerebral mediúnica completamente em ação. O exame
apresenta um traçado alterado, que não é epilepsia, mas é uma coisa diferente.
E como
a medicina reconhece isso?
Não sabe o que é. Esse é um protocolo meu,
dizendo que, quando a onda alfa está evidenciando a pineal, o paciente está em
transe, tendo episódios de transe mediúnico sem perceber.
Como
se dá o processo de cura para casos assim?
Posso te mostrar novamente resultados de exames
de um paciente que veio com uma queixa clínica, e entre as comorbidades está a
mediunidade. Está aqui constatada no exame. Ele tem uma ativação da área
cerebral mediúnica e não está percebendo. Ora, se entre os seus sintomas existe
o componente mediúnico e, se está fazendo tratamento e não resolvendo, é
preciso trabalhar então esse elemento. Vou medicar o paciente para sua queixa –
uma gastrite, uma hipertensão, uma artrite, uma esquizofrenia – e fazer uma
investigação psicológica, porque preciso entender sua história, as nuances do
seu perfil, pois para ele poder fazer uma transformação
interior, precisa saber quais pontos estão ligados ao processo. Por exemplo: se
ele tem uma mágoa do relacionamento com a mãe, isso é no consultório
psicológico que vamos cuidar. O tratamento espiritual para tirar a culpa não
vai adiantar, se ele não resolver aquela mágoa, que foi identificada no
processo psicoterápico. Depois, sim, ele vai para o trabalho espiritual com a
proposta de modificação daquele contexto, que já foi trabalhado. E na
frequência da assistência, que é voluntária, ele começa a perceber esse ponto
mediúnico, que tem os sintomas parecidos com os que tem lá fora. À medida que
vai percebendo esse estado alfa, vai-se ensinando a ele a ter domínio dos
'transes' em que ele entra. Quando está clinicamente estável, colocamos esse
paciente numa experiência proativa. Quando começa a dominar o fenômeno, passa a
ter melhora clínica. Vamos então reduzindo o remédio até ele sair do
medicamento.
Mas
isso não é um trabalho também para desenvolver a mediunidade?
Desenvolver aqui não é criar faculdades
paranormais. É o paciente tomar controle sobre um processo que já está aberto
nele. Ele só não está tendo controle, nem ciência. Ele passa a participar de um
processo de raciocínio clínico integrativo e vai aprender a lidar com esse
ponto, refletindo depois na respectiva conduta médica. Para isso, reunimos toda
semana a equipe clínica e discutimos os casos.
Como a
academia recebe isso?
Normal. Esse é um projeto oficial do Hospital
das Clínicas, da Universidade de São Paulo.
Houve
dificuldades para implementar esse tipo de tratamento?
Nenhuma. Não sofro preconceito da classe
médica, porque tenho minha vida organizada. Estou trabalhando num consultório
formal, tenho minha clínica legalizada. Aliás, eu não trabalho só no Brasil,
mas em outros países.
O
senhor se considera pioneiro nesse modo de atendimento?
Nessa parte de atuação clínica, onde você
analisa a pesquisa e aplica ao paciente, sim.
Como
se sente como médico?
Sinto que estou sendo operativo com o paciente,
que com esse modelo de assistência estou conseguindo descobrir coisas reais do
ponto de vista de fisiologia humana, de patologia. O pessoal da área de ciência
oficial tem uma abertura intensa para isso, porque trabalho junto com a ciência
formal. Apenas tenho feito descobertas expressivas e isso sempre mexe com egos.
Por exemplo, minha tese sobre a glândula pineal foi um mapeamento sobre o corpo
humano que ninguém tinha feito antes. Trabalho nisso há mais de 35 anos.
Quais
as principais conclusões a que chegou?
A primeira questão é que não dá para entender a
relação cérebro-mente sem a pineal. É como abrir uma porta – se não se mexer na
fechadura, não abre aquela porta. A pineal é essa fechadura.
Posso
dizer que ela é mesmo o órgão da mediunidade?
Tranquilamente.
E, se
eu retirar a minha pineal, consigo ser médium?
Você vai ficar bem aérea, meio desdobrada.
Quando se fala em mediunidade, está se falando de relações entre o além e
aquém. Quando você tira a glândula pineal, você perde o aquém, perde o
aterramento. Tem que dar neurolético para o paciente, pois ele perde a conexão
do aqui, o pé no chão.
Por
que ainda há certa resistência no meio espírita em se aceitar isso?
Não sei explicar. Tenho refletido muito sobre
isso. A grande questão é a pessoa se deparar com a verdade e a realidade em
todos os sentidos. Quando falo objetivamente que existe um órgão ligado à
mediunidade, que ele está ali, acessível, você o vê no exame, isso dá para
desenvolver um raciocínio clínico... Quando você bate assim na verdade, as
pessoas têm uma certa dificuldade de se deparar com ela. É como se a luz
ofuscasse os olhos e a pessoa tentasse se proteger da claridade. É a caverna de
Platão. A verdade ofusca.
Constatar
a verdade e não ver as pessoas serem tocadas por ela. Foi esse também o motivo
que fez com que o senhor desabafasse sobre o espiritismo no vídeo que está na
internet?
A Organização Mundial da Saúde lança um
protocolo, colocando o domínio espiritual como parte do processo de saúde; a
Carta de Otawa diz que todo cidadão é responsável pela promoção de saúde. E
ninguém faz nada? Isso precisa chamar a atenção dos espíritas. É um órgão das
Nações Unidas falando ainda que o espiritual é importante. O espírita não pode
ficar fechado dentro do templo. Ele nasceu para falar para o mundo.
O que
é considerado espiritual nesse protocolo da OMS?
As crenças das pessoas. Esse aspecto é
importante e tem que ser valorizado, porque faz parte da identidade delas. O
outro ponto é que espiritualidade faz parte da promoção de saúde e todo cidadão
é responsável por isso. Não é só médico. Quando você constata que o centro
espírita tem uma proposta de ação social e a OMS diz: 'você é um agente de
promoção de saúde, estamos valorizando você e ainda falando do espiritual'. Não
é para pegar isso aí e dizer "finalmente, nós alcançamos o objetivo; vamos
somar para poder ajudar?". Considero o centro espírita uma entidade
altamente impactante na nossa sociedade, com trabalho muito representativo para
a saúde em geral de uma população, de uma comunidade. Justamente pela
operatividade do centro espírita é que, quando a ONU abre esse campo, tenho
necessidade de dizer: vamos abraçar!
O
centro espírita está preparado para isso?
Completamente. Ali há cidadãos. Ou não? O
espírita não participa da sociedade? Ele não quer levar a espiritualidade para
a sociedade? A ONU abriu esse espaço. Podemos revolucionar a saúde pública. Um
dos problemas mais graves de saúde pública é o suicídio. Posso dizer que há
influência espiritual, abordá-la sem preconceitos, porque a ONU está colocando
esse aspecto. Quando se fala de suicídio – um suicídio a cada 40 segundos, uma
tentativa a cada dois segundos –, estamos falando de um milhão de moléstias
gerais que podem desembocar no suicídio. A OMS não convocou especialistas,
convocou os cidadãos. Você não precisa ser especializado para ver que os
números do suicídio estão muito altos e fazer algo para auxiliar. O que a gente
pode fazer mesmo é reunir esforços...
O
senhor acredita que tenha sido esse o pensamento de Kardec quando destacava a
importância dos grupos espíritas?
Antes, vou fazer uma pergunta. Onde se encontra
o saber sobre o espiritismo? Vou citar uma frase da codificação espírita, em O
evangelho segundo o espiritismo: Os espíritos do senhor pulverizaram,
espalharam no planeta Terra o consolador prometido. O espiritismo se encontra
em todas as culturas do planeta. Se você não falar todas as línguas, não ir
atrás, você não encontrará os fragmentos do Consolador. Kardec fazia isso. A
Revista Espírita se comunicava com o mundo inteiro. Não se pode colocar o
espiritismo como uma religião sectária, onde você deixa de operar o trabalho de
resgate da mensagem do Consolador, que exige que se conheça as diversas
culturas. Outro ponto importante: os espíritas fundaram hospitais. São quase
cem no Brasil! E dos maiores... Eles estão minguando com os doentes, ali
naqueles cárceres. E os espíritas não vão fazer nada? Estamos vivendo a fase do
eu falo, você escuta, cuido da minha vida, e se precisar ajuda, eu dou algum
dinheiro... Mas é muito mais que isso! Quando Kardec disse que o espiritismo
estaria fadado ao fracasso se não acompanhasse o avanço da ciência, é preciso
compreender que ciência não é só o laboratório, ciência é você ter ferramentas
para conhecer a sua realidade.
O que
o senhor faria para mudar isso tudo?
Eu estou fazendo. Eu fundei a Uniespírito. Tem
uma pessoa me esperando agora para discutirmos a situação dos hospitais
espíritas, para nos juntarmos ao Pró-Saúde Mental. Estou trabalhando, não estou
propondo. E não sou exceção. Há muitos colegas trabalhando para isso. Estamos
organizando para 2018 uma agenda mensal para receber representantes dos centros
espíritas interessados em organizar programas de promoção de saúde alinhados
com a ONU.
Em
quantos países o senhor já está atuando?
Estou circulando... Desenvolvi um período na
África, em Angola, procurando espaço em Moçambique, na Índia e Lisboa.
Por
que escolheu esses lugares?
Porque o projeto da Uniespírito me foi
inspirado pelo infante dom Henrique, da Escola de Sagres. E ele me pediu para
que eu implantasse a Uniespírito em todas as regiões onde esteve a Escola de
Sagres. Já temos duzentos alunos em Portugal, em intercâmbio na área de
oncologia. A Uniespírito tem como objetivo formar pessoas para ações sociais. A
verdade está onde você quer fazer o bem. O eixo axial é Allan Kardec, mas um
Allan Kardec que observa, que sabe que o espiritismo foi pulverizado no planeta
todo. Precisamos saber falar todas línguas.
Publicado no jornal Correio Fraterno - Edição
478 novembro/dezembro 2017
Todo espírita convicto de suas responsabilidades na Seara do Mestre, deve ler esta entrevista.
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