"Suicida! Suicida! Criminoso!
Infame!" - gritos assim, cercavam-me de todos os lados...[1]
André Luiz foi médico em sua última encarnação.
Ficou conhecido no meio Espírita após a edição do Livro “Nosso Lar”. Vê-se no
Umbral após o seu desencarne, região de sofrimento no plano espiritual.
Experimenta intenso sofrimento psíquico por encontrar-se em uma condição
desfavorável espiritualmente e, é constantemente acusado de “suicida” por vozes
que o cercam na região umbralina. Foi resgatado pelo mentor espiritual
Clarêncio, auxiliado pelo irmão Henrique de Luna do Serviço de Assistência
Médica da colônia espiritual:
- É de lamentar que tenha vindo pelo
suicídio... [2]
Ele está referindo-se ao suicídio inconsciente,
caracterizado nas pessoas que levam um estilo de vida que ocasione a redução
das forças físicas e vitais, ocasionando a perda da durabilidade necessária do
corpo físico para cumprirem com êxito a encarnação. Foi o caso de André Luiz.
Também são exemplos de suicídio inconsciente: beber desmedidamente, fumar, o
uso de drogas, excessos alimentares, descontrole emocional, etc.
O importante nesse ponto é que o indivíduo não
tem consciência de que está se matando e poderá protestar quando for acusado
disso. Foi o que aconteceu com André Luiz ao ser acusado de suicida:
... Lutei mais de quarenta dias, na Casa de
Saúde, tentando vencer a morte. Sofri duas operações graves, devido a oclusão
intestinal...[3]
Ele não tinha uma intenção consciente de
morrer. Objetivamente ele queria viver, mas sua realidade psíquica e física
diziam o contrário. Percebendo essa contradição o médico espiritual chamou sua
atenção para a realidade dos fatos:
- Sim - esclareceu o médico, demonstrando a
mesma serenidade superior -, mas a oclusão radicava-se em causas
profundas...[4]
Neste ponto aparece com clareza a visão
Espírita da medicina psicossomática. Aqui está sendo dito que uma doença se
radica em causas profundas. Dizendo de outro modo, o que acontece no corpo é
uma expressão viva do que está acontecendo na mente. O corpo fala do que se
passa na vida mental e emocional.
Vejamos a zona intestinal - exclamou. – A
oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas
leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis... Todo o aparelho
gástrico foi destruído à custa de excessos de alimentação e bebidas alcoólicas,
aparentemente sem importância. Devorou-lhe a sífilis energias essenciais. Como
vê, o suicídio é incontestável...[5]
Ficamos pensando nas ocasiões tão comuns, na
atualidade, das frequentes “festas ou baladas” regadas a álcool e drogas, a
título de momentos de “felicidade”, mas que são, isso sim, hiperestímulos
sensoriais que provocam uma falsa sensação de felicidade. O que se passa nessas
ocasiões são movimentos autodestrutivos ou uma falsa diversão.
No caso André Luiz o câncer, que originou a
obstrução intestinal, teve uma participação direta dele na construção do
processo psicossomático, através do seu nível mental e funcionamento emocional.
No entanto, André demonstrou não ter, naquele momento, a noção de como se
processou a dinâmica da autoconsciência:
Aliás, não poderia supor, noutro tempo, que me
seriam pedidas contas de episódios simples, que costumava considerar como fatos
sem maior significação. Conceituara, até ali, os erros humanos, segundo os
preceitos da criminologia. [6]
André Luiz revela o sentimento de que está
sendo julgado quando diz que me seriam pedidas contas de episódios simples,
além de mostrar-se surpreso com a importância do que ele pensava serem fatos
sem maior significação. A revelação dos mentores de que esses fatos não
passaram despercebidos, que André estava sendo observado o tempo todo, lhe deu
a sensação de que estava sendo julgado naquele momento por alguma consciência
alheia. Quando, na verdade, a consciência alheia, no caso de Clarêncio,
funciona apenas como um alto falante, ou um reverberador da própria consciência
de André Luiz. Mesmo que tenha havido um certo julgamento no caso André Luiz,
chama a atenção que, no contexto de Nosso Lar, a característica desse
julgamento esteja mais para uma sala de psicoterapia do que para um tribunal. E
André percebe isso:
... Todo acontecimento insignificante, estranho
aos códigos, entraria na relação de fenômenos naturais. Deparava-se-me, porém,
agora, outro sistema de verificação das faltas cometidas. Não me defrontavam
tribunais de tortura, nem me surpreendiam abismos infernais; [7]
André está passando por um julgamento, porém
sem se sentir acusado, atacado, ou humilhado, senão apenas convidado a entrar
em contato com a própria consciência dentro de um contexto amoroso. Nesse
contexto a consciência de André é desnudada naturalmente por espíritos bondosos
que não estão ali para humilhá-lo e sim para ajudá-lo a reencontrar-se consigo
mesmo.
... a bondade exuberante de Clarêncio, a
inflexão de ternura do médico, a calma fraternal do enfermeiro, penetravam-me
fundo o espírito. Não me dilacerava o desejo de reação; doía-me a vergonha. E
chorei.[8]
Enfim, quem fez o julgamento foi o próprio
André, auxiliado por Clarêncio, que serviu mais como psicoterapeuta do que
julgador. Ele foi o veículo para detonar um processo de autoconsciência. A
capacidade de tocar a consciência somente é possível através da presença da
humildade e do amor.
Mostrando que havia entendido e aprendido o
ensinamento André diz:
... abafando os impulsos vaidosos, reconheci a
extensão de minhas leviandades de outros tempos. A falsa noção da dignidade
pessoal cedia terreno à justiça. [9]
A justiça somente surge diante da humildade,
nunca frente à prepotência e ao rigor tirânicos.
A vaidade somente cede diante do amor, pois
frente a qualquer outra expressão emocional de afrontamento ela rivaliza. O
orgulho e a vaidade não reclinam a cabeça se não for diante da humildade e do
amor.
André diante de um Clarêncio amoroso e humilde,
desarma-se e reencontra-se.
O suicídio é, portanto, a fuga de si mesmo.
Mesmo indireta ou inconscientemente, como é o caso do tema que estamos
abordando, o indivíduo foge aos poucos de si mesmo e autodestrói-se. A
existência física é oportunidade inalienável de crescimento e que deve ser
aproveitada até o final.
O relato de André Luiz tornou-se um clássico
nos estudos Espíritas e, graças a ele, temos hoje a oportunidade de refletirmos
mais profundamente sobre essa temática tão importante e atual.
REFERÊNCIAS:
[1]
(Xavier. Francisco C. – pelo espírito André Luiz. Nosso Lar. 60ª Ed. FEB,
Brasília. 2009. Cap IV, pag32)
[2]
--------- pag32)
[3]
(Xavier. Francisco C. – pelo espírito André Luiz. Nosso Lar. 60ª Ed. FEB,
Brasília. 2009. Cap IV, pag 32)
[4]
------ pag 32
[5]
------ pag 34
[6]
(Xavier. Francisco C. – pelo espírito André Luiz. Nosso Lar. 60ª Ed. FEB,
Brasilia. 2009. Cap IV, pag 34)
[7]
------ pag 34
[8]
(Xavier. Francisco C. – pelo espírito André Luiz. Nosso Lar. 60ª Ed. FEB,
Brasilia. 2009. Cap IV, pag 34)
[9]
------pag 35
Nao existe coincidencia, fui direcionado a ler este texto.
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