De maneira recorrente vê-se sendo utilizada a
classificação de espíritas progressistas,
muito embora não se encontre essa denominação nas classes de espíritas
didaticamente elaboradas por Allan Kardec. Na realidade, o termo pode em um
primeiro momento parecer redundante, tendo em vista que o Espiritismo é uma
doutrina essencialmente progressista. Leia-se o que Kardec comenta à pergunta
783 de O Livro dos Espíritos:
Sendo
o progresso uma condição da natureza humana, ninguém pode se opor a ele. É uma força viva que as más leis podem
retardar, mas não asfixiar.”
Em um segundo momento, a expressão converge para o movimento
progressismo, que se opõe ao conservadorismo. O progressismo está vinculado à
concepção de progresso, que na definição de Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política, é
“ideia
de que o curso das coisas, especialmente da civilização, conta desde o início
com um gradual crescimento do bem-estar ou da felicidade, com uma melhora do
indivíduo e da humanidade, constituindo um movimento em direção a um objetivo
desejável.”
O ideal de Bobbio no progressismo brasileiro está associado à luta pelos
direitos civis e a movimentos sociais em prol de minorias ou grupos
historicamente preteridos pela sociedade, como, por exemplo, o movimento negro,
o feminismo, os direitos dos indígenas e movimentos relacionados a orientações
sexuais e identidades de gênero minoritárias. Associado sempre à política de
esquerda, nada tem a ver com estes.
O progresso na concepção espírita transcende esses aspectos e remete o
indivíduo para uma concepção de fraternidade que contempla a fé, nos princípios
fundamentais, diz Allan Kardec, em A
Gênese, que todos podem aceitar: Deus,
a alma, o futuro, o progresso individual, indefinido, a perpetuidade das
relações entre os seres. Kardec, robustecendo o seu pensamento, atesta:
“Unicamente
o progresso moral pode assegurar a felicidade dos homens sobre a Terra pondo um
freio às más paixões; unicamente ele pode fazer reinar entre os homens a
concórdia, a paz e a fraternidade.”
Embora se firme no propósito moral-espiritual, o progresso no contexto
espírita também contempla o quesito de ordem material no qual se realiza pelos
fatos, em um processo dialético material e histórico, dessa forma a Doutrina
Espírita jamais deixará de ser progressista, mesmo nos tempos de profundas
revoluções sociais. O próprio Allan Kardec reconhece isso em A Gênese,
quando afirma:
“Ligado
a todos os ramos da economia social, aos quais empresta apoio de suas próprias
descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer
ordem que elas sejam, elevadas ao estado de verdades práticas (grifos
do autor) e saídas do domínio da utopia
sem o que ele se suicidaria; (...)”
O momento atual que atravessa a nação brasileira é singular para se
lançar um olhar retrospectivo no movimento espírita, partindo dessa denominação
de espíritas progressistas,
forçosamente levará a outras variações dentro do mesmo escopo.
O professor e filósofo Herculano Pires, em sua
obra O Reino, abandona o seu estilo
viril e registra de maneira sensata e elegante a situação que ora se apresenta
no contexto do movimento espírita:
“Num
sentido geral, o Movimento Espírita se mostra contraditório quanto aos
problemas sociais. Temos espíritas
reacionários, de tipo burguês, apegados ao sistema de injustiças do
capitalismo. Temos espíritas de
tendências fascistas, iludidos por mitos e palavras, que acreditam mais na
força do que na justiça. E temos espíritas
revolucionários, ardendo pelas transformações sociais imediatas,
comprometendo-se com movimentos políticos de esquerda ou meia-esquerda.” (grifos
nossos)
O professor, entretanto, assinala que para o bom observador, seja
espírita ou não, essas contradições aparentes são consideradas de acordo com a
variedade dos graus de assimilação dos princípios doutrinários. Não se pode
esquecer da memória palingenésica, cujos atavismos geral emergem do
inconsciente, diretamente para o ego, sem passar pela consciência devido ao
processo de autoconhecimento mal dirigido. Carl Jung, (1875-1961) psiquiatra
suíço, para esses casos ele usou a analogia de uma rolha (ego), ao sabor do
oceano (inconsciente). Desconhecimento de si mesmo.
Partindo dessa premissa, é fácil de atestar que a história do movimento
espírita brasileiro é um obituário, ao se analisar as suas entranhas, partindo
até do assistencialismo acrítico que pautou e pauta as ações no campo social
pelos espíritas.
É ilustrativo um exemplo que o médium e orador espírita baiano, Divaldo
Franco, que em visita a uma cidade brasileira foi levado pelos seareiros da
casa espírita anfitriã para visitar uma família cuja casa prestava assistência.
Divaldo voltou-se para os acompanhantes e indagou como eles foram capazes de
manter uma família por três gerações em estado de indigência social.
A
constatação feita pelo professor Herculano Pires é a caricatura do Movimento
Espírita Brasileiro e exibe a distância que seus adeptos se encontram da
sonhada unidade de princípios de Allan Kardec. Ele se esmerou em formular a
Doutrina Espírita, em todo o seu corpo, com a didática que lhe é peculiar e o
propósito central de não permitir interpretações divergentes. Em Obras Póstumas – Projeto 1868 -, Kardec
atesta que este seria o principal obstáculo na propagação do Espiritismo. E o
é.
Lembrando
apenas que a unidade de princípios está longe de ser a unidade do movimento
espírita; esta seria, segundo Kardec, uma “utopia absurda”.
É
imperativo dizer que a unidade de princípios é de fundamental importância para
a união entre os espíritas – é simétrica –, o que justifica os conflitos pessoais
presentes nos dias atuais.
O espírita sabe perfeitamente que as transformações sociais não irão se
operar por iniciativa da política partidária que aí está. Contudo, deve-se ter
em mente que Deus, para operar as transformações na Terra, não irá esperar pelo
necessário, mas as efetivará pelo estado de espírito favorável dos homens que
já se associaram à Lei de Amor, Justiça e Caridade. O próprio Kardec fala sobre
a classe de espíritas sem o saber, que
são aqueles que sem jamais terem ouvido falar do Espiritismo têm o sentimento
inato dos seus princípios, e isso se reflete em suas iniciativas no campo da
matéria. Outrora, a massa permaneceu
surda, adverte Kardec, até porque homens da elite têm procurado impelir a
humanidade nesta via. As crises sociais são sinais dessas mudanças, é natural
que os espíritas se associem a essas forças, conscientes de que a realização do
reino de Deus nas individualidades é que promoverá o estado de paz e
fraternidade na Terra.
Essa realidade, apesar de
compreensível, não deixa de ser lamentável, pois algumas dessas adjetivações conflitam
frontalmente com os ideais espíritas e cristãos.
A realidade é que há certa
arrogância de alguns espíritas frente às orientações de Kardec, das Vozes dos
Céus, dos autores clássicos e de tantas outras advertências sobre as contradições
no contexto espírita e que invariavelmente, fazem “ouvidos
de mercador”.
Enfim, o que mais grave, esses
posicionamentos político-ideológicos já estão alcançando o público espírita
através da tribuna espírita.
Disse-me e disse-te!
Notas
do articulista:
Fascista:
Não
há uma definição fechada de fascismo. Encontrar-se-á uma multiplicidade de
definições, até pela própria complexidade do objeto do estudo. Texto pinçado do
Dicionário de Política de Norberto Bobbio “Na
primeira formulação, as origens do Fascismo como fenômeno internacional são
relacionadas com a crise histórica do capitalismo em seu estádio final, o do
imperialismo, e com a necessidade que a burguesia tem, em face do agravamento
das crises econômicas e da exacerbação do conflito de classes, de manter o seu
domínio, intensificando a exploração das classes subalternas e, em primeiro
lugar, da classe operária. O imperialismo envolve a tendência a transformar em
sentido reacionário as instituições da burguesia, e o Fascismo é a expressão
mais coerente dessa tendência.” O nazismo alemão é o episódio mais marcante,
quando se fala em fascismo. Os regimes de Mussolini na Itália e Franco na
Espanha também foram marcantes.
Reacionário:
Contrário à democracia.
Que ou quem defende princípios ultraconservadores, contrários à evolução
política social. (Dicionário Larousse).
Revolucionário: Progressista.
Inovador. Que ou quem participa de revoluções. Que o ou quem é a favor
de transformações radicais. Que ou quem aprova as mudanças culturais.
(Dicionário Larrouse).
Referências:
BOBBIO. Norberto. Dicionário de Política. Brasília: UNB, 1983. PDF.
KARDEC, Allan. A gênese. Brasília: LAKE, 2010.
_____________ Obras póstumas. Brasília. FEB. 1987;
_____________ O livro dos espíritos. Brasília: LAKE, 2000.
_____________ O livro dos médiuns. São Paulo: EME, 1997.
PIRES. J. Herculano. O reino. São Paulo: Paideia, 2002.
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