"A
dor não surge apenas por estimulação periférica, mas também por uma experiência
da alma, que reside no coração" (Platão).
Dor
dissociada do sofrimento
Ao lado da dor intensa, chegando até a ser
desagradável, podem ser sentidas sensações de medo, ansiedade, angústia e
desespero. Nesse caso, o sofrimento resultante é quase sempre associado,
confundido com a dor ou até mesmo realçada por ela. O importante é saber
dissociar a dor do sofrimento, porquanto se pode sentir dor sem sofrimento e
sofrer muito sem a presença da dor.
A culpa, o remorso, a vergonha, a perda de
controle, a vulnerabilidade, por exemplo, estão relacionadas ao sofrimento sem
a presença da dor. Portanto, a dor e o sofrimento são distintos. O sofrimento é
existencial e está ligado à consciência, exatamente onde está inserida a lei
divina, segundo ensinamento espírita, em “O Livro dos Espíritos”, questão 621.
A dor é importante desde que sua presença anuncie que algo de ruim está
acontecendo no organismo. Soando o alarme, o indivíduo procura assistência
médica e recebe a analgesia devida.
A palavra inglesa “pain” (“dor”, em português)
tem sua origem do latim “poena e do grego poiné, ambos significando castigo. A
Doutrina Espírita enfatiza que a noção de castigo não tem nada a ver com a
ofensa a Deus. Para as religiões tradicionais, o castigo divino pode até mesmo
assumir um caráter de eternidade, no caso de injúria grave à Divindade.
O Espiritismo ensina que o Pai, “inteligência
suprema e causa primária de todas as coisas”, corroborando o ensinamento de “O
Novo Testamento” que “Deus é Amor” (1-João 4:8), permite sempre que o infrator
da lei divina receba a oportunidade do arrependimento e ressarcimento ou
resgate da falta cometida.
Em verdade, a pluralidade das existências ou
reencarnação reflete a presença fundamental da justiça divina, amorosa por
excelência, proporcionando, através de inúmeras vivências físicas, o caminho da
reconciliação com o adversário.
As
leis de Deus estão inseridas na consciência
O homem, praticando o mal, cria vibrações
destoantes que repercutem em si mesmo, vincando sua consciência, de acordo com
o ensino crístico de “a cada um segundo suas obras” (Apocalipse 22:12).
Portanto, qualquer deslize praticado contra outrem será submetido ao júri da
consciência do infrator, advindo, então, o veredicto compatível com a falta
assumida.
O juízo, realizado dentro de si mesmo,
necessita de reparação, advindo, primeiramente, o sofrimento do remorso.
Importante o ensino de Jesus de que a liberdade só será outorgada após o
pagamento da dívida: “Em verdade, te digo que não sairás dali, enquanto não
pagares o último centavo” (Mateus 5:25-26).
O Novo Testamento relata que o Mestre, na
dimensão espiritual, “visitou e pregou aos espíritos em prisão” (1-Pedro 3:19).
Esse texto revela ser impossível a realidade das penas eternas, desde que está
bem claro que o Cristo foi “visitar e pregar” aos infratores da lei divina, o
que denota a possibilidade grandiosa da reabilitação dos mesmos, mostrando que
a prisão é transitória, o suplício é temporário e a misericórdia divina não tem
limites.
O pagamento será realizado com as benesses do
renascimento no berço físico, onde surgirá a oportunidade do reajuste com os
antagonistas: “E indignado, o seu senhor o entregou aos seus atormentadores,
até que pagasse tudo o que devia” (Mateus 18:34-35).
A reconciliação com o adversário terá de ser
atingida, no decorrer de inúmeras reencarnações, inclusive, com a oportunidade
de o renascimento físico ocorrer no mesmo lar, explicando o porquê de tantos
desencontros entre membros de uma mesma família, com falta de afinidade e a
verificação de intensa discórdia e desunião. Quantos filhos têm ódio de seus
pais e vice-versa, muitas vezes cometendo assassinatos? As páginas dos jornais
e os noticiários de TV diuturnamente noticiam crimes ocorridos no ambiente do
lar.
Inimizades
Expressivas exigem reajustes drásticos
As oportunidades reencarnatórias serão sempre
concedidas (“Entra em acordo com o teu adversário enquanto estás com ele à
caminho”- Mateus 5: 25) até que a união seja alcançada, a qual acontece mesmo
nos casos de desavença profunda a perdurar por muito tempo, até em séculos,
exigindo drásticos reajustes, com prejuízo marcante da vestimenta espiritual,
verificando a presença de lesões extrafísicas expressivas, não dando ensejo à
formação de um corpo normal.
As malformações, ainda não bem explicadas pela
ciência, recebem da Doutrina Espírita a devida explicação, ocorrendo realmente
nos seres refratários até então ao reajuste. Na gemelaridade imperfeita,
popularmente conhecida como “xifópaga”, os recém-nascidos estão unidos, corpo a
corpo, revelando uma ligação espiritual muito intensa alicerçada por laços
tenazes de ódio.
Na obra “Religião dos Espíritos”, cap. 23, o
Espírito Emmanuel, através da sublime mediunidade de Chico Xavier, afirma que
“ante o catre da enfermidade mais insidiosa e mais dura, brilha o socorro da
Infinita Bondade facilitando, a quem deve a conquista da quitação. Por isso
mesmo, nas próprias moléstias reconhecidamente obscuras para a diagnose
terrestre, fulgem lições cujo termo é preciso esperar, a fim de que o homem
lhes não perca a essência divina. E tal acontece, porque o corpo carnal, ainda
mesmo o mais mutilado e disforme, em todas as circunstâncias, é o sublime
instrumento em que a alma é chamada a acender a flama de evolução”.
O ensino
espírita sobre as causas das aflições
Na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, no
cap. V, Allan Kardec, com muita propriedade, trata do problema das aflições,
mostrando suas causas atuais e anteriores. Assim disse: “Desde que se admita a
existência de Deus, ninguém o pode conceber sem o infinito das perfeições. Ele
necessariamente tem todo o poder, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não
seria Deus. Se é soberanamente bom e justo, não pode agir caprichosamente, nem
com parcialidade.
Logo, as vicissitudes da vida derivam de uma
causa e, pois que Deus é justo, justa há de ser essa causa. Isso o de que cada
um deve bem compenetrar-se. Por meio dos ensinos de Jesus, Deus pôs os homens
na direção dessa causa, e hoje, julgando-os suficientemente maduros para
compreendê-la, lhes revela completamente a aludida causa, por meio do
Espiritismo, isto é, pela palavra dos Espíritos”.
“A lei humana atinge certas faltas e as pune.
Pode, então, o condenado reconhecer que sofre a consequência do que fez. Mas a lei
não atinge, nem pode atingir todas as faltas; prejudicam os que as cometem.
Deus, porém, quer que todas as suas criaturas progridam e, portanto, não deixa
impune qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que
seja, nenhuma infração da sua lei, que não acarrete forçosas e inevitáveis
consequências, mais ou menos deploráveis”.
“As tribulações podem ser impostas a Espíritos
endurecidos, ou extremamente ignorantes, para levá-los a fazer uma escolha com
conhecimento de causa. Os Espíritos penitentes, porém, desejosos de reparar o
mal que hajam feito e de proceder melhor, esses as escolhem livremente. Tal o
caso de um que, havendo desempenhado mal sua tarefa, pede-lha deixem recomeçar,
para não perder o fruto de seu trabalho. As tribulações, portanto, são, ao
mesmo tempo, expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e
provas com relação ao futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus, que,
em sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente
por uma primeira falta”.
“Não há que crer, no entanto, que todo
sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta.
Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua
depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova,
mas nem sempre a prova é uma expiação.
Provas e expiações, todavia, são sempre sinais
de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado.
Pode, pois, um Espírito haver chegado a certo grau de elevação e, nada
obstante, desejoso de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a
executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair vitorioso, quanto
mais rude haja sido a luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos
naturalmente bons, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece
nada de mau haverem trazido de suas precedentes existências e que sofrem, com
resignação toda cristã, as maiores dores, somente pedindo a Deus que as possam
suportar sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as
aflições que provocam queixas e impelem o homem à revolta contra Deus”.
A
casualidade não existe na obra divina
Em verdade, tudo tem uma finalidade, baseada na
infalível justiça divina, sabendo que a casualidade não existe, proporcionando
o Pai a todas as criaturas, a sublime oportunidade de lograr em definitivo a
paz.
Disse Jesus: “Bem-aventurados os que choram,
pois que serão consolados. Bem-aventurados os famintos e os sequiosos de
justiça, pois que serão saciados. Bem-aventurados os que sofrem perseguição
pela justiça, pois que é deles o Reino dos Céus”).
Jesus, mestre por excelência, “modelo e guia da
humanidade”, afirmou que toda a lei está contida nessa máxima: “Amar ao próximo
como a si mesmo”. Quando o amor que o Cristo exemplificou for vivenciado
realmente, o ser, vendo o próximo como a si mesmo, não terá mais a aflição
compulsoriamente como acicate à evolução. As infrações do passado serão
apagadas, desde que, segundo o apóstolo Pedro, “o amor cobre multidão de erros”
(1- Pedro 4:8).
O viajante que percorre trilhas, sem vivenciar
harmonia interior, procurando abrigo onde a luz maior não penetra, granjeará a
dor até se conscientizar de que precisa retornar à estrada da evolução, no
mesmo ponto em que dela se afastou. Quanto mais tempo levou se distanciando da
luz, mais longo será o retorno, a não ser que consiga através do atalho do
amor, mais depressa retornar.
O destino maior de todas as criaturas é a
exteriorização da perfeição, a qual já existia, em potencial, no momento da sua
transcendental concepção na Eternidade.
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