Quem se debruça com acuidade ao estudo das
obras básicas do Espiritismo perceberá de forma clara o método dialético –
processo de fusão da tese e da antítese, na produção de uma nova ideia. Allan
Kardec mergulha no universo do desconhecido, e em diálogo direto com as Vozes
dos Céus, os contradiz e arranca deles os mais íntimos segredos. Aliado a isso,
Kardec compreende que esse universo oferece um campo vastíssimo para o emprego
da sua didática, na qual dois elementos constantes foram aplicados: a
observação e o ensino.
Camille Flamarion, dileto discípulo de Kardec, no discurso em homenagem
fúnebre, quando o designa de “bom senso
encarnado”, realça essa característica:
“Razão
reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra permanente as indicações
íntimas do senso comum.” (grifo nosso)
O processo dialético tem necessariamente que ser uma constante nas
instituições espíritas. Aliás, o próprio Kardec afirma em Obras Póstumas, ao se referir à funcionalidade dessas instituições,
obviamente, através dos seus trabalhadores:
“(...)
a Sociedade tem necessariamente que exercer grande influência, conforme
disseram os próprios Espíritos; sua ação, porém, não será, em realidade,
eficiente, senão quando ela servir de centro e de ponto de ligação donde parta
um ensinamento preponderante sobre a opinião pública.”
O professor e filósofo J. Herculano Pires, pouco conhecido no movimento
espírita brasileiro, que segundo o Espírito Emmanuel é o metro que melhor mediu
Kardec, consciente dessa realidade, afirmou:
“Se
os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua
função e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante
movimento cultural e espiritual da Terra.”
A dinâmica deve ser efetivada pela ação dos espíritas no meio em que se
inserem, no que se pode qualificar como ativismo espírita, como está delineado
no capítulo XVII, de O Evangelho Segundo
o Espiritismo, “O Homem no Mundo”, mensagem assinada por Um Espírito Protetor. De forma especial,
destaca-se nesse mesmo capítulo “O Homem de Bem” e o “O Dever”.
Ativismo espírita é revolucionário, mas não reacionário. É viril, mas
não intolerante. É político, não partidarista.
Emula a coragem, não a valentia e a desordem. Faz do dever uma obrigação
moral para consigo e com o próximo. É racional, e não fanático. É pacífico e fraterno.
No transcurso do século XX, as
elites globais elaboraram as narrativas – fascista, comunista e liberal – que
possibilitariam a explicação do passado e do futuro do mundo inteiro.
Após o colapso da comunista, parecia somente sobrar a liberal.
Entretanto, chega-se em 2018 sem nenhuma narrativa. O que se vê, portanto, é
que nem tudo vai bem, apesar de avanço no campo do progresso tecnológico, a
humanidade tem que conviver ainda com a pobreza, a violência e a opressão. O
que se constata é uma desilusão com a narrativa liberal.
Os espíritas, por sua vez, não assumiram o protagonismo que lhes cabia,
encapsularam-se intramuros nas instituições espíritas, relegando o Espiritismo às
narrativas do aborto, pena de morte, eutanásia e suicídio, tão somente, como
soluções para os graves problemas que o Brasil enfrenta.
As massivas inserções no campo do assistencialismo
social espírita sempre seguiram em um vazio da crítica devida, considerando-se
à aversão declarada dos espíritas à política, como um todo.
De repente, o Brasil e o Mundo navegam em um mar de incertezas e sem
perspectivas para o futuro, só resta olhar para o passado; sonho ilusório. O
que é real e imaginário se confundem. O que aprendemos no passado não serve
para o enfrentamento do presente. A constituição do arranjo familiar sofre
mudanças conturbadas. O gênero humano não atende mais ao modelo binário.
A memória sempre generosa com os momentos de alegria estimula o
saudosismo do passado.
Os espíritas, no entanto, que no passado não experienciaram nenhuma
vivência no contexto político-social, arvoram-se a colocar os pés além do
umbral da porta do Centro Espírita e são tragados pela trágica polarização
político-partidária nacional.
Conflitando com o pensamento espírita, circular, integrador do conhecimento,
para se ajustar no contexto, partilham do pensamento radicalizador, o
pensamento binário-cartesiano: “ou/ou.” Certo ou errado; não há a terceira
alternativa. O “Amai-vos e instrui-vos”
do Espírito da Verdade não faz mais sentido. Os ideais de unificação e união
entre os espíritas são relegados. O ódio contamina as hostes espíritas. Os
conflitos soam de toda a parte.
Instalou-se o cisma espírita!
A fé racional de Allan Kardec se tornou a irracionalidade no “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”.
O movimento espírita brasileiro soçobrou! Sem nunca conseguir se
legitimar no contexto espírita, das federativas estaduais e da Federação
Espírita Brasileira, ouve-se um silêncio ensurdecedor. E sobre o nosso futuro,
quem afirma é o próprio Kardec:
“Se
– que Deus não o permita! – surgissem dissidências entre vós, digo-o com pesar,
eu me separaria abertamente dos que desertassem da bandeira da fraternidade,
porque, aos meus olhos, não poderiam ser encarados como verdadeiros espíritas.”
Que não se tenham dúvidas, a transnacionalização do Espiritismo
realizada pela Federação Espírita Brasileira e pela Associação Médico-Espírita
do Brasil está levando o Espiritismo para outra Pátria.
Dita e redita neste sítio, é necessário se referir novamente à mensagem
escrita pelo Espírito Massilon:
“(...)
Esta criança não tem pátria; percorre toda a Terra, procurando o povo que há de
ser o primeiro a arvorar a sua bandeira, e esse povo será o mais poderoso entre
os povos, pois tal é a vontade de Deus.”
As
duas correntes de pensamento são irreconciliáveis. O Espiritismo ao não
permitir interpretações ambíguas, naturalmente há equívocos em partes. Como
ficará o movimento espírita no futuro?
Já o Espiritismo no Brasil...
...Bye, Bye, Brasil!
REFERÊNCIAS
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. São
Paulo: Cia. Das Letras, 2018.
KARDEC, Allan. Revista espírita. nov/1861. Brasília: FEB, 2004.
____________. Evangelho segundo o Espiritismo. São Paulo: EME, 1996.
____________. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
____________. Revista espírita. Abril/1861. Brasília: FEB, 2004.
PIRES, J. Herculano. O Centro Espírita. São Paulo: LAKE, 1990.
____________. Pedagogia espírita. J. Herculano Pires, 1994.
Uma grata surpresa e uma enorme satisfação ter encontrado este blog e seus registros, que desde já, afirmo, históricos. Muito obrigado!!!
ResponderExcluirMuito grato pelo registro.
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