No ano de 1981, Gilberto Gil lançou a canção
“Se eu quiser falar com Deus”, numa enigmática cartilha que desafia à reflexão,
passados tantos anos daquele lançamento. Nas entrelinhas falar com Deus infere
“ficar a sós”, “apagar a luz”, “calar a voz”, “encontrar a paz”, “soltar os nós
da gravata, dos sapatos, dos desejos e receios” e assim vai estabelecendo os
passos do chamado, segundo o autor. Bem diferente do que se apregoa na
militância religiosa, onde falar com Deus exige a formulação de uma lista de pedidos
para alcançar o fim que, para o autor seria uma disposição para efetivamente
iniciar o contato. Significa que, na canção, falar com Deus requer um preparo,
o que na outra visão não é necessário.
Allan
Kardec trata do tema em O Livro dos Espíritos (com desdobramento nas demais
obras da Codificação), quando discute a Lei da Adoração (Da Prece - cap. IV da
terceira parte, q. 658 a 666). Nesse capítulo o Codificador chama a atenção,
como comentário ao item 666, que “Deus
age segundo unicamente as leis de sua natureza, sem ser constrangido por
ninguém” dando a Espinosa (Proposição XVII – da “Ética”) os créditos dessa
sentença. Dentre outros aspectos questiona a respeito do seu caráter geral (q.
659) e obtém como resposta: “A prece é um ato de adoração. Fazer preces a deus
é pensar nele, aproximar-se dele, pôr-se em comunicação com ele. Pela prece
podemos fazer três coisas: louvar, pedir e agradecer”.
Na
prática, o caminho é individual, como sempre. A comunicação é pessoal e
intransferível e, como força de compreensão, é uma via em dois sentidos. Deus
É. Logo não muda e assim a iniciativa de movimento não pode será Dele em
direção de cada um e sim de cada um em Sua direção. É o preparo pessoal que
efetiva a ligação pretendida, pois Deus sempre está pronto. “Deus é eterno,
infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom”
(LE q. 13). Jesus ensinou (Mateus VI; 6): “Tu, porém, quando orares, vai para
teu quarto e, após ter fechado a porta, orarás a teu Pai, e teu Pai, que vê em
secreto, te recompensará plenamente”.
O
mundo precisa de preces. Da pessoa que faz a prece em benefício do mundo é
requerida uma preparação. Prece é inundação de bênção, é enlevo, é manancial de
boas intenções, é compaixão, é entrega, é esperança, é incondicionalidade, é
sincera verdade. Antena com Deus só sintoniza se o pensamento representar nudez
da alma, salto na plenitude.
Alcançar
Deus pela oração significa estar além das palavras, embora seja a palavra o
veículo que transporta a prece verbal. A verdadeira prece, no entanto é
esculpida antes de se tornar sonora, no vazio de nosso silêncio profundo, quando
mostramos a identidade do que somos, acima da crítica do mundo e plena de
autocrítica.
Quisera
pudéssemos ver o espetáculo de uma prece que consegue alcançar a finalidade
mística a que se propõe... O mergulho em Deus. Momento solene em que a criatura
reverencia o Criador. Esplendor da manhã, magia de abrir de uma flor, beleza do
entardecer, emoção do sorriso de uma criança, maviosidade do canto de um
pássaro, deslumbre de uma estrela cadente. Poesia e mágica, o encontro do homem
com Deus pela prece.
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