Em tempos de angústia e de violência, de perplexidade e de desesperança, há fontes onde podemos nos retemperar e nos levantar. Tenho o hábito de ver, ler ou ouvir trechos, vídeos, filmes, poemas, que possam me apaziguar e me levantar em momentos em que as coisas parecem estar encurraladas.
E se há um texto sagrado, inspirador, para o qual sempre podemos voltar e encontrarmos um novo frescor, um inesgotável alívio e profundas releituras, é o sermão da montanha de Jesus. Esse texto está no Evangelho de Mateus, de maneira completa e mais dispersa em Lucas. Gandhi inspirou-se nele (e no Bhagavad Gita) para orientar a sua luta não violenta pela libertação da Índia. Kardec desmembrou alguns de seus versículos em capítulos, no Evangelho segundo o Espiritismo, aprofundando o sentido de cada versículo.
Passados dois mil anos que Jesus o pronunciou nas montanhas da Galileia, ainda nos serve de roteiro, de consolo, de esperança.
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus! E assim Jesus se dirige aos simples, aqueles que não têm tolas pretensões de superioridade sobre seus irmãos, aqueles que não são arrogantes, que não humilham ninguém, mas antes conseguem manter um olhar de transparência e humildade.
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados! E assim Jesus nos acena que toda dor é impermanente, que todo sofrer terá fim, que tudo sempre caminha para mais amor e felicidade, mesmo que tenhamos para isso de projetar o nosso olhar na eternidade.
Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra! E assim Jesus promete que depois que todas as guerras forem extintas, que todas as armas forem enterradas, que toda violência for banida, ficarão nesse mundo aqueles que fizeram de sua mansidão a semeadura da paz, que a terra afinal será pacificada, expurgada de todo ódio e de toda devastação.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos! E assim Jesus também aponta para a certeza de que a justiça afinal será feita, de que todos nós que hoje ainda sentimos a tormenta da fome e da sede de justiça, seremos alimentados num mundo em que não paire mais a exploração e a opressão. Caminhamos para a reparação de todas as injustiças, mas para isso temos que manter nossa fome e nossa sede acordadas, denunciando e combatendo as injustiças.
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia! E assim Jesus nos ensina a reciprocidade necessária da compaixão e da misericórdia entre todos e todas. Encontraremos a felicidade no perdão, na generosidade, na doação de nós mesmos e não no coração endurecido e estéril, indiferente e cruel.
Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus! E assim, Jesus relembra aqui outra passagem em que diz que temos de nos fazer como crianças para entrarmos no reino: a pureza, a simplicidade, a sinceridade são os caminhos para chegar a Deus e tocá-Lo dentro de nós e alcançá-lo no outro e senti-Lo no infinito. É a pureza da criança que se entrega e transcende e consegue ver o que outros não veem.
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus! E assim Jesus afirma que aqueles que trabalham pela reconciliação universal, que se engajam na pacificação do mundo, serão reconhecidos como filhos de Deus, ou seja, como aqueles que trazem na ação e na palavra uma inspiração divina, demonstrando sua conexão com Ele.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus! E assim Jesus nos conforta em relação a todos os torturados, excluídos, marginalizados, assassinados porque lutaram por um mundo melhor e encontraram a dureza dos que detêm o poder e dos que exploram e dos que praticam injustiças. O próprio Jesus foi um deles. Mas deles é o reino, porque carregam dentro de si a paz de haverem cumprido o bem e mostrado um caminho para o mundo.
Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, falarem todo mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus; porque assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós! E assim Jesus prevê que quando nos colocamos ao lado da justiça e do bem ainda nesse mundo dominado pelos injustos, pelos exploradores, pelos ambiciosos, pelos egoístas, um mundo como o nosso que admite que milhões não tenham o que comer, que haja massacres e mortes de inocentes, que não acolhe crianças em miséria, violência, fuga… seremos perseguidos, como ele foi. Mas ele nos oferece recompensas de paz na eternidade.
E os últimos versículos que vamos comentar aqui, porque o sermão ainda se estende no capítulo 5 de Mateus, é uma convocação de Jesus, tão atual e necessária ainda, como dois mil anos atrás. Seus seguidores salgaram a terra e brilharam no meio do Império Romano, diante de Nero assassino, diante de imperadores outros pervertidos, sádicos e que se consideravam deuses. E esse sal e essa luz dos primeiros cristãos transformaram o mundo. Mas ainda não o suficiente. E séculos depois, ainda precisamos confirmar as palavras do Mestre:
Vós sois o sal da terra; e se o sal se tornar insípido, com que se há de salgar? para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte,
Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos que estão na casa.
Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário