Não
entregues tua alma à tristeza, não atormentes a ti mesmo em teus pensamentos”
(Eclesiástico 30:22)
Muitas faculdades de medicina, em vários
países, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, já têm a disciplina de
Saúde e Espiritualidade aprovada, constando em seu curso. No Brasil, algumas
escolas médicas já a introduziram em seu currículo de forma optativa. No Estado
de São Paulo, pode-se citar a USP (Universidade de São Paulo), enquanto no
Estado do Rio de Janeiro, são apontadas a UFF (Universidade Federal Fluminense)
e a UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). No Ceará, alunos
do curso de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) dispõem, desde
2004, da disciplina Espiritualidade e Saúde.
Em Minas Gerais, a cadeira de Saúde e
Espiritualidade, da Faculdade de Medicina da UFMG, é a segunda criada no país.
Na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) existe o NUPES (Núcleo de
Pesquisa em Espiritualidade e Saúde), que faz parte do Programa de
Pós-Graduação em Saúde da UFJF e desenvolve pesquisas interdisciplinares de
excelência sobre as relações entre espiritualidade e saúde, sendo um centro de
referência nacional e internacional. Em Viçosa, existe o NEME - Núcleo de
Estudos de Medicina e Espiritualidade, vinculado ao Departamento de Medicina e
Enfermagem da Universidade Federal de Viçosa, criado em 2015. Paulatinamente, o
meio acadêmico verifica a importância da Espiritualidade na área da Saúde,
ressaltando, com muita ênfase, a sua importância na formação do profissional e
como eficaz coadjuvante no tratamento das doenças físicas e mentais. A
disciplina aplicada a estudantes de medicina e enfermagem tem o escopo de
enfatizar o reconhecimento da dimensão espiritual do paciente e,
consequentemente, conduzir a um atendimento mais humanizado.
Na Cidade do Rio de Janeiro, no INCA
(Instituto Nacional do Câncer) há um núcleo que promove assistência espiritual
e inter-religiosa aos pacientes, acompanhantes, familiares e funcionários,
acatando sua dignidade, individualidade e autonomia. É denominado de “Núcleo de
Assistência Voluntária Espiritual” (Nave) e está localizado no Hospital do
Câncer I (HC I), no prédio-sede do INCA (Praça Cruz Vermelha 23, 4º andar,
Centro - Rio de Janeiro). Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ),
alunos criaram a Liga Acadêmica de Medicina e Espiritualidade (Liame), em 2014,
para dar espaço a pesquisas e debates sobre o tema.
Em Niterói, a disciplina Medicina e
Espiritualidade, ministrada pela UFF (Universidade Federal Fluminense), além
das salas de aulas, atende gratuitamente, através de professores e alunos das
áreas de psicologia, medicina e arteterapia, pelo Núcleo de Estudos em Saúde,
Medicina e Espiritualidade (Nesme).
Na maior metrópole do País (São Paulo),
precisamente no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, existe um programa de Saúde,
Espiritualidade e Religiosidade, denominado de “proSer”, o qual trabalha com a
espiritualidade dos pacientes e prepara o agente de saúde para essa sublime
tarefa profissional. Outra boa iniciativa é verificada no hospital Albert
Einstein pelo funcionamento do Núcleo de Estudos sobre a
Religiosidade-Espiritualidade em Saúde (NERES), integrado no Grupo de Dor e
Cuidados Paliativos, onde se comprova os benefícios da fé, tanto nos pacientes
como nos profissionais de saúde.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia mantém
o Grupo de Estudos em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular (Gemea), com
centenas de médicos debatendo o assunto, sabendo que a pessoa que busca a
espiritualidade e que pelo menos uma vez por semana participa de um culto
religioso tem 34% a mais chance de proteção cardíaca, menor risco de
desenvolver câncer e de suicidar.
Ciência
atesta o Fator Espiritual no Conceito de Saúde
Alguns hospitais estão caminhando com passos
largos no sentido de colocar a espiritualidade no cuidado à saúde, reconhecendo
a relação entre elas como fator que contribui para o bem-estar do ser humano,
em consonância com a Organização Mundial da Saúde, ressaltando que ostentar boa
saúde não corresponde somente à ausência de doenças e enfermidades, mas a um
estado de completo bem-estar físico, mental e social.
Engolfados em setores mais avançados de
agenda da saúde, reforçados pelas considerações da resolução da 101a Sessão da Assembleia Mundial de Saúde
propondo uma modificação do conceito de saúde da OMS para um estado dinâmico de
completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, muitos especialistas
demarcam, então, a saúde de forma mais abrangente como contentamento
biopsicossocial-espiritual, ou seja: bem-estar físico, psicológico (mental e emocional),
social (contexto ambiental) e espiritual (sentido para a vida).
A Ciência, paulatinamente, vai constatando, o
que muitos setores espiritualistas vêm reafirmando há milênios, que a vida é
regida em duas faixas vibratórias que se interpenetram, a espiritual e a
física, sendo que a primeira, preexistindo ao corpo e sobrevivendo após seu
falecimento, regida pela imortalidade, é a responsável pelas doenças que se
instalam na organização somática. A medicina hodierna sabe de a necessidade do
tratamento ocorrer de maneira integral, abrangendo igualmente os fatores
sociais e psicológicos atuando sobre os processos orgânicos do corpo e sobre o
bem-estar das pessoas. Felizmente, está havendo, na seara médica, uma mudança
de paradigma, porquanto o profissional de saúde, assim como o paciente,
vivencia emoções e sentimentos, rodeado de uma intensa e “fria” parafernália
instrumental.
Importante ressaltar que a espiritualidade,
intimamente ligada aos cuidados à saúde, agindo no paciente e até mesmo no
profissional de saúde, não faz restrição a qualquer crença específica,
respeitando a religião de cada ser. Em verdade, a espiritualidade versa sobre
as relações do homem com o transcendente. Segundo Koenig, Mccullough e Larson,
no livro “Handbook of Religion and Health”, espiritualidade “é uma busca
pessoal para entender questões relacionadas ao fim da vida, ao seu sentido,
sobre as relações com o sagrado ou o transcendente, que pode ou não levar ao
desenvolvimento de práticas religiosas ou formações de comunidades religiosas”.
Nos últimos anos a valorização da dimensão
'não-material' ou espiritual nos domínios médicos tem crescido em importância,
chamando a atenção de muitos pesquisadores. Centenas de estudos, relacionando
espiritualidade e saúde, são unânimes na verificação de que as pessoas
espiritualizadas são mais saudáveis, requerendo menos assistência de saúde e
amalgamadas com estilos de vida que promovem a saúde. Geralmente são muito
caseiras e totalmente refratárias às drogas. Em relação à depressão, são menos
acometidas e as que padecem desse mal têm boa recuperação quando recebem
intervenções que envolvam maior religiosidade. Importantíssimo para a
manutenção da saúde a prática religiosa, ao lado das atividades físicas e da
meditação.
A medicina de atuação completa ressalta a
importância do cultivo dos bons sentimentos, acreditando que processos regidos
pela culpa, mágoa, egoísmo, raiva, rancor e outros sentimentos doentios são
causa ou agravamento de enfermidades. Como é importante para a saúde do
indivíduo cultivar a fé, desde que muitos trabalhos científicos atestam que
esse salutar sentimento influencia na saúde física e mental, diminuindo os
riscos de diabetes, doenças cardiovasculares, respiratórias, infartos,
insuficiência renal e acidente vascular cerebral, propiciando equilíbrio
neurofisiológico e hormonal. Em 2004, o São Paulo Medical Journal, da
Associação Paulista de Medicina, publicou uma pesquisa em cancerosos,
enfatizando que o poder da prece é benéfico, agindo na recuperação desses
pacientes.
A
Importância do Evangelho no Entendimento de Espiritualidade e Saúde
Importante igualmente o cultivo do amor no
coração, exercendo com fervor sua religião e praticar a caridade, que é o amor
em ação, tanto para o próximo, quanto também para os animais e a flora. O
Evangelho de Jesus, com suas lições eternas e belíssimas, pregando a prática da
misericórdia em todos os momentos e circunstâncias, propicia ao homem a
oportunidade gloriosa de galgarem um caminho, distanciado das plagas do egoísmo
avassalador e dos pensamentos destrutivos, causas de todas as mazelas que
assolam o ser humano.
O maior mestre que a humanidade tomou
conhecimento, ao ser questionado a respeito da felicidade perene, que nunca
cessará, revelou, carinhosamente, um roteiro sublime de iluminação, o qual
consiste no amor a Deus e ao próximo como a si mesmo (Mateus 22:40). A afeição
dispendida ao semelhante é a chave de libertação do indivíduo subjugado por
pensamentos intrusos ou aprisionado pelo egoísmo que despreza as necessidades
alheias. Essencial para a cura definitiva de um mal é afastar o orgulho e a
presunção do interior de quem está em sofrimento e observar também as opiniões,
interesses e imperativos de outrem. Quando a pessoa está se defrontando com batalhas
em benefício do próximo, não tem mais tempo e disposição para ser subjugado
pelos sofrimentos causados a si próprio. Ao mesmo tempo, constata que o
transtorno do semelhante é deveras mais cruel do que ele próprio experimenta.
Exercendo a caridade, o indivíduo sente a
sensação de dever cumprido e, ao mesmo tempo, vivencia intenso bem-estar,
consequência da liberação de neurotransmissores, como a ocitocina e a
endorfina, proporcionando paz e levando à melhora na imunidade, defendendo
eficazmente o organismo dos agentes perniciosos. O contrário acontece quando o
ser se defronta com emoções negativas. Portanto, a disciplina de Medicina e
Espiritualidade atua no paciente para que se esforce para erradicar de si os
maus sentimentos, as sensações negativas, como a culpa, o remorso, o rancor, a
apatia, o apego e outras toxinas emocionais.
Em relação aos sentimentos negativos da
mágoa, da raiva e do ódio, as pesquisas indicam para a importância de
conscientizar as pessoas no sentido da prática do perdão, desde que o
ressentimento, a mágoa guardada, atua por baixar a imunidade e estar associada
também ao câncer. Já dizia um ilustre pensador (origem desconhecida):
"Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa
morra". O ser constantemente se agita interiormente, guardando uma sombria
relíquia dentro de si, entulho constituído de lixo emocional. Há necessidade da
sua limpeza urgente, o que acontece quando concretiza o ato de perdoar de
verdade, de coração, nunca da boca para fora.
Concedendo o perdão, o sentimento ruminado desaparece e se vivencia a
sensação benéfica de alívio, representado no organismo físico pela liberação
dos neurotransmissores ocitocina e endorfina, com subsequente melhora na
imunidade aliada ao bem-estar.
Na Bíblia, o significado do verbo perdoar na
língua grega é, literalmente, “cancelar” ou “remir”, como também, “abrir mão”
ou “deixar ir embora”. Jesus usou de imagem figurada, comparando a importância
do perdão ao pagamento de uma dívida, na Parábola do Devedor Incompassivo
(Mateus 18:23-35). O Mestre, em sua oração, clamou a Deus, dizendo: “E
perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos
deve”... (Lucas 11:4). Em verdade, o Cristo, psicoterapeuta por excelência,
exortou a humanidade à prática incomensurável do perdão, respondendo a Pedro
que lhe perguntou: “Até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe
perdoarei? Até sete? ” Jesus, porém, ensinou que o perdão deve ser sempre
concedido, indefinidamente, respondendo: “Não até sete, mas até setenta vezes
sete” (Mateus 18:21-22).
"A misericórdia é o complemento da
brandura, porquanto aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e
pacifico. Ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas..."(O
Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. X - Item 4).
Essencial que a reconciliação se processe
ainda na atual jornada reencarnatória, porquanto não sendo outorgado o perdão,
o sofrimento continuará a ser vivenciado, após a morte, na dimensão da
imortalidade, e permanecerá até chegar o momento da libertação final, a qual
poderá ocorrer por meio do renascimento na carne dos inimigos espirituais em um
mesmo lar.
É preciso mudar a forma como se veem os
eventos ruins e a disciplina de Medicina e Espiritualidade surge para aparar
todas as arestas, como a acalmia é esperada depois que passa a tempestade.
A vida congratula a todos os agentes de saúde
que estão arrolados nesse magnânimo trabalho de amor ao próximo.
Bibliografia
Koenig H. G., King D. E., Carson V. B.,
“Handbook of Religion and Health”, 2nd Edition, New York, NY, Oxford University
Press, 2012;
Kardec, Allan, “O Evangelho
Segundo O Espiritismo”, Cap. X - Item 4).
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