Saiba, prezado leitor, que é impossível você
banhar-se duas vezes no mesmo rio. Não se trata de nenhum rio especial,
dominado por piranhas, ou gelado demais, onde se mergulha uma vez e nunca mais.
Pode ser qualquer curso d’água.
Quem diz isso é Heráclito (540-480 a.C.),
filósofo grego de Éfeso, que, em virtude de suas ideias complexas, era chamado
“o obscuro”.
O insólito rio, onde é impossível tomar banho
mais de uma vez, está longe de justificar o depreciativo apelido. É fácil
entender sua afirmação. Em qualquer trecho onde nos banhemos, fluem sem fim as
águas, a seguirem seu curso.
É como se fossem rios a se sucederem,
infinitamente.
As águas de nosso banho não voltarão jamais.
Heráclito usava essa imagem para demonstrar
que tudo no Universo está em contínua agitação, um fluir incessante,
renovando-se as situações, os dias, as horas…
Esse movimento é orientado pelo logos, uma ideia
diretora, uma razão primordial. Toda a virtude está no esforço por observar os
princípios éticos que dele emanam.
Mudam as palavras, perpetuam-se os
princípios, quando exprimem a verdade.
A Doutrina Espírita nos diz que há,
realmente, um poder diretor para o Universo, um logos. Ele é sustentado por
Deus, o Criador incriado, a inteligência suprema, causa primária de todas as
coisas, como está na questão primeira de O Livro dos Espíritos.
O logos consubstancia-se nas leis divinas que
regem nossa evolução, das quais nos fala Allan Kardec, particularmente quando
aborda As Leis Morais, em O Livro dos Espíritos.
Ser perfectível, o Homem ainda está a
caminho, submetido a mecanismos de evolução, como o rio em constante movimento,
rumo ao oceano (leia-se perfeição).
Sucedem-se os estímulos a cada momento,
impondo-nos um caminhar incessante. Ainda que, aparentemente, se repitam as
experiências, algo vai mudando em nós, no desenrolar dos anos, renovando-nos
como se renovam as águas do rio.
Há certa dificuldade para assimilar os
princípios do logos.
Como explica Heráclito, tendemos, em face de
nossa imaturidade, a cair no egocentrismo, a nos situar como se fôssemos o
próprio. Pretendemos, então, que tudo gire em torno de nossos interesses e
paixões, qual rio represado em buraco profundo.
Mas o fluxo incessante das águas o fará
transbordar, impondo-lhe seguir adiante.
Podemos, no desdobramento de nossas
experiências evolutivas, escoar para abismos de vícios e desatinos. Mas também
experimentaremos um extravasamento, algo como o tédio da própria estagnação ou
o impulso irresistível de abandonar a voragem do eu e atender à divina vocação
– evoluir.
A emanar de Deus, a Vida derrama-se,
incessante, na intimidade de nosso ser, induzindo-nos a seguir adiante, cada
vez mais longe, rumo a gloriosa destinação.
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