Tenho observado os caminhos das retóricas
utilizadas comumente nas casas espíritas, e me torno cada vez mais curiosa,
trabalhando análises com a finalidade útil de perceber o elo perdido entre
Kardec e os kardecistas comuns.
Em Kardec, as revelações dos espíritos
atiçaram o espírito de criticidade, procura, amadurecimento filosófico e quebra
de paradigmas. Será que é possível dar um salto tal qual aquele sem sentir
coisas de “gente”, como as ditas emoções “negativas”?
Mistificação seria o nome?
Qual homem de ciência nunca experimentou
decepções, frustrações, e neste ínterim, redescobriu estradas harmônicas e
construiu novos conceitos?
Pois que uma postagem bem intencionada na
página de um ilustre conhecido me fez pensar no quanto a retórica da autoajuda
serve de trambolho no caminho do crescimento, autonomia cognitiva e expansão
espiritual madura.
Quantos homens e mulheres portadores de
carimbos, não estão se utilizando de falas adocicadas, para fomentar a
sociedade passiva, a responsabilização individual pelas mazelas que nos rondam,
inclusive depressão, que é temática delicada.
A crença de que ser espírita é evitar
enfrentamentos, está prestes a ser superada, pois muitos de nós já reconhecemos
que algumas “bulas” não servem ao crescimento real do ser, mas ao contrário,
são mantenedoras de bolhas assépticas e justificativa moral para omissões
pontuais, com relação à justiça social e condição humana nos contextos de
desigualdade e opressão.
Analisando o discurso abaixo, tenho mais
convicção de que sou kardecista, e por esta mesma razão, não me sinto
contemplada com tal modelo, já que a saúde também é um fenômeno
político-cultural, e urge defendê-la como um direito coletivo.
Eis o texto:
“O professor de Biogerontologia Dr. Juan
Hitzig estudou sobre algumas características de pessoas saudáveis e com
longevidade acentuada e concluiu que além das características biológicas, temos
também as nossas condutas e atitudes.
Segundo ele, cada pensamento gera uma emoção
e cada emoção um circuito hormonal que terá impacto nos 5 trilhões de células
as quais formam nosso organismo.
As condutas “S”: serenidade, silêncio,
sabedoria, sabor, sexo, sono, sorriso promovem secreção de Serotonina, isto é,
o nosso hormônio da felicidade.
Enquanto que as condutas “R”: ressentimento,
raiva, rancor, reprovação, repressão, resistência facilitam a secreção de
Cortisol, ou seja, um hormônio corrosivo para as nossas células e acelera
também o nosso envelhecimento.
As condutas “S” gerarão atitudes” A” tais
como: amor, ânimo, amizade, apreço, aproximação. Já as condutas “R” gerarão
atitudes “D”: depressão, desânimo, desespero, desolação.
QUE TENHAM UMA EXCELENTE VIDA, PLENA DE
SEROTONINA.”
Apesar de toda pseudo-bondade, o texto premia
os “adaptados” com as vivências felizes e canaliza para os questionadores e
insatisfeitos doenças e infelicidade.
Com tal intencionalidade discursiva, a
probabilidade de termos uma encarnação completamente desperdiçada nos
labirintos da egolatria e indiferença social, é altíssima.
Estes rastros discursivos estão se tornando
cada vez mais instigantes, pois foi este senso de assepsia que gerou as brechas
para que o ódio e o fascismo pudessem entrar galopantes nas casas espíritas do
Brasil.
Ainda não é possível prevê o futuro dessa
serotonina alienante.
É fato que a densidade dos pensamentos geram secreções compatíveis, afinal o cérebro reage de forma também diria "hormonal" às induções mentais quaisquer que sejam. Reconhecer essa realidade não pode nos deixar como náufragos perdidos no oceano das relações coletivas lutando para uma salvação individual reconhecendo que apostar na crítica cotidiana é obrigação da qual nenhum espírita pode se licenciar. Debater, discutir e indignar-se diante do absurdo é sensato e esperado de qualquer pessoa civilizada. Entenda-se, porém que ao espírita é exigida a isenção do pensamento de ódio e vingança, pois esses sentimentos haverão de nos tornar tão poluídos quanto aqueles que pretendemos combater. O combate às idéias, mormente essas que tornam o nosso país uma piada internacional e preocupa aos que têm senso, precisa ser incisiva, altiva e enérgica, sem que percamos a nossa visão de futuro. Sem arrefecer e sem soltar as mãos um do outro é necessário que mantenhamos a serenidade como uma forma de conseguirmos respirar fora desse vapor pestilento dos tempos atuais com a convicção de que por pior que seja o momento tudo passa e certamente passará mais rápido se não houver omissões como muitas que estamos testemunhando, inclusive nas casas espíritas. Roberto Caldas.
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