As revoluções armadas redundam sempre em
ditaduras, portanto há uma imposição de uma certa ordem social e novas relações
de produção, eliminando-se os que não concordam ou os que faziam parte da ordem
anterior. Ocorre que as pulsões humanas de ganância, dominação e poder
permanecem intactas naqueles que promoveram e comandam a nova ordem. Assim,
temos os privilégios do partido dominante, a tortura e o massacre dos
opositores e outras desgraças tão antigas quanto a humanidade. Se as revoluções
foram historicamente necessárias, para ensaios de novas formas sociais, e mesmo
como manifestação legítima contra as injustiças de um sistema, rapidamente elas
degeneraram e praticaram atrocidades idênticas aos regimes que depuseram.
Com isso, queremos dizer que precisamos
finalmente achar novos caminhos de mudança social e de abolição das estruturas
injustas e violentas que mantêm a maior parte da humanidade sob a canga da
dominação e da pobreza. Soluções mais duradouras, porém mais difíceis, mais
profundas e mais criativas.
O primeiro e mais importante caminho – e digo
isso como educadora, que se dedica a essa missão há mais de 30 anos – é
justamente a educação. Mas entendendo educação como um processo amplo de
abertura de consciência, de leitura crítica do mundo, de desenvolvimento ao
mesmo tempo de talentos individuais e de espírito comunitário e cooperativo.
Não estou me referindo à educação para submeter o cidadão ao mercado de
trabalho. Mas à educação que emancipa, empodera e desperta a sensibilidade, as
emoções positivas de amor e fraternidade, os princípios necessários de justiça
e igualdade.
Sei que essa educação encontra fortíssima
resistência no sistema, pois o sistema usa as instituições educativas (a partir
da família) como forma de moldar o povo para servir aos seus interesses, seja
qual for o poder dominante – a Igreja fez isso, o capital faz, os Estados
totalitários à direita e à esquerda fazem. Por isso, a nossa militância deve
ser contínua, incansável, criando espaços para crianças, jovens e adultos, onde
essa educação de emancipação seja construída e cultivada.
O segundo e igualmente importante caminho são
os processos de terapia pelos quais todos os seres humanos deveriam passar:
para descontruir o que ficou de marca negativa em sua própria educação; para
saber lidar com as próprias emoções e fazer uma busca de autoconhecimento e,
assim, se tornar um ser humano minimamente sociável, equilibrado que não saia
por aí matando, competindo com o outro para eliminá-lo, batendo em mulher ou
cometendo feminicídio (no caso dos homens); que entenda que a busca desenfreada
por poder e dinheiro é uma forma de compensação burra e destrutiva para alguma
frustração sexual ou emocional…
O terceiro caminho, que aponto aqui, que deve
interagir com os outros dois, são as ações comunitárias, as formas de
organização social livres do Estado e livres do poder do capital. Ou seja, é o
povo se organizando, criando uma economia independente, produtiva e
igualitária. Cito aqui um exemplo concreto disso no Brasil, que é o MST: um
movimento que não usou de revolução armada (ou seja, não saiu por aí matando
latifundiários, aliás, muitas vezes, foram mortos por eles), mas usaram de
ações de invasão, assentamento, escolas, e depois se tornaram em alguns pontos
do Brasil, produtores agrícolas cooperados. Nesse ano, de 2020, por exemplo,
eles anunciam a colheita de 15 mil toneladas de arroz orgânico, mantendo-se
como o maior produtor desse setor na América Latina. Isso é ação revolucionária
pacífica.
Outro exemplo, é o movimento que está sendo
convocado pelo Papa Francisco, a Economia de Francisco e Clara, cujo encontro
seria por esses dias em Assis, mas que foi adiado para novembro, por causa do
Corona. Trata-se de levantar ideias, incentivar projetos, apoiar comunidades
que estejam nesse espírito cooperativista, sustentável e ecologicamente
engajado.
O caminho ainda que desejo acrescentar é o de
uma espiritualidade crítica. O que significa isso? É a abertura para a
transcendência, para a dimensão espiritual da vida, com a crítica contundente
aos que exploram a fé, aos que usam das instituições religiosas, para dominar,
abusar e submeter os adeptos. Inspirar-se nas grandes tradições espirituais da
humanidade traz esperança, conforto e solidez em nossas ações. Mas é preciso
que nos imunizemos contra aqueles que usam as religiões para os fins mais
violentos possíveis.
Tudo isso, para alguns, à direita ou à
esquerda (pois a violência dos extremos se toca), pode parecer utópico e
distante. Podemos sim considerar que a humanidade anda muito devagar em sua
busca de soluções amplas, profundas e fraternas para um mundo de exploração e
injustiça. Mas sendo a lentidão de fato angustiante, acontece de repente um
Coronavírus, provocando uma crise tão ou mais angustiante na saúde, na
economia, no ordenamento social e internacional. Para mim, como espírita, a dor
é um processo às vezes necessário e pedagógico. Então, a crise é nossa grande
oportunidade de aprendizado de novos paradigmas de vida. Nessa crise, vamos identificar
muito bem aqueles que se importam minimamente com o próximo e os que apenas
querem salvar a própria pele; vamos tomar consciência das prioridades
existenciais da nossa vida; vamos constatar o quanto um desaceleramento desse
sistema enlouquecido vai fazer bem para a natureza… Organizemo-nos, pois, entre
os que acreditam na igualdade e na paz, na cooperação e na solidariedade,
fazendo firme (não violenta) oposição aos parasitas, sacudindo as estruturas
arraigadas da exploração, com a força do amor.
Graças a Deus eu li esse artigo depois daquele texto trevoso que trata da opinião de um espírita acerca de "merecimento e igualdade", segundo aquele autor "segundo o espiritismo". Obrigado professora por trazer palavras espíritas para apontar possíveis caminhos pacificados de encontrar-se um caminho espiritual para os destinos do planeta. Roberto Caldas
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