Recentemente, a Justiça negou indenização de R$ 1 bilhão de danos
morais, pedida por uma instituição religiosa contra a produtora Porta dos
Fundos e Netflix, pela produção do especial de Natal – “A primeira tentação de
Cristo” – do grupo de humoristas “Porta dos Fundos”.
Além da surpreendente iniciativa religiosa, a celeuma criada em torno do
especial de Natal permite várias reflexões. Uma delas, não poderia ser
diferente, é relacionada ao personagem principal do episódio – Jesus Cristo. E
é dele que se apresenta uma situação, dentre as muitas que se enquadram as
discussões, é a passagem de Jesus e Zaqueu.
Como é sabido, Zaqueu era o chefe dos cobradores de impostos, classe
social odiada pelos Judeus, compatriotas de Jesus, considerados de má vida.
Eram considerados traidores, por roubar seu próprio povo. Jesus, ao passar em
frente à residência de Zaqueu, resolve pernoitar em sua casa, o que provocou
uma reação, não muito diferente das relacionadas ao especial citado. O fatos
narrados acima trazem em tese exemplos de puro preconceito, característica das
pessoas que julgam algo com fundamento nas opiniões de outros.
No caso brasileiro, Jesus é usado como pano de fundo para tentar
esconder o preconceito com relação ao público LGBT.
O termo homofobia foi usado pela primeira vez em 1971, pelo psicólogo
nova-iorquino George Weinberg, em sua obra Sociedade
e Saúde Homossexual. Na obra, até de retirar o termo
“homossexualidade” da lista das doenças, ele afirma que as pessoas que
alimentam a homofobia possuem problemas psicológicos. A homofobia corresponde a
qualquer ato ou manifestação de ódio, aversão, repulsa, rejeição ou medo
(muitas vezes irracional) contra os homossexuais, gays, lésbicas, bissexuais,
travestis e transexuais, o que tem levado a muitos tipos de violência, seja
social, psicológica ou física.
A homofobia é um preconceito. Como a palavra indica, ter preconceitos é
assimilar as percepções com valores pré-estabelecidos, fundamentado nas
opiniões de terceiros. Comumente, esses valores são adquiridos, quando criança,
com os valores dos adultos com quem se convive. São incorporados pela criança
de forma tão sutil que nem se percebe. Isto é absorvido através de comentários
sobre a religião ou sexualidade de alguém, vizinhos ou mesmo parentes.
O preconceito é uma “farpa de madeira” inflamada na alma. Denota, sem
sombra de dúvidas, atraso espiritual. O indivíduo preconceituoso transita
desatento pelos processos da vida em si, demonstrando total falta de autonomia,
pois ainda necessita de juízos de terceiros, incapacitado para uma vivência
ética autônoma.
O exemplo de Jesus com Zaqueu demonstra o que é o indivíduo desprovido
de qualquer influência alheia quanto às emoções e sentidos de vida, pois sabia
caminhar discernindo por si mesmo. Jesus em sua vida de relação, demonstra em
muitas situações essa autonomia.
O preconceito, na realidade, nasce da preguiça que temos de pensar e
apelamos para o julgamento. Pensar dói. O ato de pensar exige muito do
indivíduo e é doloroso, por isso recorrer ao julgamento é mais fácil.
Comumente, as classes dominantes apelam para essa fragilidade do ser humano e
planta as suas ideias com o propósito de manipulação ideológica, promovendo-se
as desigualdades e as injustiças sociais. O momento que a sociedade brasileira
atravessa é um laboratório fantástico dessas expressões.
Os preconceitos visíveis sobre sexo, religião, raça, velhice, nação, e
tantas outras, demonstram que a régua que se utiliza é derivada por valores
culturais que fazem parte da socialização do indivíduo.
O espírita, em contato com o Espiritismo, é obrigado a rever toda a
escala de valores e renová-la, estando presentes os ensinamentos espíritas,
como bem se lê a questão nº 799 de O
Livro dos Espíritos:
“Como pode o Espiritismo contribuir
para a evolução humana? Pode ajudar a derrubar as ideias da filosofia
materialista e assim fazer os seres humanos entenderem onde se encontram os
seus reais interesses. Pode eliminar as dúvidas acerca da vida após a morte, de
modo que as pessoas possam se sentir seguras a respeito do futuro. E pode ser
vital em erradicar os preconceitos de religiões, classes sociais e raças. A
doutrina irá, por fim, ensinar à humanidade a grande lição de irmandade sob a
qual todos os homens e mulheres irão eventualmente viver em solidariedade”.
É hora de romper com o homem velho e assumir o homem novo em Cristo,
versão que construirá o futuro da Humanidade.
No tempo de Jesus, um judeu não podia aproximar-se de pessoas
consideradas impuras, nem falar e nem se hospedar. E Jesus mostrou autonomia na
sua forma de se conduzir e não se levar pelos preconceitos culturais da
sociedade de sua época. Mostrou autonomia em não se fechar, como muitos
espíritas se enclausuram na casa espírita, tornando-se adeptos de uma
misantropia incompatível com a mensagem espírita.
Jesus, no contato com os “impuros” mostrou um nível ético por
excelência, evidenciando que esses estão mais perto de Deus do que os doutores
da Lei. A intolerância agressiva e preconceituosa dos judeus foi substituída
pelo comportamento universalista, profundamente humano, contrário aos
divisionismos sectários que constituem amarga negação do princípio do amor.
Jesus é claro ao sintetizar seus ensinamentos no amar ao próximo como a nós
mesmos.
Estivesse hoje Jesus, no templo forense da
Fé, diante dos inoperantes expositores e ouvintes impassíveis, adorando mais Mamon que
O Pai, certamente, Jesus sairia pela “porta dos fundos” e iria ao sambódromo
assistir um visão mais real de Si.
Bibliografia:
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. EME.
PIRES. J. Herculano. O homem novo. São Paulo: Correio Fraterno, 1989.
WEINBERG, George. Sociedade
e saúde homossexual. New York: Oxford UP, 1972.
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