Douglas Rushkoff, mais
conhecido por sua associação com a cultura cyberpunk
antiga e por sua defesa de soluções de código aberto para problemas
sociais, foi convidado para realizar uma conferência sobre o “futuro da
tecnologia”. Para o seu espanto, o que ele imaginara, ou seja, falar para cerca
de aproximadamente cem banqueiros de investimentos, resumiu-se em cinco
sujeitos super-ricos, confinados em uma sala simples em torno de uma mesa.
Após algumas perguntas
evasivas, o executivo-chefe de uma corretora explicou que já havia concluído um
bunker e
lançou a pergunta: “Como
faço para manter a autoridade sobre minha força de segurança após o evento?”
O
Evento. Eufemismo que ele utilizou para definir uma situação
caótica que dentre as relacionadas está a que o Planeta vive no momento.
Rushkoff, respondeu:
“Deviam envolver-se com suas
equipes de segurança como se estas fossem formadas por membros de suas próprias
famílias. E quanto mais eles pudessem expandir esse espírito de inclusão para o
resto de suas práticas de negócios, gerenciamento da cadeia de suprimentos,
esforços de sustentabilidade e distribuição de riqueza, menor a chance de haver
um evento, em primeiro lugar. Toda essa magia tecnológica poderia ser aplicada
desde já, para fins menos românticos, porém muito mais coletivos.”
Obviamente, a conclusão do
grupo, mesmo considerando otimista o ponto de vista apresentado, foi de não
aceitação.
O que se caracteriza nesse
diálogo é a narrativa do mundo resultado do vírus
do
capitalismo, que também sofre suas mutações ao longo do tempo. Não só nessa
pandemia como em todas as outras enfrentadas se identifica a maior pandemia, a
deflagrada pelas desigualdades
sociais. Um exemplo
clássico são as pessoas majoritariamente brancas, com poder aquisitivo alto,
que viajaram para fora do país e se contaminaram. No entanto, o COVID-19 é mais
letal nos pretos do que nos brancos, no Brasil. O aprofundamento das piores
consequências pandêmicas sempre recaem nos mais frágeis socialmente, é a
extensão do fenômeno existente no capitalismo denominado por lutas de classes.
No passado, consideradas
castigo divino as ações defendidas pelas religiões mais acentuavam do que
realmente controlavam, pois as aglomerações disseminavam mais os vírus.
Na ebulição da pandemia,
seja o leigo, o cientista, o filósofo, o líder religioso, há unanimidade: a Humanidade
tem que mudar a forma de relacionamentos entre os indivíduos e as nações. É
inadmissível que das 18 maiores empresas farmacêuticas, 15 abandonaram as
pesquisas para desenvolvimento de novos antibióticos e antivirais. Uma vacina
universal contra a gripe, com alcance nas partes imutáveis das proteínas de
superfície do vírus, tem sido uma possibilidade durante décadas, mas pouco
nunca considerada lucrativa o suficiente para ser uma prioridade.
Há a necessidade de se pensar, questionar e
descrever essas mudanças. Perguntas tão manjadas como: Quem somos nós? Por que
estamos aqui? Para onde vamos? continuam sem respostas. A natureza e a destinação do homem são as
condições fundamentais para a sociedade que se sonha. A mídia no entanto, só
concentra as discussões acerca do “deus mercado”, antropomorfizado, se está
mais ou menos nervoso.
As religiões perderam a
capacidade de pavimentar um caminho para uma sociedade mais livre, igual e
fraterna. Infelizmente, no Brasil, o movimento espírita levou o Espiritismo
para a vala comum das religiões. Com essa pandemia, catapultou de uma só vez os
frágeis valores das religiões. Ritos, sacramentos, os milagreiros e falsos
profetas, a pandemia os sepultou de vez. Quem tem olhos de ver e ouvidos para
ouvir, ensinamento de Jesus, é recomendação para mudanças.
Somente a filosofia terá
condições de responder às inquietações do mundo pandêmico de valores. A única
filosofia que o capitalismo ofertou é o consumismo. A dialética do materialismo
histórico, conforme bem acentuou Karl Marx, é diferente do materialismo
criticado por Allan Kardec. Max, entretanto, tinha o desejo de que existisse
uma filosofia que possibilitasse as mudanças que ele só divisava pela luta.
Kardec, um homem
vanguardista, conhecedor das ideias de Karl Marx pela amizade próxima que
mantinha com Maurice Lachâtre, pois comungavam ideias que tiveram influência
nos movimentos socialistas da época, define O
Livro dos Espíritos como filosofia
espiritualista, e não filosofia espírita, com espírito de
sistema, mas aberta para dialogar com o conhecimento humano.
Bingo! Aqui é o núcleo do
diálogo entre Marxismo e Espiritismo. A especulação filosófica que deslocou seu
eixo: o pensamento grego voltou-se, até Sócrates, para a natureza, o medieval
para Deus, a filosofia moderna para o homem e a filosofia espírita,
consolidando-as, para o Espírito, fundamento maior dessa evolução do
pensamento.
Chega ao mundo a práxis (1) da filosofia –
sonhada por Marx – que até então só se ocupara em explicar o mundo. O
Espiritismo nasce do movimento Iluminista,
movimento
filosófico surgido no século XVIII, conhecido como “Século
da Filosofia” ou “Século
das Luzes”, que tem como fonte principal o racionalismo e
vem demolir a tradição para instaurar a luz, a clareza e a distinção da razão.
A
concepção original do Espiritismo, com propósitos modeladores das ideias se
cumpre por cerca de 50 anos depois do seu nascimento e quem nos oferece essa
realidade é Léon Denis, através de vários artigos condensados e publicados pela
CEALD, com o título “O
Futuro do Espiritismo”. Denis oferece material valiosíssimo da
penetração do Espiritismo na religião, na filosofia e na ciência, como Kardec e
os Espíritos Reveladores desejavam. Leia-se o que afirmou um pastor, A.
Benézch, amigo de Denis, de Moutauban, que para ele foi considerado um
verdadeiro indiciador:
“Pressinto que o Espiritismo bem
que poderia se tornar uma religião positivista, não como as religiões
reveladas, porém na qualidade de religião estabelecida sobre fatos de
experiência e plenamente em conformidade com o racionalismo e a Ciência.”
De
forma lenta a luz espírita ia se infiltrando, porém segura e através do
emaranhado e da obscuridade dos dogmas. Em meio século, o Espiritismo logrou
conquistas em todas as esferas da atividade humana.
No
Brasil, o Espiritismo perde essa identidade, não resiste à força da tradição
sincrética-religiosa e cai na vala comum das religiões.
Contudo,
é chegado o momento em que Kardec previa:
“O Espiritismo não cria a renovação
social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade.”
E
o movimento espírita, como enfrentará esse desafio?
Como
diz o brocardo popular: remendar o pneu,
dirigindo. O atual estágio exige uma nova dinâmica das instituições
espíritas. Vê-se já alguns grupos de estudos surgindo no Ceará, bem como no
Brasil, e é exatamente por aí. Discutir-se um novo modelo de centro,
fortalecidos de uma forma sistematizada na filosofia espírita. Kardec sonhou
com uma instituição espírita exercendo uma influência forte em sua área de
atuação. Isto exige ativismo espírita. O momento exige a rebeldia da filosofia
em detrimento do conformismo religioso. A difusão espírita tem necessariamente
de ser repensada jornais, rádio e TV.
O
momento é de união. Utilizar-se das ferramentas da humildade e tolerância, em
uma conjugação de esforços entre “progressistas” e “conservadores” (terrível
admitir isso), buscando a superação das dificuldades até então existentes. É
preciso rediscutir o estilo de gestão, adaptando-o de acordo com as
peculiaridades, ao desenho Allan Kardec. Portanto, da mesma forma que a
sociedade não pode voltar à normalidade, assim também deve ser na Seara
Espírita.
(1) A
relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática na medida
em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente
a atividade revolucionária; teórica, na medida em que essa relação é
consciente.
Bibliografia:
AUTORES DIVERSOS. Em torno de Rivail. São Paulo: Lachâtre, 2004.
DENIS. Léon. O futuro do espiritismo. Rio de Janeiro: CELD, 2017.
KARDEC, Allan. A gênese. São Paulo: LAKE, 2010.
VAZQUEZ, Adolfo S. Filosofia da Práxis. São Paulo: CLACSO, 2007.
Perfeito!!
ResponderExcluirMaurício Linhares