Cena do filme "Nosso Lar": Benfeitores espirituais à espera dos desencarnados na II Guerra Mundial |
A frase “Não estamos às baratas” é sempre requisitada como exercício
metafórico para definir algo que esteja em total situação de abandono. No caso
em questão, busca-se demonstrar que grande parte dos Espíritos encarnados na
Terra se comporta sem um sentido real da vida.
Essa
reflexão surge diante das repercussões no mundo decorrentes da pandemia do
COVID-19, presente a compreensão espírita, partindo do axioma de que o acaso não existe. Os Espíritos
tratam disso na questão nº 8 de O Livro
dos Espíritos, quando respondem a Allan Kardec:
“Que
homem de bom senso pode considerar o acaso como ser inteligente? E, além disso,
o que é o acaso? Nada!.”
Já na questão nº 536, os Reveladores
Celestes assim se expressam no tocante à ação dos Espíritos sobre os fenômenos
da Natureza:
“– Tudo
tem uma razão de ser e nada acontece sem a permissão de Deus.” Na nº 536 “a”, eles assim se reportam quando
indaga Kardec, se todos têm como objetivos o homem:
“–
Algumas vezes têm uma razão de ser diretamente relacionada ao homem, mas
frequentemente não têm outro objetivo que o restabelecimento do equilíbrio e da
harmonia das forças físicas da Natureza.” Aqui se conclui que no caso pandêmico, o propósito maior
é o homem.
Não vamos encontrar a palavra karma no vocabulário espírita, muito
embora o termo tenha sido absorvido pelo movimento espírita brasileiro. No
entanto, a sua compreensão como princípio moral universal que importa profunda
responsabilidade individual e coletiva sobre nossas ações, sim. Na questão nº
964 de O Livro dos Espíritos, assim
esclarece:
“Deus
tem Suas leis a regerem todas as vossas ações. Se as violais, vossa é a culpa.
Indubitavelmente, quando um homem comete um excesso qualquer, Deus não profere
contra ele um julgamento, dizendo-lhe, por exemplo: Foste guloso, vou punir-te.
Ele traçou um limite; as enfermidades e muitas vezes a morte são a consequência
dos excessos. Eis aí a punição; é o resultado da infração da lei. Assim em
tudo.”
Presentes esses fundamentos
espíritas, sem propósito diferente de permitir reflexões acerca desses excessos
construídos pela Humanidade, através dos tempos, lança-se um olhar
pedagógico-espiritual do COVID-19, tendo como foco a morte e as suas
repercussões.
Milhares de vidas são ceifadas a cada
segundo no mundo. Existem países em que corpos são abandonados nas ruas pela
incapacidade do Estado em atender todas as demandas. Os familiares são
impedidos de se “despedirem” dos seus mortos. Todos os ritos e simbolismos que
a morte no Ocidente atingiu perdem todos os seus significados.
O desenvolvimento das sociedades
industriais, o desenvolvimento técnico científico da medicina e o capitalismo
transformaram o corpo humano em um instrumento de produção. Com a morte não foi
diferente. A morte é business.
Décadas atrás, duas obras americanas
colocaram o agente funerário em evidência; O
Modo Americano de Morrer, de Jéssica Mitford, e o Alto Preço da Morte, de Ruth Mulvey Harmer.
As autoras
desafiaram o agente funerário em relação a dois pontos básicos: - a) Os
funerais têm de ser realmente tão dispendiosos? b) Está o agente funerário se
comportando de modo empedernido e inescrupulosamente? Em vez de contribuir para
uma experiência autêntica e relevante, diz-se que o agente funerário impõe uma
cerimônia artificial e vazia. Harmer, contudo, reconhece:
“... um
funeral pode ter seu valor; proporciona, durante um período crítico, um
conjunto de costumes e rituais que minimizam o efeito traumático da experiência
e oferece a outros membros do grupo uma oportunidade de comunhão mundana e
espiritual... Os funerais podem contribuir para aliviar os indivíduos
enlutados, estabelecendo uma série de ações que devem ser realizadas e
oferecendo o consolo de que a tristeza é partilhada por outros.”
O que se enxerga é realmente a coisificação
da morte. A demanda das funerárias representa os desejos da sociedade. O
Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil atesta que o “mercado da morte” movimenta cerca de sete
bilhões ao ano. Uma morte luxuosa em São Paulo alcança o valor de R$ 50 mil.
Em outra direção, as pesquisas
realizadas por Elizabeth Kubler Ross com pacientes terminais concluem que essas
pessoas ainda estão vivas e têm sentimentos, desejos, necessidades e demandas,
e na maioria das vezes são ignoradas.
No transcorrer das suas pesquisas Kubler
Ross desenvolveu a questão da espiritualidade, esclarecendo que a morte é
apenas uma transição para a outra vida. Kubler Ross identifica e analisa os
estágios pelos quais passa o paciente pelo processo da terminalidade; negação e isolamento, raiva, barganha,
depressão e aceitação.
Se vida
é, da alma, a escravidão que a humilha,
Treva
que envolve a estrada que palmilha;
Se
morte é a mutação de sua sorte
E a
volta sua, livre, à luz perdida
Por que
esse apego que se tem à vida?
Por que
esse medo que se tem da morte?
Índio do Prado no soneto acima - Eterno Enigma - se utiliza da palavra
correta: apego. A morte, no processo
evolutivo do ser no aprendizado do amor, é a maneira dos indivíduos exercitarem
o desapego. O psicanalista John Bowlby [1907-1990] desenvolveu a Teoria do Apego, quando considera que o
apego é inato no ser humano. Ele salienta que os tipos de apego vivenciados nas
primeiras infâncias perpassam todo o ciclo vital e refletem a forma que o
indivíduo lida com as demandas da vida e na maneira de vivenciar as perdas
cotidianas e definitivas, como por exemplo, a morte. Vida é apego. Morte é experiência
de desapego para quem vai e para os que ficam.
A morte é um dos principais vetores
da violência no mundo, o que tem exigido um projeto universal de educação para
a morte. Tom Shoroder, jornalista americano e redator do jornal The Washington Post, ao entrevistar o
Dr. Ian Stevenson (1918-2007), cientista e professor de psiquiatria da
Universidade da Virgínia, o indagou o motivo da sua obstinação em pesquisar por
décadas evidências científicas acerca da reencarnação, e ele respondeu: - A paz do mundo. Fez um prolongado
silêncio e acrescentou: “– Estou falando
sério. Se eliminássemos o medo da morte, o mundo conseguiria um equilíbrio
maior. Não haveria motivos para a guerra.”.
O
Espiritismo venceu a morte, a Humanidade ainda não.
Allan Kardec, no capítulo XXIII; 7-8
de O Evangelho Segundo o Espiritismo,
ao comentar a seguinte passagem de Jesus: “E
a outro disse Jesus: Segue-me. E ele lhe disse: Senhor, permite-me que eu vá
primeiro enterrar meu pai. E Jesus lhe respondeu: Deixa que os mortos enterrem
os seus mortos, e tu vai, e anuncia o Reino de Deus. (Lucas, IX: 59 e 60),
o respeito que devemos ter não se refere à matéria, mas, através da lembrança
do Espírito ausente. Então Jesus adverte;
“ide pregar o Reino de Deus-; ide dizer aos homens que a sua pátria não se
concentra na Terra, mas no Céu, porque somente lá é que se vive a verdadeira
vida. Eis a grande pedagogia do Covid-19.
Bibliografia
FRANCO,
Clarissa de. A cara da morte. São
Paulo: Ideias&Letras, 2010.
KARDEC,
Allan. O evangelho segundo o espiritismo.
São Paulo: EME, 1996.
_____________.
O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.
SHRODER,
Tom. Almas antigas. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.
VISÕES
PLURAIS. A arte de morrer. São
Paulo: Comenius, 2007.
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