terça-feira, 28 de abril de 2020

POR UM MOVIMENTO ESPÍRITA DE VIVOS


 

            Leopoldo Machado (1891-1957), espírita baiano, lançou, na década de 1940, o movimento denominado Espiritismo de Vivos, que depois foi condensado na obra intitulada “Cruzada do Espiritismo de Vivos”.
            Dentre outros temas, Machado propunha um movimento espírita de vivos, sem qualquer demérito para as práticas mediúnicas e para as relações com o mundo espiritual, mas não cultuá-los.
            Passadas essas décadas, vemos que não mudou nada. Os espíritas agem como se houvesse desconhecimento dessa realidade espiritual e das suas responsabilidades no mundo corpóreo.

            Em um momento como o que se atravessa, as mensagens mediúnicas que circulam são o retrato do nível de ignorância dos postulados espíritas, principalmente naquilo que contém em “O Livro dos Médiuns”. As mensagens, via de regra, não tem nada fora do básico dos postulados espíritas.
         É um frenesi sem igual, principalmente relacionando-se a pandemia à transição da Terra para um mundo de regeneração. A impressão que se tem é que no pós-pandemia estará implantado o Mundo de Regeneração, como num passe de mágica.
A condição de Espírito encarnado e essa busca de uma intensa comunicação com o mundo dos Espíritos faz esquecer reflexões fundamentais para o movimento espírita, principalmente as responsabilidades sociais.
A transição reflete mudança de paradigma e é óbvio que ocorrerão novas demandas, certamente, em longo prazo melhores.  Porém, observando-se o cenário a curto prazo, o que se percebe é a necessidade de uma participação ativa do indivíduo para a construção de uma nova ordem de valores. Não há sinais da iniciativa dos donos dos poderes buscar uma nova ordem na relação do capital e o trabalho. O que se vê são sinais de manutenção da mesma ordem valores e estilo de governança. Essa permanência vibracional facultará novos flagelos destruidores.
É preciso compreender que os poderosos não são persuadidos com o sofrimento dos oprimidos. Vê-se que muitos deles recorrem exatamente ao Estado para socorro das suas iniciativas privadas. O lucro é deles. O prejuízo é do povo. Portanto, a essência do Estado deve sofrer modificações estruturais, com uma participação efetiva do povo. Haverá a necessidade de se suprimir a influência de setores corporativos no Estado, pela ocupação do Congresso. Essas questões têm que ser discutidas na seara espírita.
Sabe-se que o Espiritismo é o Consolador Prometido por Jesus à Humanidade, para reestabelecer o que foi dito por ele e ensinar novas verdades. É preciso entender, no entanto, que à época, ocorreram repercussões sociais radicais, e ao longo dos séculos, as ideias de Jesus nunca deixaram de tentar ser reestabelecidas por indivíduos, o que é óbvio, caso contrário elas não teriam sobrevivido.
Fazer um paralelo daqueles dias com os atuais, no contexto social, é de fundamental importância para que o propósito do Espiritismo se realize.
O que se pode constatar, ouvindo-se os Evangelhos e historiadores, é que as primeiras comunidades cristãs eram formadas quase que exclusivamente de elementos proletários e uma organização proletária. Leia-se, Paulo, na I Epístola aos Coríntios:
“Irmãos, contemplai a vossa vocação! Pois não foram convocados muitos sábios, de acordo com critérios humanos, nem muitos poderosos, nem tampouco nobres. Pelo contrário, Deus escolheu justamente o que para o mundo é insensatez para envergonhar os sábios, e escolheu precisamente o que o mundo julga fraco para ridicularizar o que é forte.”
            O que mais toca o presente é que, à época, tanto o Cristianismo como os fundamentos da essência daquilo que configurou o socialismo são perseguidos e encurralados, os seus aderentes são proscritos e submetidos a leis de exceção, uns como inimigos do gênero humano, os outros como inimigos do governo, da religião, da família, da ordem social, afirma Friedrich Engels [1820-1895], teórico revolucionário prussiano.
Ernest Renan [1823-1892], filósofo, filólogo, historiador francês, quem primeiro escreveu sobre o Jesus histórico, afirma que suas máximas eram ideais para um país em que a vida se nutre de ar e luz, um comunismo inofensivo de uma turma de filhos de Deus. Jesus, compreendendo que o mundo oficial não serviria absolutamente para ser seu reino, volta-se, portanto, para os simples.
Seu reino, diz Renan, será a) para as crianças e para os que se parecem com elas; b) para os desprezados este mundo, vítimas da arrogância social, que rejeita o homem bom, mas humilde; c) para os heréticos e cismáticos, publicamos samaritanos, pagãos de Tiro e Sidônia. E seu apelo vem através da Bodas do Banquete de Casamento.
Cairbar Schutel, [1868-1938], grande divulgador do Espiritismo, afirma em sua obra Vida e Atos dos Apóstolos;
“A dizer com franqueza, segundo a linguagem dos tempos atuais, os dois grandes Revolucionários Cristãos; Jesus e João Batista – eram grandes Revolucionários Cristãos, eram francamente comunistas ...  Naturalmente que não se trata de um Comunismo Materialista, que degenera em Anarquismo, mas poderíamos intitulá-lo Comunismo Cristão, com todas as insígnias de Fraternidade, Igualdade e Liberdade.”
Poder-se-ia elencar tantos outros autores que reforçam esse posicionamento, mas se torna desnecessário o vasto material sobre o tema, publicado nesse sítio.
Percebe-se que esse caráter revolucionário se perdeu na esteira do tempo pelo direcionamento do Cristianismo, depois do Catolicismo como religião oficial. Nos ensinamentos de Jesus são visíveis fatos que expressam o ódio de classe, sempre com aversão ao rico. Portanto, são fatos ainda presentes na sociedade.
A realidade exige profundas reflexões da parte dos espíritas, os quais o articulista se insere, na busca de iniciativas que realmente resgatem a originalidade do Cristianismo no contexto das lutas de classes, diante das desigualdades profundas que assolam a Humanidade.
O que se faz urgente é libertar o movimento espírita não só do jugo da mediunidade, da adoração de líderes religiosos, do eruditismo dos oradores, do institucionalismo, do profissionalismo religioso, mas efetivamente, da ética de conceituação passadista religiosa. Todo esse aparato sufocou a fé raciocinada espírita, tão requisitada.
É inadmissível o que se está presenciando no movimento espírita nos dias atuais. Espíritas flertando como o totalitarismo, inclusive em apoio ao um regime militar, de triste memória. Toma-se posicionamentos contrários aos fundamentos cristãos, com posturas que ferem  a dignidade humana.
O movimento espírita brasileiro mostrou um lado da face retrógrada, conservadora, de um religiosismo fundamentalista e asqueroso.
Há a necessidade de entender que não há reconciliação no campo da fé, em um contexto religioso. A ruptura com essa realidade surgiu no século XVIII, exatamente para o advento do Espiritismo.
Ressignficar o movimento espírita através da filosofia espírita, esse é o grande desafio pós-pandemia. Esse ordenamento é macro, pois alcança todos os atores no processo da divulgação espírita.
Estivesse Jesus entre nós certamente ele se utilizaria dos argumentos do diálogo que manteve com Nicodemos, (João 3:13):

Ô, Espíritas, eu lhes falei de coisas terrenas e vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas celestiais?

Referências:
ENGELS, Friendrich. Cristianismo primitivo. Digital.
MASCARO, Alysson, L. Cristianismo libertador. São Paulo: Comenius, 2002.
RENAN, Ernest.  Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 1995.
SCHUTEl, Cairbar. Vida e atos dos apóstolos. São Paulo: Clarim, 1981.

Um comentário:

  1. Começo, meio e fim. O Espiritismo foi forjado pelo Mediunismo, mas passou a surfar no Criticismo Científico, com ampliação da visão de mundo e reorientando a leitura das palavras de Jesus. Nada há de conservador na avaliação analítica espírita. Roberto Caldas

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