Elas possuem vestimentas discursivas que
estão de acordo com as tendências da hora. Imiscuídas em pensamentos isentos de
profundidades reflexivas, angariam a confiança dos simplórios, habituados a
terceirizar a tarefa de racionalizar.
São as fake news da era das comunicações
mediúnicas navegadoras da web. Vozes indutivas afirmar ler cartas de espíritos
youtuberes, com fundo musical e uso de imagens massificadas pelas telas de
cinema espírita, como por exemplo, cenas do filme Nosso Lar.
Um traquejo de marketing que prospera
principalmente sobre o analfabetismo político e tendência ao tradicionalismo
igrejeiro que prosperou no meio espírita brasileiro.
A voz que ganhou milhares de visualizações na
plataforma digital e em igual peso curtidas e compartilhamentos aborda a
pandemia. Qual outro tema seria mais propício nesta hora de visibilização das
entranhas políticas do capitalismo, quando a razão diz que a desigualdade
social acirra a dor e a morte, mas a alienação obstrui o senso de coletividade
e navega nas ilusões personalistas, individualistas, que sempre justificam as
mazelas humanas sem tocar nas estruturas de desigualdade?
Assim, a carta assevera que a pandemia já
estava no registro kármico de cada ser. Ou seja, nada poderia ser feito para
alterar aquilo que cada um vai viver durante o período.
Esta afirmativa determinista é gravíssima,
pois se existissem respiradores para atender as necessidades de todos aqueles
que tiverem o sistema respiratório comprometido pela ação do vírus, também não
existiria fila de espera nem escolha de Sofia. E se não existem, é porque há
uma escolha política de caráter econômico que assim designa. Deus e o Infinito
estão equidistantes desta arbitragem humana.
O povo ignorante que não acredita no vírus
também não cumpre karma, o que cumpre mesmo é um destino traçado em gabinetes
políticos, em acordos de sujeição, negação de acessos aos legados de saberes
humanos e principalmente de uso dessa ignorância para manter sistemas de
poderes opressores e assassinos.
Fazer parte do meio espírita no Brasil desta
hora é por certo um desafio contínuo ao uso da razão, para bloquear estes
assediadores do “espaço” que tentam a todo custo nos convencer de que a
pandemia é um presente divino, de um Deus que castiga por amor para apressar a evolução;
desconstituindo os fatores biológicos, ambientais, econômicos, culturais e
políticos que geram a ambientação social para o percurso do vírus.
Nunca imaginamos que se tornasse necessário
afirmar e reafirmar tantas vezes que o amor de Deus não é punitivo e sua
capacidade de renovação da vida não tripudia sobre corpos e mentes, pois nos
dotou com todas as capacidades de vivermos em harmonia no planeta gerador de
farturas e recursos essenciais, que precisam apenas ser partilhados com senso
de igualdade.
No entanto, para não pensar politicamente a
vida social, suas demandas e possibilidades, estes “espíritos” enchem o verbo
de energizações, esferas dimensionais e mudanças planetárias etéreas, sem
condições de envolver e modificar as relações humanas globais, em espectros
coletivos.
Nada é prático, assertivo, objetivo; e a
abundância de terminologias místicas a prometer conexões espirituais renovadas
ao planeta pós-pandêmico, parece tratar seletivamente os sobreviventes, talvez
os merecedores. Ou seja, aqueles que morrem cumprem o karma (débitos), porque
os que vão ficar terão merecido gozar de um planeta melhor. Vejo crueldade
nesta voz. Vejo também elementos separatistas, formatando um perfil muito mais
egoísta e eugenista para a sociedade do futuro.
A voz anuncia a “culpa” pela pandemia ao modo
materialista de existir na terra, mas não contextualiza o materialismo em suas
devidas caixas, afogando nas escolhas individuais (como sempre) o mal maior.
Induz à vida desconectada de informações e
projeções de mudanças coletivas no âmbito político, no intuito de viver a hora
sem compromisso com o amanhã, utilizando palavras apropriadas aos desejos de
quem se desespera no medo que a pandemia gera.
Todas as ditas fraquezas humanas trazidas
desde os rincões do Velho Testamento são manifestas como débitos menos uma,
aquela que parece não ser vista: a escolha política!
As promessas de acolhimento espiritual aos
que partem da terra levados pelo coronavírus podem soar até agradavelmente aos
ouvidos de quem não sente a dor humilhante da falta de atendimento de saúde
adequado, e fazer brotar indignação diante de tão consoladora oferta no
pós-morte não deixa de indicar ingratidão por parte dos indignados.
É um jogo de palavras apresentado como
mensagem mediúnica, a nos fazer pensar aqui sobre a falta que nos faz estudar
criticamente a obra de Kardec, compreendendo seus sinais.
A leitura ou releitura do Livro dos Médiuns
se faz emergencial, está na hora de apertarmos a passagem do filtro e
rastrearmos as fake news do além, porque as produzidas aqui na Terra já nos dão
demasiado trabalho e trazem consequências sofríveis para a vida real.
Lembremos dos cuidados com as mentiras, e da
menor ofensiva em refutar muitas verdades sob o tamanho do risco de acatar
apenas uma delas.
Kardec sabia o que nos esperava?
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