Em bairro distante, na confluência de duas ruas, moram quatro famílias,
uma em cada esquina. O morador de uma das casas sai certa manhã e depara com
vela acesa e uma garrafa de aguardente.
– Ah! Esse povo não tem mais o
que inventar em suas práticas religiosas. É coisa de brasileiro mesmo! –
comenta com seus botões.
Despreocupado, toma seu automóvel e segue para o trabalho.
Sai o segundo morador. Vê os objetos e arrepia-se:
– Meu Deus! Um despacho! Alguém
querendo prejudicar-me!
Afasta-se rapidamente a benzer-se, sem afastar de seu coração a angústia
e o medo, que o perseguirão pelo resto do dia, culminando com palpitações e
incômodas dores no peito.
O terceiro morador olha desconfiado para o “despacho”. Retorna à
residência. Vai ao quarto dos fundos, põe a queimar incenso e repete várias
vezes uma reza. Depois, mais tranquilo, parte para a atividade profissional.
O quarto morador, tão apavorado quanto o segundo, decide ausentar-se
para evitar problemas. Ante a esposa surpresa, proclama que anteciparão o fim
de semana, efetuando protelado passeio. Em poucos minutos improvisam a saída
rápida.
À noite, longe dali, um devoto agradece
ao seu protetor espiritual a dádiva recebida. Conseguira o emprego desejado,
após cumprir fielmente a instrução de deixar uma garrafa de pinga com vela
acesa numa encruzilhada.
O despacho não fazia parte de nenhum sortilégio para prejudicar os
moradores, mas cada um reagiu segundo suas concepções:
O primeiro, racionalmente, considerou que não significava nada para ele,
permanecendo impassível. O segundo desequilibrou-se pelo medo. Ficou até doente
e ninguém lhe tiraria da cabeça a ideia de que fora vítima de um mal
encomendado. O terceiro, por segurança, preveniu-se com práticas ritualísticas.
O quarto, apavorado, assumiu uma postura de fuga.
A história demonstra que nossa maneira de ser, de encarar os
acontecimentos, de reagir em face das circunstâncias, tem uma influência
decisiva em nossa estabilidade física e psíquica.
Somos o que pensamos. Pessoas que cultivam superstições, medos, fobias,
que se apavoram pela perspectiva de sofrerem influências espirituais,
fatalmente envolvem-se em desajustes e perturbações. Com muita facilidade
julgam-se vítimas de perseguições e males inexistentes.
Se desejamos estabilidade íntima, equilíbrio interior, é preciso que
nos habituemos a encarar os acontecimentos de forma objetiva e racional, sem
nos deixarmos imbuir de fantasias.
Naturalmente há algumas indagações a respeito:
– E se a vela e a pinga
representassem uma espécie de indução para atrair Espíritos com a tarefa de
perseguir um dos moradores da casa? Existe essa possibilidade? O que
aconteceria?
Poderíamos responder com outra pergunta:
– É possível contratar um
pistoleiro para atirar em alguém?
A resposta, evidentemente, é afirmativa. Principalmente nas regiões
agrestes há pessoas que têm o hábito infeliz de resolver suas pendências dessa
forma. Ora, se há aqueles que se dispõem a ser instrumentos do mal na Terra, o
mesmo ocorre na Espiritualidade. E nem é preciso procurar um intermediário, um
médium para a contratação. Basta que tenhamos ódio de alguém, que lhe desejemos
alguma desgraça e não será difícil atrair Espíritos dispostos a colaborar
conosco, autênticos pistoleiros do Além, que usarão as balas da discórdia, do
desentendimento, do vício, da aflição, do desajuste, para ferir nossos
desafetos.
O problema é que se nos envolvermos com eles não poderemos dispensá-los
depois, porquanto o preço que cobram é muito alto: o domínio sobre nossa vida,
explorando-nos as mazelas. É como se vendêssemos a alma ao diabo.
Naturalmente trata-se de uma imagem mitológica, porquanto o diabo, como
força que se contrapõe eternamente a Deus, não existe. Diabos somos todos nós,
quando nos transviamos do Bem, quando cultivamos o mal, habilitando-nos a
sofrimentos mil, porque é assim que o Criador transforma os diabos em anjos.
Ainda que existam os pistoleiros do Além, tacitamente contratados por
alguém que gostaria de nos ver sofrendo, é preciso lembrar um sugestivo ditado
popular: Praga de urubu não mata cavalo gordo.
As influências nocivas nos atingem apenas na medida em que não tenhamos
defesas espirituais formadas por um comportamento equilibrado e virtuoso.
Há um detalhe fundamental: os Espíritos inferiores não produzem o mal em
nós. Apenas fermentam o mal que existe.
Os sortilégios das sombras não geram o adultério. Simplesmente exploram,
num dos cônjuges, a tendência à infidelidade.
Nenhum perseguidor espiritual precipitará na angústia um coração
sintonizado com o otimismo e a alegria de viver.
Ninguém nos incompatibilizará com o semelhante se cultivarmos a
compreensão e a tolerância.
Muitos desejam o chamado corpo fechado, tentando sobrepor-se a atentados
à sua integridade física e espiritual com práticas ritualísticas, como quem
pretende trancar-se numa fortaleza. Pode até funcionar, embora precariamente,
na medida em que o interessado acredite nisso, apoiando-se em sua convicção.
Ressalte-se, todavia, que tais recursos configuram mero escoramento para
uma casa mal construída, mal conservada, erguida em solo instável.
A melhor maneira de nos sobrepormos à influência do mal será sempre o
empenho por eliminá-lo de nós mesmos, como se nos abrigássemos numa construção
nova, mais sólida, resistente às intempéries - aquela casa a que se referia
Jesus, edificada na rocha inabalável de seus ensinamentos.
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