Há uma narrativa que conta da existência de uma tribo africana de um costume muito peculiar e especial. Toda mulher que engravida é levada pelas outras até um espaço sagrado e lá, em conjunto, criam uma música que irá acompanhar por toda a vida a criança que se encontra em gestação. Será cantada nos rituais de passagem, em todas as oportunidades felizes e mais adequadamente nos momentos de crise e dor, inclusive nas homenagens funerais. A canção serve de bússola para que cada integrante da tribo permaneça atento a sua origem e à sacralidade das relações com os demais. Diante de um cometimento infeliz a pessoa é convidada ao centro de uma roda e escuta a sua melodia numa viagem de volta a si.
Não há como afirmar se a narrativa é fato ou ficção, mas isso nem importa tanto quando o que se pretende é questionar aos que habitamos as tribos sociais da vida urbana: se você tivesse uma canção para si, qual seria? Quais as notas musicais que embalariam a sua vida, em tantos momentos diferentes que a existência dispõe a sua frente? Aos ambiciosos que logo se proporiam um pot-pourri é importante advertir que só vale uma canção. Algo que represente a caminhada de cada um e tenha a chave para propor novas aventuras e sirva de travesseiro para as horas amargas de solidão e tristeza, evitando que se perca a própria identidade durante a jornada.
Se conseguíssemos ouvir a musicalidade que emana de Deus, nas pautas invisíveis do Universo, certamente as adversidades pesariam menos e os obstáculos seriam vistos como ensaios de aprendizados e, quem sabe, o soar de um concerto interno nos livrasse dos rompantes de insensatez e truculência que travestem atitudes costumeiras, entranhadas nos comportamentos instintivos e agressivos da humanidade. Cada pessoa recebendo a sua canção de vida, para jamais esquecer donde veio e aonde leva o caminho.
Há relatos de que os cristãos primitivos entravam nas arenas cantando hinos em entrega absoluta diante da dor que os aguardava para o deleite de tantos surdos da própria musicalidade interior. O grito da multidão em estertores de insensibilidade parecia não afetar o êxtase que os fazia rumar para a morte inevitável, plenos de dignidade, anestesiados pela música da fé que lhes abria um portal luminoso.
Ensaiemos cantar. A vida é um espetáculo de cores e luzes. Provável que as dores que trazemos na alma se apresentem como uma venda que nos impede de enxergar as bênçãos que podem estar ocultas em meio aos tantos cascalhos que agridem as nossas mãos enquanto buscamos garimpar as jóias que teimosamente não encontramos. Há muitos que sequer acreditam que haja uma possibilidade de fazer a vida melhor, pois que cantemos e dancemos por eles, até que ouçam, até que percebam que a vida pode ser bela se formarmos uma grande ciranda, na qual todas as mãos se entrelaçam fraternalmente.
Difícil afirmar se aquela tribo africana exista mesma, mas se acreditarmos que cada pessoa carrega a sua música interna, que lhe seguirá por toda parte onde vá, então seremos a tribo. E isso, a nossa música, provavelmente haverá de, aos poucos, mudar o mundo.
Há tantos sons, mas nada como o silêncio interior para escutar a música divina. Esta seria a minha música.
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