“Muita da vossa dor é escolhida por vós. É a poção amarga com a qual o médico dentro de vós cura o vosso interior doente.” (Kahlil Gibran)
A pandemia não tem fronteiras. A dor também não. O mundo se transformou em um martirológico sem igual. Para uma sociedade que tem na ausência de dor item indispensável para a felicidade, dá para se ter uma ideia dos tormentos de infelicidade que muitos estão passando.
Na mensagem do Espírito Lacordaire, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo V, esclarece que há o bem sofrer e o mal sofrer, realçando que Jesus ao dizer “Bem-Aventurados os aflitos, porque deles é o Reino dos Céus”, ele não se refere aos sofredores em geral, ademais, porque neste mundo todos sofrem. A sua máxima é dirigida aos poucos que compreendem que as provas bem suportadas conduzem ao Reino dos Céus. O desânimo é uma falta.
Mesmo com as bem-aventuranças de Jesus, ainda assim, é muito difícil fazer o homem compreender que o sofrimento é algo benéfico. O Espiritismo, na condição de o Consolador Prometido, comprova a realidade do Espírito, pré-existente ao corpo material, demonstrando que as nossas aflições têm suas causas nesta ou em vidas anteriores, e estando presos às sensações,o homem teima por entender os sofrimentos como castigos divinos
A ideia que fazemos da felicidade e da desgraça, da alegria e da dor, varia ao infinito segundo a evolução individual.
Sócrates, em Fédon, de Platão, nos seus diálogos antes de sua morte, ao ser aliviado dos ferros que prendiam suas pernas, ele associa a dor e o prazer. Há pouco, disse ele – eu sentia a dor e agora o prazer. E ele afirma que a Divindade tentando colocar fim nos conflitos do homem, associou os dois. Lê-se:
“(...) a Divindade, desejosa de lhes pôr fim aos conflitos, como visse frustrado o seu intento, amarrou juntas as duas cabeças; e é por isso que, onde se apresenta um deles, o outro vem logo. (...)”
León Denis, atento a Sócrates, adverte que o prazer e a dor são inseparáveis em princípios por serem ambos necessários à educação do ser.
O Espírito Joanna de Ângelis, na obra Plenitude, psicografia de Divaldo Franco, estudando os sofrimentos nos conceitos de Buda, sob a ótica espírita, adverte que as origens do sofrimento resultam de condutas internas e externas, originando duas ordens: as cármicas e as emoções perturbadoras.
Nas suas reflexões, Buda chegou à conclusão de que o sofrimento se apresenta de três formas:
a) O sofrimento do sofrimento – O sofrimento é como uma doença e resultado da dor que ela promove;
b) O sofrimento da impermanência – É a busca do prazer acima das possibilidades, como por exemplo: a aquisição de um carro, um imóvel, móveis etc. Nasce das dificuldades de se manter essas conquistas;
c) O sofrimento resultante do
condicionamento – Educação incorreta e convivência social
pouco saudável que propiciam agregados físicos e mentais contaminados. Aqui e
são incluídos os medos da doença, da pobreza, da solidão, do desamor, do
insucesso, da morte.
Mostra, como ensina o Espiritismo, que o ser humano é a síntese de suas próprias experiências, autor do seu próprio destino, elaborado mediante os impositivos do determinismo e do livre-arbítrio. É imperativo esclarecer que esse determinismo só é inevitável nos seguintes aspectos: nascimento, morte, reencarnação. Há, portanto, o determinismo reativo causador das nossas aflições de vidas anteriores e da vivência atual. A esse respeito Allan Kardec no capítulo V de O Evangelho Segundo o Espiritismo, exalta que nossos males, em muitas das vezes, são provocados por atitudes da atual existência.
Os sofrimentos humanos devido às vidas sucessivas são de natureza cármica: provação e expiação. Todos eles são medidas para educar ou reeducar, predispondo a criatura ao inevitável crescimento íntimo em busca da perfeição. Guardadas as devidas proporções, no primeiro caso, o infrator espiritual é conduzido a provações, enquanto que, na última hipótese, a expiação é rigorosa.
A ciência médica muito tem avançado em direção ao paradigma espírita. As pesquisas acerca do perispírito já contribuem muito para os avanços da medicina.
Dethlefsen e Dahlke, na obra A Doença como Caminho, oferecem visão nova da cura como ponto de mutação em que um mal se deixa transformar em bem. Em um determinado momento no livro eles advertem que é impossível falar de doença e cura sem abordar a questão da reencarnação, pois todos os seus conceitos ficariam sem sentido.
O Espírito Druso, na obra Ação e Reação, psicografia de Francisco C. Xavier, assevera que a dor é um ingrediente dos mais importantes na economia da vida em expansão.
Na sequência da análise sobre a dor, Druso cataloga três aspectos da dor em nossa trajetória na matéria:
a) Dor-Evolução – Como se fosse o ferro no malho, a semente na cova, atua de fora para dentro. Outro exemplo é a dor a qual é submetido o animal com muitas enfermidades. Imagine a dor, embora não racional, de um animal abatido por seu predador. A dor é evolução para o ser, sem a qual não haveria progresso;
b) Dor-Expiação – Atua de dentro para fora, marcando a criatura nos caminhos dos séculos, detendo-a em complicados labirintos de aflição, para regenerá-la, perante a Justiça.
c) Dor-Auxílio – O enfarte, a trombose, a hemiplegia, o câncer penosamente suportado, a senilidade prematura e outras calamidades da vida orgânica constituem, por vezes, dores-auxílio, para que a alma se recupere de certos enganos em que haja incorrido na existência do corpo denso, habilitando-se através de longas reflexões e benéficas disciplinas para o regresso respeitável na Vida Espiritual.
A dor, talvez mais educativa de todas, é a de ensinar o Espírito ao desapego da matéria, que é a morte. Tanto para o que desencarna, quanto para o que fica.
É fundamental nesse desiderato que se prossiga a jornada observando os ensinamentos espíritas, notadamente ouvindo os Reveladores Celestes quanto ao que respondem a Kardec sobre a felicidade terrena relativa à posição de cada Espírito; eles ofereceram uma medida comum:
“Para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral, a consciência pura e a fé no futuro.”
Essa é a única via para a cessação da dor e do sofrimento nas jornadas evolutivas do Espírito.
Referências:
DENIS, Léon. O problema do ser do destino e da dor. Rio de Janeiro: FEB, 1993.
DETHLEFSEN, Thorwald & DAHLKE, Rudiger. A doença como caminho. São Paulo: Cultrix, 2007.
FRANCO, Divaldo; Ângelis. Plenitude. Rio de Janeiro: Leal, 1998.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.
XAVIER, Francisco C. Ação e reação. Brasília: FEB, 1991.
Necessárias reflexões sobre a dor, pois são dores diversas e as necessidades para passar por elas também são diferentes.
ResponderExcluirPoderíamos também incluir a dor social, que envolve as dores coletivas pelas quais as sociedades passam, especialmente quando escolhem não baixar a cabeça aos impérios, bem como as dores pelas quais estamos passando sob um regime negacionista, que mata pessoas e estimula suicídios quando indivíduos se expõem à contaminação.
De qualquer forma, são dores de nossa jornada em um planeta de provas e de expiações.