sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

FALANDO SOBRE A MORTE COM CRIANÇAS


 

“Se quereis verdadeiramente conhecer o espírito da morte, abri o vosso coração até ao corpo da vida.

Pois vida e morte são uma só, tal como o são o rio e o mar.” (Kahlil Gibran)

 

           

            Nesses tempos de pandemia é inevitável que as crianças não estejam lidando diariamente com as questões inerentes à morte, quer sejam no contexto familiar com perdas de entes queridos, ou mesmo na escola ou em programas jornalísticos ou de auditórios, novelas. Enfim, a morte faz parte do cotidiano da criança.

            Até pouco mais da primeira metade do século XX, principalmente nas pequenas cidades, a morte era uma cerimônia pública, “coordenada” pelo próprio moribundo da qual participava familiares, parentes, amigos, figuras públicas, profissionais da saúde e, comumente, crianças.

            Apesar desses aspectos, há pessoas insistindo que o assunto sobre a morte deve ser mantido distante do universo infantil.

            É necessário se entender que a morte é um fenômeno universal e faz parte da vida de todo o indivíduo desde o momento do nascimento até o último suspiro neste plano.

            O bom senso exige, portanto, que tornar a criança consciente em lidar com a morte não significa ficar o tempo todo falando sobre o assunto, adotando o cuidado e a proteção. É fundamental entender que a criança enfrenta o luto e a perda, como os adultos, e exige a proteção e o cuidado.

            Os diversos estudos realizados apontam que não são conclusivos quanto à forma que as crianças na primeira infância enfrentam a morte. É fato, posto, que até os três anos, não há conceito de morte. A morte é falta.

            Kastebaum & Aiseberg citam na obra Psicologia da Morte trabalhos de vários psicólogos especializados no desenvolvimento, que até os dois anos não se tem compreensão da morte pela incapacidade de abstração.

            Na realidade, são muitas as variáveis nas pesquisas acerca da perspectiva da morte nos primeiros anos de vida. Alguns estudos indicam que crianças pequenas podem ficar impressionadas por se verem expostas à morte. Embora possam não possuir condições cognitivas para entender a morte, as percepções relativas à mesma podem produzir forte e duradouro impacto sobre elas, afirmam os citados acima.

            A obra de Kastebaum & Aiseberg é densa e rica de possibilidades de estudos. Em outro estudo dos citados, acredita-se que ser exposto à morte nos primeiros anos de vida exerce importante influência sobre o desenvolvimento subsequente da criança, com implicações para o comportamento várias décadas depois.

É fácil observar que os resultados de tantas variáveis são decorrentes do processo educacional em que a criança foi submetida,  as circunstâncias e as particularidades do evento.

É preciso que o espírita  tenha em mente a afirmativa de Allan Kardec, que somente com a Educação poderá levar os indivíduos às condições desejadas. Educação para a morte? Sim. É o que defende o professor e filósofo espírita Herculano Pires (1914-1979), e os psicólogos da linha clínica e sociocomportamental.

Pires assim se expressa acerca do assunto:

 

“A Educação para a Morte é, portanto, a preparação do homem durante a sua existência, para a libertação do seu condicionamento humano. Libertando-se desse condicionamento, o homem se reintegra na sua natureza espiritual, torna-se espírito, na plenitude de sua essência divina.”

 

Prossegue ele:

 

“As religiões nasceram desse anseio existencial do homem e deviam transformar-se em escolas de Educação para a Morte. Não conseguiram esse objetivo em virtude da exigência quantitativa, decorrente da febre de proselitismo. Ficaram no plano da transcendência horizontal, imantadas ao fazer existencial.”

           

            O próprio Jesus ensinou na prática que a morte se resolve na ressurreição, ninguém morre, todos os indivíduos têm o corpo espiritual, ou perispírito, e vivemos no além-túmulo mais vivos que os vivos na matéria. A ausência de uma educação na visão crística é a causadora do prejuízo maior dos desesperos, angústias existenciais e loucuras que varrem a Terra, sendo, inclusive, a maior motivadora da violência entre os seres humanos.

            Não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do Céu, necessário que se entenda isso. É um ajustamento do educando à realidade da vida, que não consiste em apenas viver, mas viver e transcender.

            Por tudo isso que foi mostrado, Educação para a Morte abrange todas as idades da evolução biopsíquica do ser humano, que só atinge realmente os seus fins quando abrange as coletividades.

            Os pais, portanto, assegurando-se da idade e do desenvolvimento cognitivo da criança e da sua capacidade de abstração, quando oportuno, já no processo do luto, devem abordar os seguintes aspectos:

a)    promover a comunicação aberta e segura dentro da família, informando a criança sobre o que aconteceu;

b)    garantir que terá o tempo necessário para elaborar o luto;

c)    asseverar que terá sempre um ouvinte compreensivo toda vez que expressar saudade, tristeza, culpa e raiva;

d)    assegurar que continuará tendo proteção.

 

 

            Na obra a Arte de Morrer – Visões Plurais, organizada por Dora Incontri e Franklin Santana, encontra a citação de Ricardo Azevedo, de sua obra Contos de Enganar a Morte, o seguinte:

 

“(...) falar sobre a morte com crianças não significa entrar em altas especulações ideológicas, abstratas e metafísicas. Nem em detalhes assustadores e macabros. Refiro-me a simplesmente colocar o assunto em pauta. Que ele esteja presente, através de textos e imagens, simbolicamente, na vida da criança. Que não seja mais ignorado. Isso nada tem a ver com depressão, morbidez ou falta de esperança. Ao contrário, a morte pode ser vista, e é isso o que ela é, como uma referência concreta e fundamental para a construção do significado da vida.”

           

            Uma das maneiras de falarmos em morte com as crianças é através das histórias infantis.

            Há um vastíssimo material bibliográfico sobre a temática. Essas histórias estimulam a imaginação, favorecem  o diálogo e ajudam a criança a trabalhar com coisas que não conseguem lidar.

            Rubem Alves (1933-2014) foi um psicanalista, educador, assim ele se expressa sobre o tema:

“(...) o objetivo da história é poder dar às crianças símbolos que lhes permitam falar sobre seus medos fazendo de conta que se está falando de bichos, por exemplo. Isso facilita. Porém, é importante que a criança não esteja sozinha nessa aventura. É necessário que ela faça essa caminhada com um adulto de sua confiança, que esteja junto com ela, para que a criança se sinta segura.”

 

            A biblioterapia, palavra de origem grega que designa cura pelo livro. Ela é uma ferramenta auxiliar, no processo de ajudar a criança a lidar com a morte. Deve ser desenvolvido por pessoas treinadas que além de saber trabalhar como o material deve ter um cuidado na seleção deste. Rubem Alves tem obras editadas sobre a temática.

            O fato é que existe uma relação simbiótica entre nascimento e morte. Roger Woolger, psicólogo junguiano, cita em sua obra As Várias Vidas da Alma, pesquisas com estados alterados de consciência que atestam que as experiências físicas e psíquicas do nascimento devem ser entendidas como fenômenos gerais, onde a morte e o nascimento fundem-se como dois aspectos do mesmo arquétipo universal.

Interessante nesse tema é que muitas complicações no nascimento com imagens violentas, tais como esmagamento, estrangulamento, afogamento, asfixia, têm relação com o fenômeno da morte, segundo a psicologia junguiana. A falta de uma educação para a morte concorre para esses traumas?

Ora, o que se pode concluir é que nascimento e morte é um evento único. A educação religiosa atrelada ao materialismo operante contribuíram para o grau de consequências nefastas do ser ante a sua passagem além-túmulo. A Educação para a Morte, no atual conceito espírita, possibilitará uma transcendência do ser para a plenificação espiritual, e contribuirá sobremaneira para a paz no mundo.

 

 

Referências:

AUTORES DIVERSOS. Morte e Suicídio – uma abordagem multidisciplinar. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.

INCONTRI, Dora & SANTOS, Franklin S. (Org.) A arte de morrer. São Paulo: Comenius, 2007.

KASTENBAUM, Robert & RUTH, Aisenberg. Psicologia da morte. São Paulo: Pioneira, 1983.

PIRES, José H. Educação para a morte. São Paulo: Correio Fraterno, 1993.

WOOLGER, Roger. As várias vidas da alma. Cultrix: São Paulo, 2007.

 

 

 

 

SITE: 

<https://www.ip.usp.br/revistapsico.usp/index.php/30-commentor-2/79-falando-de-morte-com-criancas.html>.

 

Um comentário:

  1. Interessante o artigo. Falar sobre morte com crianças não é um assunto muito atrativo, mas necessário.
    Parabéns, Tio!

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