Jesus é travesti! Manuela D´Ávila teve uma imagem sua alterada em que a estampa de sua camisa dizia que Jesus Cristo era travesti. Já foi comprovado que é falso, mesmo assim a imagem corre pelo mundo virtual e os comentários de repúdio e ódio beiram à histeria.
Mas e se não fosse falsa, se ela tivesse vestido uma camiseta com essa mensagem? Discutirei aqui duas abordagens, que chamarei de inclusão e identificação.
A inclusão das minorias é pauta de diversos candidatos, pois a eleição da maioria não dá a prerrogativa do eleito legislar apenas para a maioria, assim as minorias devem ser incluídas. Colocar numa camiseta que Jesus é travesti lembra uma parcela minoritária da população, que está relegada ao esquecimento, sem políticas públicas, e renegada nos meios institucionalizados das religiões no Brasil. O protesto da camiseta seria válido e nos lembraria da irmandade pregada por Jesus. A camiseta poderia ter tantos outros dizeres, como negro, mendigo, lésbica, e por aí vai.
A identificação está relacionada com o que falei sobre inclusão, mas ao invés de ser uma mensagem coletiva em que alguém defende uma bandeira é um processo mais individual. As pessoas querem ser aceitas como são; se identificam Jesus como um exemplo, por que negar a visão de Jesus dessas pessoas como um ser mais igual a elas? Nossa imagem de Jesus branco e de olhos claros, quase angelical, é uma construção histórica europeia. Nesse sentido, pensando em desconstruir essa imagem histórica de Jesus e trazê-lo para mais próximo das pessoas, há uma cena interessante no filme Anjos da Lei 1 de 2012 (sim estou citando esse filme) em que um dos personagens reza numa igreja que fica bem no meio de um bairro de imigrantes coreanos, numa grande cidade norte-americana e o Jesus pregado na cruz em uma imagem imponente do altar tinha os olhos puxados – o que fazia todo sentido para aquela comunidade.
O “umbigo centrismo” dos dias atuais, com nossas vidas em bolhas de algoritmos dos ambientes virtuais está enfraquecendo o olhar mais treinado para interpretar o mundo e enxergar o diferente só como diferente. Jesus, conforme os evangelhos, comeu, andou e se hospedou com todo tipo de gente. Sua censura era direcionada para os hipócritas que pregavam uma coisa e faziam outra, não para pessoas fora do padrão, estabelecido como padrão.
Ver o outro como Jesus conseguia ver é uma arte e um exercício penoso, mas se as pontes de ligação entre todos não forem erguidas, os abismos entre nós e eles dificultarão nossa evolução coletiva, já que ninguém deve ficar para trás.
Na antiguidade, a hospitalidade ensinava que os estranhos que batessem à sua porta, principalmente os pobres, deveriam ser bem recebidos, pois os deuses poderiam se apresentar disfarçados para testar os donos da casa e tais disfarces poderiam ser variados, cabendo a cada hospedeiro aceitar o estranho, como se ele fosse divino.
Dessa forma, a camiseta de Manuela D´Ávila, se fosse verdadeira, estaria nos lembrando de Jesus e de como ele se relacionava com o outro em termos de inclusão e aceitação e isso não deveria criar embaraço para ninguém.
NOTA – o discurso contra as minorias, o acirramento do conservadorismo, a disseminação da ideia de que “essa liberdade de ser quem você quiser ser e de fazer o que você quiser fazer está chegando ao fim”, de que já é melhor ir se acostumando, tem motivado assassinatos pelo Brasil, especialmente nas últimas semana. As vítimas são as minorias de sempre, como os transexuais citados aqui no texto, por exemplo, mas os assassinos gritam o nome de seu candidato a presidente e se sentem legitimados por ele e pelas ideias que ele dissemina. Tempos sombrios!
¹ postado originalmente no blog da ABPE, em 20.10.2018.
O texto tem dois anos, e está mais atual do que nunca.
ResponderExcluirQuantas pessoas ainda ainda serão vítimas dessas mentiras? E até quando continuaremos caindo nelas e compartilhando-as?