quinta-feira, 8 de abril de 2021

QUEM ERA MARIA DE MADALENA? O FEMININO E O MASCULINO EM CADA UM DE NÓS

 


Se somos espíritos que podemos reencarnar ora como homem, ora como mulher, é claro que possuímos as duas polaridades dentro de nós. É o Ying e o Yang, o ativo e o passivo, a razão e a intuição, a virilidade e a feminilidade. E a meta de nossa ascensão é chegarmos à integração das duas polaridades: o espírito elevado realiza em si a força e a delicadeza, a racionalidade e a sensibilidade, a paternidade e a maternidade, a ação enérgica e o cuidado amoroso.

Quanto mais essas polaridades estejam muito acumuladas num só lado, seja num indivíduo, seja na sociedade, ou seja, quanto mais a mulher é apenas feminina e o homem é apenas masculino, a mulher se fragiliza e o homem se brutaliza. No Livro dos Espíritos está a reflexão pertinente de que a emancipação da mulher caminha com o avanço da civilização, porque a sua submissão é a barbárie da lei do mais forte.

Assim, cabe-nos caminhar para um estágio de cada vez maior integração psíquica entre as duas pontas e cada vez maior cooperação equilibrada entre os gêneros, até que um dia na eternidade, não precisemos mais de corpos femininos ou masculinos e seremos espíritos puros.

María MagdalenaEssas reflexões me vieram depois de assistir ao filme Maria Madalena, de que gostei e não gostei ao mesmo tempo e vou explicar por quê. Trata-se de um filme bíblico que pretende discutir as questões de gênero – o que por si só é muito oportuno e pertinente. Mas nessa discussão, o filme erra um pouco a mão em alguns aspectos.

É claro que as narrativas masculinas dos que escreveram os Evangelhos canônicos (são os que estão na Bíblia) não contaram que Madalena certamente era uma apóstola de Jesus. Mas mesmo a narrativa misógena do contexto da época não conseguiu ocultar o fato de que Jesus andava acompanhado também de mulheres. E não era apenas Madalena, como mostra o filme erroneamente. Nos Evangelhos, Madalena aparece sempre acompanhada de outras mulheres, inclusive na cena da aparição de Jesus após a sua crucificação. (Esse ponto é importante e já direi por que mais adiante). A narrativa masculina deixou também clara a conduta igualitária de Jesus, ao não condenar a “pecadora”, ao falar livremente com a samaritana, ao dirigir-se a Marta e Maria, validando a opção dessa de ouvi-lo e segui-lo. Lembremos que no judaísmo tradicional até hoje as mulheres não têm status de igualdade religiosa. E em que pese a atitude libertária de Jesus, os cristãos seguiram os romanos, os judeus e mais tarde, os muçulmanos foram na mesma rota, de colocar as mulheres em plano secundário e às vezes invisível nas práticas religiosas. Até hoje, a Igreja Católica não aceita o sacerdócio feminino.

O machismo estruturante das religiões e das culturas de muitos quadrantes da Terra, da Índia à Grécia, da China à Europa chegou até nós de maneira ainda palpável na violência doméstica, nos estupros, na diferença salarial, no discurso e na ação de políticos abjetos…

Então, nunca é demais recontar a história do ponto de vista feminino, empoderar figuras antigas ou contemporâneas que foram escondidas, esquecidas ou consideradas prostitutas.

Só agora, por exemplo, ficou claro historicamente que Maria Madalena não era prostituta, pois em nenhum lugar dos Evangelhos se fala dela como tal. Na verdade, houve por parte da própria Igreja Católica uma mistura de várias personagens bíblicas numa só, chamada de Maria de Madalena. E hoje, a própria Igreja já reconhece isso. Por aí se vê como são problemáticos os livros mediúnicos, que apenas repetem a tradição e não apresentam nenhuma visão mais avançada.

Mas então, quem foi essa mulher? O que fez? Qual a sua história?

Aí é que está. Sabemos muito pouco. Quase nada. E onde não há fatos históricos, há especulações.

As especulações começaram 200 anos depois de Jesus. Os Evangelhos gnósticos, que não foram considerados legítimos, são os primeiros a fantasiar sobre sua história. E há inclusive um Evangelho de Madalena, cujo manuscrito foi descoberto em 1896.

Há uma idealização geral – também entre alguns espíritas – de que os Evangelhos gnósticos são mais fieis à história e à mensagem de Jesus. Mas não é verdade. Eles foram escritos mais de um século depois dos Evangelhos canônicos, aliás, nem esses foram escritos diretamente pelos apóstolos. E quem se debruçar sobre um Evangelho gnóstico, como o de Tomé, Judas ou Madalena, verá coisas bem estranhas. Por exemplo, a linguagem é cifrada, excessivamente simbólica e mística e Jesus aparece sem a elevação moral que lhe é própria. Por exemplo, no Evangelho de Tomé, quando criança, Jesus mata uma pessoa com um olhar; no de Judas, ele combina a sua morte com esse discípulo, que era o único que o compreendia e a narrativa toda é irônica e com extremo desprezo para com os outros discípulos.

Os Evangelhos gnósticos não são igualitários. Há sempre um personagem escolhido, que mais entende Jesus e que é por ele iniciado em mistérios. O mestre demonstra exclusivismo, com desprezo dos outros. Aliás, na filosofia gnóstica (judaica, grega ou cristã) há ideias de iniciação e de desigualdade entre os seres humanos. Há aqueles que saberão e verdade e serão iluminados e a grande massa é vista como incapaz de acessar a luz do conhecimento. Neles não aparece nenhuma das simples, grandes e universais verdades a que estamos acostumados a ouvir desde séculos de Jesus: amar ao próximo indistintamente, perdoar setenta vezes sete, não julgar para não sermos julgados, olhar os lírios do campo e tantos outros ensinos poéticos e profundos. As palavras são cheias de mistérios, que só os iniciados entenderão.

Ora, há um eco gnóstico nesse filme da Madalena. Parece que só ela o entende, não aparece nenhum dos grandes ensinos de Jesus e o que é pior, Jesus se mostra fraco, desmaia duas vezes e precisa da força de Madalena para enfrentar a cruz.

Então, acho que a narrativa feminina do filme caiu no outro extremo. Não bastou valorizar Madalena, reconhecer nela alguém que seguiu e compreendeu Jesus e que o mestre confiou nela e a empoderou como apóstola. O filme tende a desvalorizar os homens, o masculino em geral, até no próprio Jesus.

Eu gostaria mais de um Jesus e de um entorno de Zeffirelli (do filme Jesus de Nazaré) com uma Madalena desse filme.

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