Henri-Edmond Cross - Nude sleeper (1907) |
Por Dora Incontri
O corpo em luta me acorda na madrugada. Eu, que na adolescência e na juventude ficava até à 3 ou 4 da manhã escrevendo, agora levanto quase esse horário para escrevinhar. Mas vejo o sol nascer e a orquídea que desabrochou à beira da janela do meu quarto. Olho no Whatsapp e lá estão lindas fotos que o meu querido Franklin Santana Santos me enviou do espaço que está construindo na Bahia, o Observatório do Ser. Queria estar lá, nessa terra que eu amo, mas a vida está suspensa. Já esteve durante dois anos de pandemia e para mim continua um tanto proibida no ir e vir. Escrever, trabalhar ainda pela telinha, descansar muito e cuidar de mim. É o que o momento pede, do que meu corpo e meu espírito precisam.
Ainda na madrugada, como uma laranja espanhola, dessas que dessedentam a sede diabética e um pote de gelatina diet, para aliviar a fome da cortisona e o desejo de doce, sem comprometer a glicemia.
Fiz minha quarta químio há dois dias e já encerrei a fase vermelha – uma etapa vencida. Mas uma semana atrás, estava internada por uma intercorrência. Uma vértebra quebrada, por uma osteoporose que eu nem sabia que tinha, talvez agravada pela químio, pela cortisona… não sei e a medicina também não pode quantificar muito, sempre digo que ela está longe de ser uma ciência exata. Sei que me vieram momentos de desânimo, ao constatar que terei agora de tratar de três coisas: a diabete, que já vem de tempos, mas foi piorada nesse processo, o câncer e a osteoporose… Respiro fundo, oro um pouco e levanto o ânimo e falemos das coisas boas que se dão nesse caminho.
Como sempre, o afeto e a espiritualidade são as âncoras da travessia.
Antes do evento da vértebra, recebi um gesto de amor que me tocou. Publiquei nas redes sociais e provocou comentários emocionados e alcançou centenas de visualizações. Samantha Lodi, minha amiga de poesia, de anarquismo, de Anália Franco e Louise Michel, veio me visitar. Por conta da pandemia, há mais de 2 anos que não nos víamos. Em certa altura da visita, ela saca uma máquina zero da mochila e rapa a cabeça, em solidariedade a mim. Empatia, companheirismo, amizade de mulher para mulher…
E deixem-me falar das mulheres… há muitos homens que estão solidários comigo nessa jornada, que me enviam palavras encorajadoras, preces e amor e me oferecem todo tipo de ajuda. Há meu pai que está comigo 24 horas.
Mas as mulheres… essa é minha maior rede de apoio. A irmandade, a sororidade, a cumplicidade, os mimos… vou citar algumas. As Cláudias amadas, irmãs em espírito, já que não tive irmãs de sangue nessa vida, a Mota e a Gelernter, que me acompanham nas químios e me cobrem de amor, de presentes e de preocupações. A Nena, que trabalhou comigo em casa mais de 10 anos, mas voltou para me acompanhar nos dias em que não tenho ajuda e me faz suas comidas deliciosas e amorosas. A Cleusa, a que me ajuda na casa há pouco tempo, que tem o nome de minha mãe e me apoia nesses dias também, em alternância com a Nena. Nos dias em fiquei internada, minhas ex-alunas, e amigas do coração, Larissa Blanco e Litza Amorim, estiveram no hospital comigo, cheias de cuidados e apoio. A Maria Paula Bernasconi, a quem não via há décadas, que foi aluna minha no Centro Espírita Pedro e Anita (eu tinha 18 anos!!), e agora passa aqui em casa e me deixa caixas de chocolate diet – o chocolate que alivia qualquer dor física ou moral (pelo menos para as mulheres).
E assim, as dores vão se amainando, o tempo vai se passando menos lento, porque o aconchego dado pelos afetos nos resgata de qualquer desânimo.
E ainda há as preces. Nunca é demais enfatizar que elas ajudam mesmo, são uma força real e seus efeitos são palpáveis. Durante as químios, oro com as Claudias, escutamos músicas que elevam e as reações durante a infusão têm sido nulas. Depois, nos dias seguintes, fico cansada, com a pressão baixa e palpitações. Um mal-estar generalizado. Mas nada de enjoo, nada de vômitos… estou convicta de que a infusão flui tão bem porque há oração e afeto que me cercam o copo e a alma.
E a poesia que não falta:
Uma dor no caminho
Se cura pelo amor
Um desânimo do espinho
Se desata com uma prece
Essa que entretece
A fartura da esperança.
Nada se perde no chão
Se levamos no coração
A oferenda dos amados
E o certo e divino pão.
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