Por Mário Portela
No descompasso emocional que caminha a humanidade, não nos damos conta do real sentido do viver. As grandes questões filosóficas que sitiam o pensar encontram-se guardadas dentro de um enorme saco sem fundo. Dessa forma, vivemos sob delírio profundo e ainda distantes de um entendimento genuíno.
Pensar é quebrar amarras, rasgando a camisa de força da ignorância, que vestimos como túnica nupcial. Diante desse protótipo, penso que conhecimento e vida não se separam, são duas faces de uma mesma moeda e a única forma de não sangrarmos por dentro é a conquista do autoconhecimento. Porém, conhecer-se a si mesmo não é lá uma das tarefas mais fáceis. Não foram poucos os pensadores que discorreram sobre o assunto. De todos eles, destaco em especial o filósofo Arthur Schopenhauer, famoso por sua coletânea de pensamentos pessimistas que dizem respeito à vida humana. Ele acreditava que a base da formação do nosso conhecimento racional tinha início com as sensações do corpo. Essas sensações seriam posteriormente decodificadas, gerando as representações daquilo que denominados mundo real. Com efeito, seríamos regidos pela vontade, esta sendo um espécie de experiência metafísica, presente em todos os humanos.
A questão ganha corpo e complexidade como consequência de que, a vontade é mola propulsora do desejo e devido ao desejo de sempre querer mais, a vontade acaba levando ao sofrimento humano, pois o homem nunca será satisfeito com uma única coisa. Para Schopenhauer, a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; ao mesmo tempo, é a fonte de todos os sofrimentos e a única forma de se libertar da vontade como mecanismo opressor é a total renúncia, forjada numa conquista espontânea, mas de grande esforço, a exemplo do estado de Nivarna apresentado no Budismo ou na libertação da vontade, presente em personalidades que incorporaram o cristianismo primitivo, livre do lamaçal religioso que o envolve.
Ao vivenciarmos as experiências de um mundo onde a realidade é una, não dissociando tempo e espaço, todos estamos ligados mentalmente a um único querer coletivo que nunca cessa – a eterna busca da felicidade. Esta procura está presente em todos os seres vivos, mesmo naqueles que catalogamos como irracionais. De alguma forma, o desejo de felicidade se apresenta em todos, numa essência transcendente que poderíamos chamar de vontade viver. Aristóteles no livro Ética a Eudemo, coloca a felicidade como finalidade última da alma humana. Mas quando começamos a nos questionar o que é felicidade, percebemos que as respostas estão ligadas aos meios e não aos fins, isto é, criamos formas simplórias de felicidade, discursos vazios e que divergem da ideia da felicidade aristotélica. Se a felicidade é o fim, dizia ele, tudo aquilo que não é permanente não pode ser confundido com felicidade. Todos esses discursos propagados pela sociedade são, na verdade, momentos de bem-estar proporcionados pela consumação da vontade e do prazer. Nessa busca enceguecida, nos transformamos em mercadoria útil, onde o fim em si, não somos nós, mas o que os outros podem sugar de nós. Malbaratamos o que somos, por já não nos encontrarmos em nós mesmos e rejeitamos nossa própria dignidade pessoal, terminando nossos dias vagando aturdidos, mendigando um pouco de carinho e atenção. Brincamos numa grande roda gigante que nos dá uma falsa sensação de liberdade, mas que, em essência, nada mais faz do que girar em círculos. Ao final, reiniciamos a mesma busca infrutífera.
Só se vence paradigmas destruindo crenças e só aniquilamos crenças quando nos permitimos deixar a mente solta, apta a captar o novo. Muitas vezes, para ficarmos em paz é necessário fugirmos da nossa própria vontade. Renunciar também pode ser sinônimo de força. Vislumbramos um futuro nebuloso, através de frestas de luxúria e não reconhecemos sua complexidade; talvez por não termos coragem de olhar a vida como ela realmente é. Precisamos renovar a mente, modificando as estruturas do pensamento. Para coexistirmos é preciso muito mais do que a vontade. Somente o empenho construído sob disciplina, poderá filtrar esse caldo azedo de impurezas morais que cultivamos em nosso imo. Justificar processos desumanos não nos torna mais humanos, tampouco, resgata a esperança que se esvai com as lágrimas que desaguam como um ribeiro, em nossa face desiludida de tanto sofrer. No sistema de Schopenhauer, o egoísmo que faz do homem, inimigo do próprio homem, nasce da ilusão de vontades independentes que massificam seus caprichos individuais. Ao tratarmos a chaga do egoísmo, substituiremos o espírito de luta pelo o espírito de simpatia, estabelecendo o princípio que é o fundamento de toda a verdade moral: Não prejudiques pessoa alguma, sê bom com todos, inclusive com você mesmo.
Estejamos sempre conosco, dominando os nossos sentidos e corrigindo nossas más tendências, tudo isso sem abrir mão de nossa própria dignidade pessoal, capaz de visualizar as coordenadas morais que nos conduzem a noção exata de contemplação da verdade e viabilizam a verdadeira libertação interior.
Ab imo pectore!
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