Por Jorge Luiz
Ainda sob o rescaldo das eleições, é triste reconhecer que o Brasil se encontra refém para definir o seu destino como civilização, da fé de “cristãos fundamentalistas”, sem identidade doutrinária alguma, que transita em um mar de contradições que vão desde Teologia da Prosperidade, Antigo Testamento, até Boa Nova de Jesus, temperadas com o pior da política brasileira. Com esse constructo ideológico, no oceano da ideologia capitalista, formou-se uma célula com características fascistas. Com experiências desses gêneros, o cristianismo vem, ao longo, esvaziando-se como experiência religiosa e o Cristo sendo um mero alienígena da Boa Nova.
O cristianismo de Jesus, que é uma mensagem de amor, perdão e tolerância, transformou-se no Brasil em um cenário de ódio, violência e intolerância aos que pensam e vivem diferentemente, isto tudo apoiado na Bíblia, que para eles, é “a palavra de Deus.” O que se enxerga hoje são espaços e líderes de vários cultos religiosos sendo atacados.
Essa parafernália doutrinária no mundo cristão brasileiro é digna de notas diante do profissionalismo religioso e político que se instalou, tendo como principais coordenadores pastores mercenários que se enquadram nas advertências do Meigo Nazareno. O Cristo, o qual ressuscitou, vê sua mensagem sepultada sem possibilidade de ressurreição, mesmo ante a profecia do Espírito Emmanuel, apontando o Espiritismo como Ele redivivo.
Sam Harris é um escritor, filósofo e neurocientista norte-americano. É o autor de O Fim da Fé (2004) (no Brasil, “A Morte da Fé”), laureado com o prêmio PEN/Martha Albrand em 2005, e de Carta a uma Nação Cristã (2006), uma resposta elaborada às críticas que o livro anterior recebeu.
Na Carta a uma Nação Cristã, Sam se dirige à cristandade no seu aspecto mais desagregador, destrutivo e retrógrado, e argui o mesmo negacionismo que ora se presencia no Brasil.
A cristandade neopentecostal brasileira expecta o retorno de Jesus, diante de um cenário destruidor, onde somente a “nação” (deles) está a salvo, discutindo as questões mais hilárias que vão desde um banheiro unissex até o fechamento de igrejas, quando, e passam ao largo, como na Parábola do bom Samaritano, frente uma realidade de milhares de pessoas que passam fome, famílias sem moradia, centenas de milhares de trabalhadores sem emprego, e quando os têm não gozam de nenhum direito básico, sem contar as inúmeras crianças nas ruas e sob o trabalho escravo.
Sam é enfático ao avaliar que algumas questões da sabedoria moral da Bíblia já foram solucionadas para a satisfação geral da civilização. Considere-se nesse aspecto a escravidão.
A edição da cristandade brasileira supera aos comentários de Sam. Aqui, os fundamentalistas cristãos imiscuíram-se na política com o seu próprio projeto de nação, solapados por um presidente autoritário que se acha ungido pelo Senhor, trazendo consigo a militarização do poder. Essa liga de “nitroglicerina pura” foge a padrões humanitários e sinaliza para uma ditadura teocrática, frente aos diversos processos que ora se desenvolvem, e assim ressurge o cristofascismo em sua face mais virulenta com requintes machistas, homofóbicos, armamentistas, louvados por cânticos ao Senhor, nos templos de fundamentalistas cristãos-capitalistas. Parte do segmento espírita emaranhou-se nessa barafunda em nome da tradição, negando os fundamentos progressistas e humanitários do Espiritismo.
Sam destaca um ponto interessante nesse aspecto quando diz:
“Um dos efeitos mais perniciosos da religião é que ela tende a divorciar a moral da realidade dos sofrimentos dos seres humanos e animais. (...) De fato, a religião permite que as pessoas imaginem que suas preocupações são morais quando, na verdade, são altamente imorais – isto é, quando insistir nessas preocupações inflige um sofrimento atroz e desnecessário em seres humanos inocentes.”
Continuando, ele evidencia que os cristãos gastam mais energia “moral” fazendo oposição ao aborto do que lutando contra o genocídio. Preocupados com os embriões humanos, não consideram a possibilidade de salvar vidas através das pesquisas com células-tronco.
Situação muito particular se constatou aqui no Brasil por causa da pandemia do coronavírus quando a ciência foi relegada a um segundo plano, e obstinou-se uma campanha contra o isolamento social, seguida da oposição ao uso das vacinas, o que levou a óbito milhares de brasileiros, cujas sequelas ainda durarão por algumas décadas.
No Brasil, segmento de igrejas ditas cristãs disseminam crenças e ideias que são flagrantemente irracionais.
A eleição brasileira, reconhecidamente, foi uma escolha entre a barbárie e a civilização. Tornou-se uma questão, acima de tudo, humanitária com desdobramentos mundiais. A civilização saiu vencedora. A fraternidade cristã deve ser resgatada. O escritor moçambicano Mia Couto, nessa linha de raciocínio, adverte que o que estava em jogo no Brasil na última eleição é a “defesa da própria ideia de Humanidade.”
Nesses impasses religiosos, surgem muitas indagações acerca da finalidade da religião no progresso da Humanidade. Pesquisadores advertem que ela cumpriu papel primordial no desenvolvimento da coesão social do homem. Portanto, não faz mais sentido. Já outros, não veem dessa maneira.
O fato é que a religião, enquanto instituição, fracassou universalmente. A religião há muito tempo passou a ser aparelhamento da ideologia capitalista. No vácuo dela, o cristianismo também esvai-se lentamente.
Segmento do movimento espírita brasileiro, de apelo religioso, também enveredou nesse conservadorismo, causando ruptura doutrinária e exigindo uma reconfiguração em toda a sua constituição institucional e individual.
Religião e religiosidade, ou espiritualidade como alguns entendem, sempre é necessário fazer essa distinção. O sentimento de religiosidade (adoração) é patrimônio do Espírito, é um sentimento inato, como o da Divindade, e faz parte da Lei Natural – Lei de Adoração - e é encontrado em todos os povos e em todas as épocas. Somos seres que gravitamos para Deus, por isso o desejo de transcendência. Sam, a esse respeito, afirma:
“Se algum dia chegarmos (e chegaremos) a transcender nossa confusão religiosa, lembraremos deste período da história humana com horror e espanto. Como foi possível que as pessoas acreditassem em coisas assim em pleno século XXI? Como foi possível que deixassem suas sociedades se tornarem tão perigosamente fragmentadas por ideias vazias acerca de Deus e do Paraíso?
O que anima e traz confiança é que jamais a civilização contará com um Deus liberal, e nem mesmo conservador, mas um Deus Amor, que tangencia a civilização ao progresso, isso nos dá a certeza de que nos encontraremos em Deus.
O Espiritismo como ciência do Espírito favorece esse entendimento e, infelizmente, não atende às demandas dos liberais e conservadores, e aqui inicia a responsabilidade dos espíritas de colocar a realidade do Espírito em um ponto de destaque que o situe fora do ranço religioso que atravanca a marcha do progresso da Humanidade.
REFERÊNCIAS
HARRIS, Sam. Carta a uma nação cristã. São Paulo, 2006.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo, 2000.
WEILBER, Ken. O olho do espírito. São Paulo, 1997.
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