quarta-feira, 1 de março de 2023

O HOMEM: ETERNO NAZISTA?

       

Por Jorge Luiz

 

            A face sombria do Brasil é fascista. Ela se revelou nos recentes anos e emponderou pessoas e instituições.

Por 10 votos a zero, os vereadores de São Miguel do Oeste (SC) – todos homens – cassaram o mandato de Maria Tereza Capra (PT), sob alegação de quebra de decoro parlamentar. A vereadora denunciou a saudação nazista (foto acima) feita por extremistas de direita em ato de apoio ao então presidente Jair Bolsonaro. Decisão, indiscutivelmente, de apoio ao fascismo.

A questão aqui colocada não é de foro específico sobre bandeiras partidárias, mas, apenas, abordar esse fenômeno mundial que recrudesceu no Brasil nos últimos quatro anos, proporcionando um crescimento de células nazistas na ordem de 270%. Isso ocorrendo em uma assembleia de representantes do povo, logo se percebe que o nazismo é uma das peças do enredo de uma sociedade capitalista.

O fascismo está na agenda mundial. Estudos, pesquisas e obras literárias são publicadas e outras são resgatadas com o mesmo propósito: elaborar uma crítica ao fascismo, suas origens e o perigo para as democracias mundiais.

A questão se tornou emblemática no Brasil quando trouxe essas expressões fascistas para perto de cada brasileiro. Ocorreram rompimento de amizades e laços familiares que não deixam de ser oposição de parte da sociedade brasileira ao fascismo. A esse respeito, o professor e filósofo do Direito, Alysson Mascaro, expressa-se:

 

“Desde há muito, os fascismos ampliaram a desgraça das sociabilidades capitalistas pelo mundo. Se é verdade que da época de seu surgimento até hoje encontraram resistências e oposições, a maior parte das críticas ao fascismo, ao não alcançar a materialidade de suas causas, contribui para sustentar as condições de possibilidade e reafirmação de tal experiência. Mediante deslocamentos ou diluições de suas razões, assim operam as leituras liberais, que insistem nas instituições políticas e jurídicas capitalistas como salvaguarda daquilo que elas próprias contribuem para gestar.”

 

            Conclui-se, portanto, que o fascismo é elemento indissociável do ideal do capital e sempre se mostra presente nas crises recorrentes do capitalismo.

            No Brasil, presenciamos que a luta contra o fascismo não é uma luta fácil. Venceu-se uma batalha, mas a guerra continua, pois ele sobrevive no ambiente familiar, social, religioso, militar, político, judiciário... e até espírita. Ele faz parte da estrutura psicológica do indivíduo? Esse é o ponto que merecerá a reflexão desse resenhista.

            Ken Wilber, um dos grandes pensadores dos dias atuais, não se faz de rogado e nem recorre ao politicamente correto quando se refere aos nazistas, pois, da mesma forma, ele fala da maior parte da sua família e sobre os seus melhores amigos.

            Wilber, ao estudar o desenvolvimento moral do indivíduo – estágios da consciência –, admite que o ser humano passa do “eu” (egocêntrico) ao “nós” (etnocêntrico) até “todos nós” (globocêntrico). A partir dessa escala, Wilber admite que 70% da população mundial é nazista – etnocêntricos. Em seguida, ele faz a seguinte pergunta: “Quem é o dono das ideias e crenças seguidas por esses 70%?” A resposta é por demais desconcertante: “De modo geral, as grandes religiões do mundo.” Aqui, reside a causa – caráter religioso do Espiritismo – para se entender o fascismo entre os espíritas brasileiros.

            Teve bastas razão Benito Mussolini (1883-1945), político italiano, ao profetizar que “O fascismo é uma religião. O século XX será conhecido como o século do fascismo.”

           

            Umberto Eco (1932 - 2016), escritor e filósofo italiano, contraria Wilber ao afirmar:

 

“Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Com o fascismo, ao contrário, é possível jogar de muitas maneiras sem que mude o nome do jogo.”

           

            Eco, buscando esclarecer a confusão sobre a temática nazismo versus  fascismo, elabora uma lista de características típicas daquilo que ele gostaria de chamar “Ur-Fascismo(1)” ou “fascismo eterno”: a) culto à tradição; b) a recusa da modernidade; c) irracionalismo; d) o discordar é traição; e) racismo por definição; f) nacionalismo (por isso a obsessão pela conspiração/xenofobia); g) os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais; h) o pacifismo é conluio com o inimigo; i) desprezo pelos fracos; j) cada um educado para se tornar um herói; k) machismo; l) populismo qualitativo (oposição aos “pútridos” governos parlamentares; m) o Ur-Fascismo fala uma “novilíngua” (todos os textos escolares nazistas e fascistas se baseavam em um léxico pobre e uma sintaxe elementar).

                       

            Com relação a essas e outras contradições, o professor e filósofo Herculano Pires comentou em sua festejada obra O Reino, onde ele faz menção às problemáticas do movimento espírita brasileiro quanto aos problemas sociais, aos espíritas reacionários, ao tipo burguês, aos apegados às injustiças do capitalismo, aos espíritas de tendências fascistas e aos revolucionários que ardem pelas transformações sociais imediatas. Ele falhou por não antever, comparou o meio espírita a outros meios – as profundas sequelas em que hoje é preciso conviver, estando os espíritas perdidos – não só doutrinariamente como Herculano Pires considerou – dentro de um labirinto ideológico com nenhuma perspectiva de solução.

            O pano de fundo para essa situação tem sido apontar o dedo para o médium baiano Divaldo Franco, frente aos impropérios por ele ditos em palestras, até por ignorar as temáticas abordadas nos campos sociopolíticos. Precisa-se entender que o Divaldo é um homem de quase um século de vida e essas dissociações cognitivas são pertinentes à idade. Errados são os do seu entorno que ainda o permite sua participação nesses eventos, abertos a essas provocações.

            Sabemos que o fascismo não é eterno, como afirma Eco, e nem tampouco todos seremos fascistas, como mostrado nos estados da consciência de Wilber. O Espírito, conforme ensina os Espíritos, é criado simples e ignorante, através da “esteira transportadora” de Wilber, e através das vidas sucessivas espíritas. Poder-se-á até existirem algumas mesclas fascistas, temporariamente, na condição de seres teleológicos que somos, contudo, tendentes todos à plenitude com o Criador.

            Há espíritas fascistas? Eis a questão, já que há espíritas bolsonaristas e o bolsonarismo é fascismo e se mostra como uma grande ameaça à integridade da democracia brasileira. Essa é a principal questão que divide o meio espírita e ninguém, no entanto, autoavalia-se assim. O que fazer?

A resposta é mais desafiadora e exige maturidade para quem autoafirma espírita. Chegou a hora da revelação do ser. A hora que todos os espíritas deverão dar o testemunho do que o Espiritismo fez de positivo em suas vidas. Precisa-se discutir todos esses senões e porquês, sejam em encontros de trabalhadores, sejam em seminários e congressos. Todas essas questões estão esvaziando as casas espíritas e os eventos. Chega de temáticas sobre a “cor do céu”, enquanto na terra a coisa está tingida de ressentimentos.

            Hipócritas, não somos! Ou somos?

           

           

           

Referências

 

ECO, Umberto. Fascismo eterno. E-book. Rio de Janeiro, 1997.

MASCARO. Alysson. Crítica do fascismo. São Paulo, 2022.

WILBER, Ken. Espiritualidade integral. São Paulo, 2006.

PIRES, J. Herculano. O Reino. São Paulo. E-book

(1) Ur- é um prefixo que significa "original, antigo, primitivo", do alemão ur- "(fora) de, anterior", do protogermânico *uz-, "de", do protoindo-europeu *ud- "para cima, para fora".

 

   

5 comentários:

  1. Ótimo texto! Provocativo e inquietante. Nos faz refletir sobre a dura realidade (des)humana e, como não deixar de dizer, realidade espírita.
    O que a Vida nos pede é coragem... para enfrentar a realidade posta neste plano, como diz o autor, em vez de discutir a "cor de céu".
    Esta tarefa, me parece, deverá ser feita principalmente pelo espíritas do campo progressista e dialógico, pois o movimento institucionalizado hegemônico, ahhh, este somente contempla a "cor do céu" e se envaidece da caridade cotidiana que não muda o status da face fascista brasileira mas "garante" um lugar no Nosso Lar.

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  2. Ótimo texto. Boa reflexão.

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  3. Excelente conteúdo e maravilhosa fonte de consultas. Urge sempre analises dessa natureza, diante das adversidades Fascitas e Nazistas por estarem de mãos dados e contraria ao preconizado ensino de Jesus , bem como na literatura espírita e autores constantes nas referencias acima. A mesmice de dantes e as contradições atuais, demonstram ignorar os problemas sociais que precedem, refletirmos e reeducarmos a luz da EMPATIA. Parabéns JORGE LUIZ, porém nem todos que irão não conseguirão refletir se seu cotidiano está concorde ou discorde com texto em epígrafe.
    Marco Pollo Dutra

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