Por Jorge Luiz
“Havia naquele tempo Jesus, um homem sábio (se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer). Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. Era o CRISTO. Os mais ilustres da nossa nação acusaram-no perante Pilatos e ele fê-lo crucificar. Os que o haviam amado durante a vida não o abandonaram depois da morte. Ele lhes apareceu ressuscitado e vivo no terceiro dia, como os santos profetas o tinham predito e que ele faria muitos outros milagres. É dele que os cristãos, que vemos ainda hoje, tiraram seu nome.”
O relato acima é do historiador e apologista judaico-romano (37 d.C./100 d.C.), quando noticia a existência e os feitos de Jesus, em sua obra História dos Hebreus. Aliás, afora os evangelistas, Josefo é a única fonte histórica que noticia realmente a existência de Jesus.
Não restam dúvidas de que Jesus foi crucificado sob o governo de Pôncio Pilatos, entre os anos 26 e 36, da província romana da Judeia. Isso, na realidade, é ponto pacífico entre os evangelistas. Jesus foi submetido a dois julgamentos: um pelo Sinédrio e um outro por Pilatos. Esses mesmos evangelistas apontam os líderes religiosos judeus como responsáveis pela condenação preliminar do Nazireu.
As religiões formais historicamente apresentam aspectos que se repetem sempre através das civilizações, quando infectadas pelo fundamento religioso. Esse ponto foi determinante para a condenação de Jesus e seria também hoje, caso ele retornasse, pois seria submetido às mesmas perseguições e acusações pelo status religioso atual, mesmo considerando que algumas dessas seitas religiosas esperam o seu retorno. Que não se tenha dúvidas!
Apoio-me, para esse intento, em John Dominic Crossan, teólogo, figura importante nos campos da Arqueologia Bíblica, Antropologia, Novo Testamento e Alta Crítica. Ele menciona a um artigo de John Smith (1570-1612) - ministro inglês anglicano, batista e, então, menonita e defensor do princípio da liberdade religiosa onde ele se refere a uma mudança profunda no mundo antigo, no século II (a.C). Essas transformações transitavam para a vinda de um mago, e não mais o Templo para que se alcançasse o acesso à divindade. Diz Crossan, citando Smith:
“Ao invés de um lugar sagrado, o novo centro de acesso à divindade passa a ser um homem divino, um mago, que age como uma espécie de empresário sem escritório fixo e costuma se relacionar com ‘divindades metamorfoseantes’, que apresenta uma forma relativamente vaga e cuja característica principal é a sua súbita e dramática epifania. (...)”
A coleção cristã considera esse relato cumprido com a reencarnação de João Batista, com a volta do mago Elias, fato estudado em O Evangelho Segundo o Espiritismo. A coleção hebraica só faz menção à reconstrução do Templo, por isso o judaísmo não reconhece Jesus como o Mago ou Messias.
Aqui está o cerne do principal móvel, na visão desse mediano escrevinhador, como a parte mais sensível para a reação dos chefes do Sinédrio para a aversão à figura de Jesus, ante as afirmativas que destruiria o Templo feito por mãos humanas e em três dias construiria outro, que não seria feito por mãos humanas. (Mc, 14:58); (Mt, 26:61)., Jesus estava se referindo ao Templo (corpo), e reconstrução em três dias (ressurreição). O filme Ressurreição, 2016, dirigido por Kevin Reynolds e Joseph Fiennes, oferece uma dinâmica fantástica desses processos. Os romanos não tinham nenhum motivo para condenarem Jesus. A conclusão de Pilatos é prova disso, “Ele sabia que, por inveja, os principais sacerdotes o haviam entregado. E, estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não entres na questão desse justo, pois num sonho muito sofri por causa dele.” (Mt, 29:19-20).
Para o povo judeu, a Páscoa lembrava a aliança feita com Deus, onde deveria ser celebrada com o sacrifício de um cordeiro. Páscoa é, para os Judeus, a comemoração da passagem de Israel do cativeiro para a liberdade. E foi nas comemorações da páscoa judaica que Jesus foi crucificado, aqui surge a condição dele como “O cordeiro de Deus”, imolado para a salvação da humanidade.
Jesus, como “O cordeiro de Deus”, é inserido no cristianismo através do Evangelho de João (11:45-57), onde narra toda a trama dos judeus para matar Jesus, antes seus sinais miraculosos, quando o sacerdote de nome Caifás afirmou: “Vós não percebeis que convém que um só homem morra pelo povo, e não que pereça toda a nação.” O próprio João (1:29), lembra João Batista, afirmou: “(...) Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” Pouco tempo depois a Igreja vigente considerou a ressurreição de Jesus como o sangue do “cordeiro de Deus”, que redimiu o pecado de toda a humanidade.
Para os espíritas, a ressurreição de Jesus é o cântico divino da Imortalidade revelando a realidade do Mundo Invisível. Jesus reaparece em seu corpo espiritual, tal como está em I Coríntios (15:40;42;44):
“E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos celestes e outra a dos terrestres. (...) assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção, é ressuscitado em incorrupção. (...) semeia-se o corpo animal, é ressuscitado o corpo espiritual. Se há corpo animal, há também corpo espiritual.”
A esse corpo designado pelo Apóstolo Paulo como corpo da ressurreição, Allan Kardec o designa como perispírito, ao comentar a questão nº 93 de O Livro dos Espíritos : “Como a semente de um fruto envolvido pelo perisperma, o Espírito propriamente dito é revestido de um envoltório que, por comparação, se pode chamar de perispírito.”
Francisco Cajazeiras (1954-2020), médico e escritor espírita, assim se expressa sobre a páscoa para os espíritas;
“É a oportunidade para refletir sobre a imortalidade da alma exemplificada por Jesus e reafirmada pela Doutrina Espírita, através dos sérios estudos para a comprovação e o conhecimento das leis que regem a mediunidade, não se prestando – como de resto nenhuma outra data festiva – à utilização de simbologias destituídas de valor, pelo menos dentro de uma abordagem doutrinária.
A crucificação de Jesus é um dos fatos historicamente mais discutidos dentro dos Evangelhos. As narrativas são apresentadas por esse escriba, para suas conclusões pessoais, ante os escritos dos evangelistas. Reforço a opinião do tratamento que lhe fora dado à época, e hoje se daria se do seu retorno ao nosso meio. Karl Kautsky (1854-1938), filósofo tcheo-marxista, mostra um cenário que se repetiria hoje, com certeza:
“Nem a massa de menor inteligência pode ser levada a um ódio fanático sem motivo algum. O motivo pode ser tolo ou mau, mas precisa haver um motivo. Nos Evangelhos, a multidão judaica excede, em sua estúpida vilania, o mais perverso e idiota vilão do melodrama. Porque, sem a menor razão, sem o menor motivo, clama pelo sangue de que venerava no dia anterior.”
William Reich (1897-1957), austríaco, médico, psicanalista e cientista natural, a esse respeito considera que se Jesus reencarnasse em qualquer época, e a couraça moral do homem continuasse como a da Palestina àquela época, o assassinaria da mesma maneira. A sociedade, no entanto, transformou-o em arquétipo que sempre atuou e atua como liberdade desse labirinto que é a miséria humana. Para isso, diz Reich:
“(...) formaram-se grandes corporações políticas chamadas <<partidos>>, alguns dos quais defendem o que chamaram status quo na prisão, os chamados <<conservadores>> (que se esforçaram por manter as leis e os regulamentos que tornavam possível a vida na prisão) e, opondo-se-lhes, os chamados <<progressistas>>, que combateram, sofreram e morreram nas galeras por terem preconizado mais liberdade na prisão.”
Essa é a estupidez que emoldura a cristandade nos dias atuais.
Referências:
CAJAZEIRAS, Francisco C. Elementos de teologia espírita. São Paulo. EME, 2002;
CROSSAN, John D. O jesus histórico. Rio de Janeiro. IMAGO, 1991;
JOSEFO. Flávio. História dos hebreus. Rio de Janeiro. CPAD, 2000;
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo. LAKE, 2000;
KARL, Kautsky. A origem do cristianismo. Rio de Janeiro. ABDDR, 2010;
REICH, William. O assassinato de Cristo. Portugal: DOM QUIXOTE, 1983.
Excelente texto. Parabéns Jorge. Muito bem elaborado
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