sexta-feira, 5 de abril de 2024

ESPIRITISMO LACRADOR NO SÉCULO XXI

 

Por Ana Cláudia Laurindo

Analisar sociedade é ofício inato dos que se constituíram cientistas sociais, entre os quais estou; e falo desde este lugar nem sempre grato em retornos imediatos, mas necessário à resistência do livre pensar.

Assim sendo forjada que fui pela história de sobrevivência em ambientes e relações hostis, sigo cumprindo este dever intelectual ao qual me associo por livre escolha, orientada por sistemas internos de valores que apontam para o comprometimento com a ciência em termos libertários, desvinculada dos tradicionalismos burgueses assim como dos liberalismos identitários dessa hora.

Se de uma perspectiva imediata e consumista muito perco, daquela outra resistente e livre, continuo ganhando, porque o ouro aqui é subjetivo, é a sobrevivência da pessoa pensante, sempre sob riscos.

Espiritismo: campo de amores doces e amargos, ao sabor das expectativas construídas e experimentadas em vivências. Como amo abrir os pensares feito asas, e flanar sem medo pelas revelações, encontros e reencontros afetivos, na busca de amadurecer diálogos, nem sempre fáceis.

Como fenômeno social em território histórico, muito já foi dito sobre a contaminação do seu legado através das exposições inevitáveis aos momentos políticos humanos, em sociedades intencionalmente mantidas pelo giro do poder.

Críticas válidas. Embasadas nas teorias de reproduções culturais e lógicas de manutenção da força de coesão dos sistemas dominantes.

Contudo, ouso apontar a mesma vulnerabilidade do pensamento espírita diante dos movimentos liberais da contemporaneidade.

Se já foi o Espiritismo afetado pelo positivismo, pelo humanismo iluminado, pelas multifaces do sistema capitalista em todos os tempos modernos, e serviu de cortina para a percepção do mal em suas performances políticas de manutenção das desigualdades e crimes de predação humana, estará também, neste dado instante, exposto ao fenômeno liberal (violento) desta era, que a partir das redes sociais podemos identificar como “identitarismo” e “lacração”.

Já adianto que abordar este tema é enfrentar um dos maiores tabus de agora, pois o mesmo é encampado por variados atores, desde lugares distintos, afinados com convicções progressistas, mas esfaimados para “cancelar” quem deles discordar.

Da minha parca, mas humilde segurança existencial, porém, reafirmo que minhas contribuições intelectuais não almejam o agrado nem o desagrado, mas a honestidade do meu livre pensar. Por isso mesmo estou aqui a afirmar que existe um “Espiritismo lacrador” silenciando vozes espíritas, por repetição ontológica de mecanismo liberais intolerantes.

Onde encontrar o equilíbrio, quando de repente nos percebemos encantados com os discursos que parecem romper barreiras, mas na verdade, criam cortinas que encobrem elementos cruciais, como por exemplo, a luta de classes como a verdadeira geradora de desigualdades sociais e históricas?

De repente, o amor aos empobrecidos vitimados pela crueldade do capitalismo, foi transferido para o amor a segmentos humanos distintos em suas lutas setorizadas, bastando para isso a adesão comovida de quem não precisa mais estudar sobre sociedade e sistemas políticos, para entender a dinâmica deste mundo.

Luta que fragmenta. Que parece bastar em si mesma. Mas na verdade, tem sido fomentada e alinhada aos interesses do mais sagaz sistema que a contemporaneidade enfrenta sem preparo, sem tônus vital, sem formação política adequada: liberalismo identitário, o coveiro da luta de classes.

Obviamente estamos em análises constantes deste fenômeno, e sabemos que muitos podem estar lucrando com ele, afinal, é um tentáculo do capitalismo, sistema que induz ao ganho sob qualquer circunstância. Mas nossa reflexão não busca rastrear lucros microscópicos de última hora, o objetivo é manter a seriedade do pensamento crítico e libertário.

Pois nada se tornou mais fácil do que criticar o capitalismo arcaico e suas versões extremistas. Difícil e até perigoso hoje é criticar o liberalismo lacrador, que substituiu a guilhotina e a emboscada pelo cancelamento, isolando e silenciando pessoas abertamente.

Sem intenção de esgotar essa análise, partilhamos este pensar na compreensão de que a lacração no Espiritismo não é um elemento progressista, como alguns insistem. É apenas liberalismo.

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