Por Jerri Almeida
Na Revista Espírita de janeiro de 1858, Kardec publicou a emocionante narrativa da mãe que havia perdido uma filha de catorze anos. Essa jovem havia sucumbido a uma longa e dolorosa doença. Inconsolável com essa perda, dia a dia a mãe via sua saúde fragilizar-se, alimentando diante de suas angústias e desgosto pela vida, ideias de suicídio. Instruída sobre a vida espiritual e a possibilidade de comunicação com sua filha, encontrou em uma reunião doméstica, através de uma senhora médium, o reencontro com sua amada filha.
Mas, seria mesmo sua filha?
- És tu mesma, minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?
A resposta veio rápida:
- Lili
Era um pequeno apelido familiar dado à jovem em sua infância, mas que não era de conhecimento da médium, considerando-se que há vários anos, só a chamavam pelo seu nome: Júlia.
Qual a mãe que não conhece realmente seu filho? Esse e outros dados foram trazidos pela jovem, eram os sinais, a identidade era evidente. Não podendo dominar a emoção, a mãe explode em lágrimas!
- Mãe! Por que te afliges? Sou feliz, bem feliz: não sofro mais e te vejo sempre.
O diálogo e o relato prosseguem! Kardec faz sua observação:
Em presença de semelhantes fatos, quem ousaria falar do vazio do túmulo, quando a vida futura se nos revela assim tão palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefável em poder conversar com a filha; não há mais separação entre elas; suas almas se confundem e se expandem no seio uma da outra, pela permuta de seus pensamentos.
O sofrimento é inerente ao viver! A experiência humana é inquietante, por vezes, mergulhada em angústias dos mais variados matizes. Viver sem significado, é como o indivíduo que tenta buscar todas as explicações estudando somente a folha, ignorando por completo a árvore. A existência material é, metaforicamente, a “folha”. A vida, na perspectiva espiritual, a árvore. Olhar apenas a folha é angustiante. É uma busca melancólica, torturante, Indiferente e fria. Como compreender os processos químicos que ocorrem na folha, sem temos a sapiência de estudarmos a árvore que a originou?
Os críticos do espiritualismo asseveram que o homem criou a metafísica para digerir melhor a ideia de sua própria finitude. Os que assim se manifestam, imaginam reter a verdade em suas crenças filosóficas ou científicas, também limitadas pela condição humana.
Viver com vida, com confiança nas disposições humanas e numa ordem que pensou inteligentemente a natureza, pode ser uma perspectiva para se viver esperançosamente. Kardec ofereceu uma lente de reflexão, para pautarmos nosso olhar. O desgosto pela vida poderá, assim, simbolizar ou representar, uma fragilidade do olhar.
A condição humana é um constante conviver com “espaços vazios”, ou seja, com interrogações e dúvidas inerentes a incompletude relativa do homem, em busca da perfectibilidade relativa do espírito. Sendo a existência, como defendem alguns, algo de incerto e inseguro, sem garantias de sucesso, a fé é uma possibilidade radical, para a manutenção dos sonhos possíveis.
De fato, o espiritismo não afasta o sujeito da existência, nem mesmo a crítica. Entretanto, percebe a vida numa perspectiva de serenidade, com todos os seus desafios, na sua estrutura vivencial e reencarnatória. O ser humano se completa na existência e se plenifica na vida. Essa vida, quanto mais rica de significados, mais complexa se torna, no sentido de permitir um olhar para diferentes possibilidades. Uma espécie de pensamento alargado.
Ótimo texto.
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